Sem apoio, Câmara adia pela 2ª vez votação da PEC que amplia influência política em órgão do Ministério Público
Documento foi rejeitado por 216 votos
Pauta defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que muda a composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) teve a votação adiada pela segunda vez, em meio à dificuldade de obter apoio para aprovar o texto.
A proposta, criticada por deixar o órgão mais suscetível à interferência política, encontrou nesta quinta-feira (14) resistência no plenário dos deputados pela segunda sessão. Sob pressão e diante do risco de derrota, Lira decidiu apenas discutir a matéria nesta quinta e marcar a votação para a próxima terça-feira (19).
A dificuldade de angariar apoio ficou novamente evidente na votação do requerimento de retirada de pauta, que foi rejeitado por 214 votos contrários a 145 favoráveis -na quinta-feira passada (7), o documento foi rejeitado por 216 votos contrários a 197 favoráveis.
O requerimento é considerado um termômetro para a votação. Isso porque a PEC precisa do apoio mínimo de 308 deputados, em votação em dois turnos.
Só depois disso segue para o Senado, onde precisa de 49 votos, pelo menos, também em votação em dois turnos.
Após a votação do requerimento, Lira iniciou a discussão, mas informou que a votação seria adiada.
“Esta presidência informa, antes mesmo de votarmos o requerimento do Novo [de adiamento da discussão por cinco sessões], que nós hoje terminaríamos a discussão da matéria e marcaríamos a votação para terça-feira [19], um dia mais adequado, talvez já com o plenário completo possa facilitar a discussão e torná-la mais completa”, afirmou Lira.
A PEC, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), atraiu críticas de associações ligadas a promotores e procuradores, que consideravam que abria margem para interferência política no CNMP, órgão responsável por realizar a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público e de seus membros.
Integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato foram alvo de seguidos processos no órgão nos últimos anos, que já levaram inclusive à punição do procurador Deltan Dallagnol.
A proposta, relatada pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), aumenta de 14 para 17 o número de integrantes do CNMP. São mantidos quatro membros do Ministério Público da União e três do Ministério Público dos estados.
O texto, porém, abre a composição do conselho ao permitir que STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça) indiquem não só juízes, como ocorre hoje, mas também ministros para o órgão.
Também amplia a indicação de membros do conselho a cargo do Congresso: em vez de dois, como na Constituição, serão cinco. Ou seja, na prática, somente sete integrantes do CNMP seriam oriundos de Ministérios Públicos.
O desequilíbrio é um dos principais pontos criticados por associações de procuradores e promotores, que afirmam que isso diminui a independência do órgão e amplia a influência política no CNMP.
Um dos principais fatores que abrem essa brecha é o dispositivo que estabelece que o corregedor e o vice-presidente serão indicados pelo Congresso. Para especialistas, isso abre caminho para judicialização, pois o corregedor é responsável por investigar atos de políticos.
O ponto, porém, foi considerado inegociável pelo presidente Arthur Lira, assim como pelas associações de procuradores e promotores.
Durante a sessão, Lira afirmou que tinha recebido ligação da presidente do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União), Ivana Cei. “Ela informa que a Associação dos Procuradores-Gerais do Estado, assim como as outras associações, estão atendidas nas alterações que foram feitas”, afirmou.
“A única ressalva que eu fiz a ela e que ela também me fez é que não temos acordos de texto em dois assuntos, que são as votações feitas pelo Congresso Nacional com relação à escolha dos corregedores dentre os PGJs estaduais e ex-procuradores e a formação da alteração no Conselho Nacional do Ministério Público”, afirmou o deputado.
“Isso também não constava das pautas iniciais. Então, nós vamos a voto com relação a essas duas matérias, mas, com relação a todas as outras pautas do MP, ela me ligou para dizer, porque acha que a minha comunicação ao Plenário e a dela a mim é suficiente para comunicar a Casa, que há o apoio de todas as associações em todos os temas que foram submetidos à discussão na Casa e atendidos pelo relator.”
Representantes de associações de procuradores e promotores, porém, desmentiram qualquer acordo. Em nota, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e a ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho) reiteraram o posicionamento pela rejeição da PEC.
“Estas associações consideram que o texto apresentado viola a autonomia institucional do Ministério Público e a independência funcional de seus membros”, afirma o comunicado.
“As constantes alterações de texto em poucos dias, sem qualquer debate prévio, prejudicam essa participação e não têm contribuído para uma reflexão profunda e plural sobre uma instituição tão essencial à democracia brasileira”, ressaltou.
As associações reconhecem que alguns pleitos foram atendidos no último relatório, “como a exclusão da previsão que concentrava poderes nas mãos dos procuradores-gerais nos conselhos superiores dos MPs, a garantia de participação dos quatro ramos do MPU no conselho, a iniciativa do CNMP para o código de ética e a possibilidade de revisão dos atos finalísticos.”
“Neste último caso, contudo, há ambiguidades no texto que merecem ser esclarecidas para afastar a violação da independência funcional”, ressalta a nota.
Lira demonstrou irritação com o que considerou quebra de acordo das associações e afirmou que não conversaria mais com os presidentes do Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Manoel Murrieta, e da ANPR, Ubiratan Cazetta.
“O que não dá para sentar mais é com dr. Murrieta e com dr. Ubiratan, esses não têm palavra para sentar e negociar em nome da associação, pelo menos por essa Presidência”, disse.
“Aqui nós somos acostumados a cumprir acordo e eles fizeram acordo, redigiram o texto da funcionalidade e reduziram a nota que nós seguramos até que conseguíssemos conversar com a associação nacional dos procuradores de estado, e a dra. Ivana foi quem me ligou dizendo que haveria acordo.”
“Mas vamos seguir em frente, seguir conversando. Só não sou obrigado a sentar e conversar com quem não cumpre acordos que são feitos verbalmente.”
Para tentar aprovar o texto, o relator recuou no dispositivo que determinava que o CNMP encaminhasse ao Congresso um projeto de lei complementar para instituir o código de ética do órgão. Agora, o conselho deverá elaborar o código em até 120 dias após a promulgação da PEC.
Além disso, retirou o trecho que indicava que o Conselho Superior de cada Ministério Público teria dois terços dos integrantes escolhidos pelo procurador-geral. Agora, serão escolhidos por eleição direta.
Magalhães também alterou dispositivo sobre revisão dos atos finalísticos e estabeleceu que agora o CNMP poderá desconstituir atos administrativos que constituam violações do dever funcional dos membros após a apuração em procedimento disciplinar, preservada a independência funcional e assegurada a apreciação judicial.
Texto: Danielle Brant