Auditor do TCU relatou alteração de documento sobre Covid e cúpula da CPI vê crime de Bolsonaro

O auditor disse que seu trabalho era apenas um texto preliminar e não um documento oficial do tribunal

Em depoimento à CPI da Covid no Senado nesta terça-feira (17/8), o auditor Alexandre Figueiredo Costa Marques, do TCU (Tribunal de Contas da União), confirmou que o seu trabalho apontando supernotificação no número de mortes pela Covid-19 foi alterado após ser encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro. O chefe do Executivo o usou “indevidamente”, disse o servidor.

Os senadores da CPI afirmaram que o depoimento do auditor confirmou a atuação de Bolsonaro e de seu governo na alteração do documento, o que configura crime.

O auditor do TCU disse que seu trabalho era apenas um texto preliminar e não um documento oficial do tribunal. E acrescentou que foi seu pai, o militar da reserva Ricardo Silva Marques, que atua na Petrobras, quem repassou as informações ao presidente da República.

O auditor entrou no radar da CPI após Bolsonaro divulgar um trabalho de sua autoria em conversa com apoiadores em junho deste ano, no Palácio do Alvorada. O mandatário afirmou que tinha em mãos um documento oficial do Tribunal de Contas da União, que apontava supernotificação das mortes por Covid.

”Não é meu, é do tal do Tribunal de Contas da União, questionando o número de óbitos no ano passado por Covid. O relatório final não é conclusivo, mas em torno de 50% dos óbitos por Covid no ano passado não foram por Covid segundo o Tribunal de Contas da União”, afirmou Bolsonaro a apoiadores, em vídeo reproduzido durante a sessão.

O auditor buscou minimizar seu papel na produção do relatório, afirmando que se tratava apenas de um trabalho para fomentar a discussão entre seus colegas no tribunal. Disse que colheu os dados do Portal da Transparência do Registro Civil -ligado a cartórios de registros- e em seguida produziu um texto inicial para compartilhar internamente.

”O compilado de informações públicas que organizei para provocar um debate junto à equipe de auditoria estava em formato word para ser trabalhado de forma colaborativa por todos os membros da equipe, sem cabeçalho nem qualquer menção ao TCU”, afirmou. Em seguida, disse que o assunto acabou não prosperando no tribunal.

Assim como havia feito em depoimento à comissão constituída no tribunal para investigar sua conduta, Marques afirmou que seu trabalho foi alterado após ser enviado a Bolsonaro. Disse não poder afirmar quem realizou as mudanças, mas que o chefe do Executivo usou “indevidamente” a sua pesquisa.

”Isto eu não tenho como confirmar, que foi falsificado, que o que ele [Bolsonaro] utilizou foi falsificado. Eu recebi, acho que circulou nas redes sociais, no WhatsApp, uma versão em PDF desse arquivo e com a inscrição do Tribunal de Contas da União no cabeçalho”, afirmou.

As alterações, segundo ele, foram duas: além de terem inserido o cabeçalho do TCU, o documento que elaborou estava no formato word e não PDF.
“[Foi usado] indevidamente pelo fato de se atribuir ao Tribunal de Contas da União um arquivo de duas páginas não conclusivo que não era um documento oficial do tribunal”, completou.

O auditor também reconheceu que seu pai passou o documento ao presidente da República, embora alegue que isso foi feito sem seu conhecimento e sua autorização.

”No domingo, depois de trabalhar no arquivo word, encaminhei-o ao meu pai via WhatsApp. Assim que ele viu essa compilação de informações, perguntou-me qual era a fonte, e eu respondi que era eu, pois eu tinha compilado essas informações da internet. E logo em seguida mudamos de assunto, fomos conversar sobre outras coisas. Em nenhum momento passou pela minha cabeça que ele compartilharia o arquivo com quem quer que fosse”, afirmou.

O auditor disse que elaborou o documento inicial no dia 31 de maio. Depois enviou ao seu pai em 6 de junho, que o repassou no dia seguinte ao presidente.
O auditor também reconheceu que seu pai costuma manter contato com Bolsonaro. Ambos foram colegas na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e trabalharam juntos no Exército.
“Ele mantém relações de contato sim [com Bolsonaro]. Eles foram colegas na Academia Militar das Agulhas Negras e trabalharam juntos depois, no Exército”, afirmou.

Seu pai trabalha atualmente na gerência de inteligência da Petrobras. O próprio auditor também reconheceu que foi indicado para um cargo comissionado no BNDES, mas o TCU não o liberou. Disse que a indicação partiu do presidente do banco, Gustavo Montezano, e não do Palácio do Planalto.

”Senhor Alexandre, o seu depoimento aqui só confirma. Nós não temos dúvida, a partir do seu depoimento, que o senhor presidente da República incorreu no crime contra a fé pública, constante no art. 297 do Código Penal, que diz: ‘Falsificar no todo ou em parte documento público ou alterar documento público verdadeiro'”, disse o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A ocorrência de crime do chefe do Executivo também foi apontada pela líder da bancada feminina, Simone Tebet (MDB-MS).
“[Auditor] passa ‘rascunho’ sobre mortes por Covid, sem timbre, para o pai, que repassa ao amigo presidente da República. Presidente recebe o doc e o divulga, adulterando com timbre do TCU, que nega autenticidade. Crimes de falsidade de documentos e de responsabilidade”, afirmou.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou também que está claro que o trabalho de compilação dos dados, para tentar comprovar uma eventual supernotificação, foi pedido por alguém. E que seu pai enviou a Bolsonaro por “bajulação”.

”O seu trabalho em nada serviu para o Brasil, em nada serviu para contribuir com a dor das pessoas. Pelo contrário, você estava procurando uma justificativa para o presidente da República. E eu não sei quem lhe pediu para você fazer isso, mas eu tenho certeza de que isso não nasceu da sua cabeça. Não é possível que você vá fazer um estudo para saber se o número de óbitos era verdadeiro ou não”, disse.

”Isso é bajulação, ouviu? Não é outro nome, não. Isto é bajulação: querer prestar serviço sem confirmar se aquele documento é verdadeiro ou não. O nome disso é bajulação”, completou Aziz.

Por: RAQUEL LOPES E RENATO MACHADO

Sair da versão mobile