Zanin é aprovado no Senado por 58 a 18, e advogado amigo de Lula será ministro do STF

Defensor do petista na Lava Jato enfrentou questionamentos, mas conquistou classe política e ficará na corte até 2050

O Senado aprovou nesta quarta-feira (21), por 58 votos a 18, a indicação de Cristiano Zanin, 47, como novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Primeiro indicado por Lula (PT) no atual mandato para a corte, Zanin é amigo do presidente, para quem advogou nas ações da Operação Lava Jato, e precisava do voto de ao menos 41 senadores (de um total de 81 integrantes da Casa) para ser chancelado.

Ele ocupará a vaga de Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, e poderá ficar no STF até novembro de 2050, quando completa 75 anos, idade-limite para ministros da corte.

Ainda não foi marcada data para a posse, mas a expectativa de aliados é que ele assuma em agosto. A presidente do STF, Rosa Weber, conversou por telefone com Zanin, que irá nesta quinta (22) ao tribunal para encontrá-la e dar início às tratativas para a posse.

Antes da aprovação pelo plenário do Senado, Zanin passou por sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa, onde também teve seu nome aprovado, por 21 votos a 5.

A sabatina transcorreu sem sobressaltos e com elogios ao advogado, inclusive de senadores críticos a Lula, com menções positivas sobretudo ao perfil garantista de Zanin —ou seja, que reforça o direito de ampla defesa de acusados e investigados.

A confirmação pelo Senado do novo integrante do STF ocorreu 20 dias após a indicação de seu nome pelo presidente da República.

A escolha de Lula foi alvo de questionamentos de que poderia representar uma violação ao princípio da impessoalidade.

No debate realizado no segundo turno de 2022 por Folha, UOL, Band e TV Cultura, Lula disse que não alteraria a composição do STF para ganhar facilidade em eventuais questionamentos judiciais. “Não é prudente, não é democrático um presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos”, afirmou na ocasião. “Eu acho que a Suprema Corte tem que ser escolhida por competência, por currículo, e não por amizade.”

Zanin conseguiu conquistar a simpatia dos atuais ministros do STF e de grande parcela de políticos, inclusive ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), após ter se notabilizado por questionamentos à Lava Jato.

Após a aprovação de seu nome pelo Senado, Zanin recebeu elogios públicos de integrantes da corte como Alexandre de Moraes (“o Brasil ganhará com sua atuação competente e corajosa”), Luís Roberto Barroso (“tenho dele a visão de advogado sério, competente e ético mesmo diante de adversidades”) e Dias Toffoli (“somará ao STF com todo seu brilho, inteligência, capacidade e sua lhaneza”).

Lula sofreu pressão dentro e fora do governo para indicar uma magistrada negra, mas não cedeu. Ele poderá indicar um novo nome à corte com a aposentadoria de Rosa Weber, em outubro.

Dos atuais dez ministros do STF, há apenas duas mulheres (além de Rosa, Cármen Lúcia) e nenhum negro. Desde 1891, o tribunal teve só três ministros negros em sua composição (o último foi Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014) e só três ministras mulheres (além das duas em exercício, a primeira foi Ellen Gracie).

Nas últimas semanas, Zanin fez um périplo por gabinetes do Senado para se aproximar dos parlamentares e angariar apoio mesmo entre evangélicos e opositores do atual governo.

Com parte dos senadores investigados e outra parte em busca de blindagem para evitar problemas judiciais, a avaliação nos últimos meses foi de que a postura jurídica de Zanin de observar com atenção o respeito às garantias dos investigados teria grande peso no voto dos parlamentares.

Como a Folha mostrou, quase metade da atual composição do Senado já foi algo de inquérito ou de processo criminal conduzido pelo Supremo.

Em seu discurso inicial, antes de iniciar a etapa das perguntas na sabatina desta quarta, Zanin se defendeu de ser chamado de termos como “advogado pessoal” e “advogado de luxo” de Lula. Afirmou também que vai se guiar pela Constituição e não estará subordinado “a quem quer que seja”.

Após um histórico de rusgas de Zanin com o atual senador e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR) desde que defendeu Lula na Lava Jato, os dois tiveram uma interação sem grandes tensões na sabatina do Senado.

O advogado disse a Moro que irá analisar caso a caso os processos da operação antes de se declarar impedido ou suspeito.

Durante a sua carreira como advogado de Lula, Zanin ficou conhecido por questionar a imparcialidade dos juízes das ações contra o presidente, muitas vezes apontando o que considerava serem relações suspeitas.

Lula teve condenações anuladas porque o Supremo considerou Moro parcial, a partir de um recurso apresentado por Zanin.

Na articulação para ser aprovado, o advogado contou com a ajuda de ministros do STF que têm boa relação com o mundo político, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e até dos indicados de Bolsonaro para a corte, como Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Na sabatina, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usou sua fala para fazer críticas ao julgamento do seu pai, o ex-presidente Bolsonaro, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ao inquérito aberto por Moraes mirando o ex-mandatário.

Uma das perguntas feitas por Flávio foi sobre o que Zanin pensa da “famigerada prática de ‘fishing expedition'”. “É uma pescaria, como chamado no mundo jurídico, na qual se joga uma rede, puxa e se vê o que é que vem agarrado nela, mesmo sem fundamento nenhum”, explicou o termo.

“Sabe como é que é, quando se diz que vai buscar o cartão de vacinação na casa de alguém para pegar o telefone celular?”, continuou.

Flávio se referia à investigação sobre fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro, que apreendeu o celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente.

Em resposta, Zanin disse que a prática do fishing expedition deve ser condenada. “O Estado não pode eleger alguém como alvo e depois buscar provas contra esse alvo”, afirmou, acrescentando que essa prática tem levado à anulação de processos.

Flávio também comparou o processo que pode levar à inelegibilidade do seu pai no TSE, sobre o encontro com embaixadores no qual repetiu mentiras sobre urnas eletrônicas, ao que absolveu a chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) em 2017.

E perguntou: “O senhor entende que processos instruídos sem o devido processo legal, contraditório ou com provas fora do prazo legal são passíveis de nulidade?”.

O futuro ministro do STF disse que não conhecia o caso concreto e que não comentaria. Mas acrescentou que, “de modo geral, os processos têm um rito e cada fase que é encerrada não pode ser reaberta”.

Zanin ficou conhecido em sua carreira sobretudo por ter feito uma defesa aguerrida de Lula. Acabou se tornando alvo inclusive do próprio PT por sua estratégia durante a prisão de 580 dias do presidente.

Desde o início deste ano, Lula já dava sinais de que indicaria Zanin à corte. Ao anunciar a sua escolha, o presidente disse achar que “todo mundo esperava” que o advogado seria o escolhido.

“[Indiquei] não só pelo papel que teve na minha defesa, mas simplesmente porque eu acho que Zanin se transformará num grande ministro da Suprema Corte desse país”, disse o presidente.

“Conheço as qualidades como advogado, conheço as qualidades dele como chefe de família e conheço a formação dele. Ele será um excepcional ministro do STF se aprovado pelo Senado, e acredito que será, e acho que o Brasil vai se orgulhar de ter o Zanin como ministro da Suprema Corte”, afirmou.

RAIO-X | CRISTIANO ZANIN MARTINS

Natural de Piracicaba (SP), é graduado em direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Autor do livro “Lawfare, Uma Introdução”, em parceria com Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim, comandou a defesa de Lula ao longo da Operação Lava Jato, deflagrada em 2014.

Por José Marques

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