Subsidiar preço dos combustíveis prejudica abastecimento, dizem petroleiras
A Petrobras tenta vender suas refinarias desde o governo de Michel Temer
O crescente apoio à intervenção na política de preços dos combustíveis da Petrobras em meio à escalada da cotação do petróleo provocada pela guerra na Ucrânia gerou uma reação das empresas do setor que atuam no Brasil.
Normalmente avesso a manifestações públicas, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás) afirmou nesta segunda-feira (7) que a prática de preços artificiais pode prejudicar o abastecimento de combustíveis e afastar investimentos no setor.
Disse ainda que problemas de abastecimento poderiam ter efeito contrário ao desejado pelo governo, já que uma escassez de oferta pressionaria os preços finais ao consumidor, como aconteceu quando o fornecimento foi afetado pela greve dos caminhoneiros de 2018.
“A capacidade de refino do Brasil não atende a demanda nacional, precisamos importar entre 15% a 20% da demanda”, disse o presidente do IBP, Eberaldo de Almeida Neto. “Se mantivermos preços artificiais, não tem sentido importar mais caro para vender mais barato.”
“É fundamental para a garantia do abastecimento nacional a prática de preços de mercado, para que os agentes possam importar. Se tem apenas 80% da demanda atendida, o preço final vai disparar”, completa o executivo.
O IBP reúne as maiores empresas dos setores de exploração e produção de petróleo e distribuição de combustíveis do país. Entre seus associados estão a Petrobras e empresas estrangeiras, como as gigantes ExxonMobil e Shell.
No cargo desde maio de 2021, Almeida Neto convocou uma rodada de entrevistas para se posicionar em relação às propostas de controle de preços, que receberam nesta segunda apoio explícito do presidente Jair Bolsonaro (PL) e preocupam investidores.
“A maior inflação é a inflação causada pela escassez. Se tiver escassez de combustíveis, vai acontecer o que aconteceu na greve de 2018: a gasolina não chegava aos postos e o dono do posto subiu o preço”, argumenta ele.
Almeida Neto defende que a dependência brasileira de derivados importados é uma consequência das incertezas quanto à política de preços dos combustíveis, que evitaram investimentos na ampliação do parque nacional de refino.
“Por conta do histórico de intervenção de preços, todo mundo tem medo de investir. Por isso não teve mais investimentos em refino. A gente acha que essa intervenção gera sequelas complicadas”, afirma ele.
A Petrobras tenta vender suas refinarias desde o governo Michel Temer, mas até o momento só conseguiu interessados em duas unidades de médio e grande porte, a de Manaus e a de Mataripe, na Bahia, a única hoje operada por um grupo privado.
Comprada pelo fundo árabe Mubadala, a refinaria baiana vem praticando preços mais próximos do mercado internacional e já repassou a seus clientes parte da escalada recente das cotações, com aumentos que chegaram a 25% no diesel e 19% na gasolina neste sábado (5).
Logo após assumir as operações, em dezembro de 2021, a empresa anunciou planos de investir na ampliação da unidade. Sua gestão, porém, ainda não se manifestou sobre as recentes propostas de controle de preços.
Com a crise no Leste Europeu, diz o presidente do IBP, o Brasil poderia despontar como alternativa para investidores no setor, já que tem reservas de petróleo e histórico de cumprimento de contratos, mas o retorno de controle de preços pode ser um empecilho.
“O Brasil se diferenciaria do resto do mundo e teria oportunidade de atrair investimentos, não só no upstream [exploração e produção de petróleo] quanto no downstream [refino e distribuição de combustíveis], porque os investidores veriam no Brasil um país que segue regras de mercado.”
Segundo ele, o governo deveria focar os esforços em políticas que beneficiem a população de baixa renda, sem subsidiar a compra de produtos por consumidores mais ricos.
“Quando se cria um fundo para financiar uma demanda grande como a brasileira, estamos falando em centenas de bilhões de reais. É preciso fazer escolhas”, afirma.
Almeida Marques avalia que o Brasil enfrenta a crise atual em condições melhores do que nos choques do petróleo dos anos 1970, já que saiu da condição de importador para a de exportador da commodity. A elevação das cotações internacionais, portanto, tem efeitos positivos na arrecadação dos governos.
Na sua opinião, o mercado seguirá pressionado no curto prazo, já que é preciso tempo para equilibrar as condições de oferta e demanda, que já haviam sido prejudicadas pela queda dos preços internacionais na pandemia e agora podem ser impactadas pelas sanções à produção russa.
Preços mais altos, ressalta, viabilizam projetos que foram abandonados durante a pandemia, que levou as cotações internacionais para abaixo de US$ 10 por barril. É o caso, por exemplo, de projetos de produção em reservatórios não convencionais nos Estados Unidos.
“Para aumentar a produção, tem uma inércia. Vai desde alguns meses -como no caso do Irã, que quer aumentar a produção em 1,2 milhão de barris por dia em campos reativados- até seis, sete anos para investir em campos novos no offshore [marítimos]. Depende muito do local e do tipo de jazida.”
Assim, o mundo deve voltar a conviver com petróleo mais caro, mesmo com a tendência de substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis, que vinha se acelerando mas perdeu um pouco a força durante a pandemia.
“Isso leva a crer que regredir a patamar de US$ 70 por barril em pouco tempo é totalmente improvável. Teria que aumentar produção e reduzir bastante a demanda para que haja esse encontro”, afirma. “Mas daqui a quatro anos, por exemplo, tudo é possível.”
Por Nicola Pamplona