‘Vão pagar o preço’, diz líder do governo Bolsonaro sobre TSE não ter buscado meio-termo no voto impresso
Para Ricardo Barros, o resultado da votação em plenário deu legitimidade ao discurso de Jair Bolsonaro
O líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai “pagar o preço” por não ter buscado um acordo com defensores do voto impresso para alcançar um meio-termo na PEC (proposta de emenda à Constituição) rejeitada na última terça-feira (10).
Para Barros, o resultado da votação em plenário –229 votos a favor e 218 contrários, 79 abaixo dos 308 necessários para aprovar uma PEC– deu legitimidade ao discurso de Jair Bolsonaro e será bom eleitoralmente para o presidente.
“O TSE perdeu a oportunidade de fazer uma mediação, através do presidente [da Câmara, Arthur] Lira ou do senador Ciro [Nogueira, ministro da Casa Civil], para chegar a um meio-termo e encerrar o assunto. Eles quiseram manter o assunto, vão pagar o preço”, afirmou.
Barros também desferiu críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal), a quem acusou de estar invadindo prerrogativas do Executivo.
Alvo da CPI da Covid, Barros diz que a comissão não terá efeito prático e reafirmou não ter envolvimento em irregularidades.
Folha – Como o sr. avalia a votação da PEC do voto impresso, apontada por alguns como a maior derrota do Planalto até o momento no Congresso?
Ricardo Barros – Eu não acho que foi a maior derrota do governo no Parlamento. Acho que para o presidente Bolsonaro foi muito bom. O governo mostrou força e fez mais votos “sim” do que “não”. Evidentemente não tinha os 308 votos em função da pressão exercida pelo Judiciário nos partidos. Mas deixou o presidente com um discurso que agrega, que tem maioria na opinião pública e que é totalmente racional: dar mais transparência na eleição.
Folha – Com a PEC derrotada, Bolsonaro não deveria reduzir a pressão pelo voto impresso?
Ricardo Barros – Não acredito, eu acho que para ele [Bolsonaro] é bom eleitoralmente. O Supremo está fazendo o que quer, tudo o que quer. E não está preocupado com os demais Poderes, então o presidente tem que tocar o seu jogo também. Nós estamos num momento de formar opinião pública, ganhar adesão. E o discurso da transparência nas eleições é aderente à população e fortalece o presidente.
A defesa de Bolsonaro do voto impresso é vista como um caminho para contestar a eleição em 2022. O TSE deveria ter ponderado sobre isso e ter feito um acordo no texto. Essas concessões que o ministro [Luís Roberto] Barroso quer fazer agora graciosamente, por sua livre iniciativa, poderiam ter sido objeto desse acordo. Quem está mantendo a corda esticada é o TSE. E para o presidente Bolsonaro isso é bom.
Defender transparência em eleições e fazer discurso golpista são coisas diferentes. Isso não é fato novo. Essas declarações foram feitas há tempos. E o TSE não achou que precisava [fazer] concessões e tentar um meio-termo para encerrar o problema. Quis dar uma de “eu faço, eu venço, eu atropelo”. Manteve o Bolsonaro com a legitimidade do discurso, e isso tem um preço.
O TSE perdeu a oportunidade de fazer uma mediação, através do presidente [Arthur] Lira ou do senador Ciro [Nogueira, atual ministro da Casa Civil], para chegar a um meio-termo e encerrar o assunto. Eles quiseram manter o assunto, vão pagar o preço.
Folha – Existe o risco de Bolsonaro não reconhecer o resultado das eleições em 2022?
Ricardo Barros – Não sei, vamos ver até o ano que vem. Tem muita coisa para acontecer até lá. Seria algo muito grave. Mas isso é uma possibilidade que o TSE deveria ter ponderado quando quis mostrar força, pressionando os partidos para vencer a votação no Congresso Nacional.
Folha – As falas de Bolsonaro sobre seu apoio entre os militares e a tese das Forças Armadas como poder moderador não são formas de o presidente esticar a corda da crise?
Ricardo Barros – Quem está esticando a corda é o STF. O presidente Bolsonaro está fazendo o que sempre fez, ele não mudou. Há uma clara intenção do Supremo em esticar a corda com Bolsonaro, são decisões sucessivas e frequentes.
A prisão do Roberto Jefferson agora é mais uma. Não vamos fazer de conta que o problema não existe. Ele existe, está instalado há muito tempo. Agora, vamos ver até onde isso vai.
Folha – Até onde pode ir?
Ricardo Barros – Não sei, cada um sabe o que está fazendo e deve medir as consequências e os riscos. Os presidentes da Câmara, do Senado, da República, do STF e do TSE. Todos têm que medir os passos que estão dando. Não venham querer cobrar só do presidente Bolsonaro. Ele é um dos Poderes, independente e tem que ser tratado harmonicamente pelos demais, o que não está ocorrendo.
Folha – Os atos com os militares, inclusive o desfile no dia da votação, foram gestos de intimidação?
Ricardo Barros – Não. O presidente é militar, vai a inúmeras formaturas de cadetes, a solenidades militares que outros presidentes não iam.
Folha – O ministro Ciro Nogueira entrou no governo com a promessa de ser um “amortecedor”. Por que a crise não diminuiu com a chegada dele?
Ricardo Barros – O presidente Bolsonaro está agindo ou reagindo? Tem muita gente que diz que o Supremo está reagindo. É. Mas a maioria sabe que o presidente está reagindo a decisões do Supremo.
O sr. diz maioria, mas as pesquisas de opinião indicam que a popularidade de Bolsonaro está em baixa. Mas quando acabar a CPI da Covid, instalada pelo Supremo, quando todos os brasileiros estiverem vacinados, com a economia voltando em V, a popularidade do presidente estará subindo e ele vai ganhar as eleições. Não apostem que essas provocações vão refletir lá na eleição ano que vem. Estão gastando energia na hora errada.
Folha – O sr. criticou a CPI da Covid, da qual é alvo, e exalta o presidente por vacinar a população. Mas a CPI mostrou que houve letargia do presidente na aquisição de vacinas diante da insistência de farmacêuticas em vendê-las. Hoje o sr. admite que houve atraso do governo na compra de vacinas?
Ricardo Barros – A Pfizer tinha feito uma proposta que até março deste ano daria 4,5 milhões de vacinas. Pingadinho, porque ela tinha compromisso de primeiro vacinar todos os americanos.
É só ler a proposta, [era] irrisório o fornecimento da Pfizer até março. Depois ela já estava vendendo aqui porque o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, propôs uma lei que autorizava o governo a assumir os riscos de efeitos colaterais futuros.
Mas era uma exigência para todos os países. Eu sei. Mas nós precisávamos de uma lei que autorizasse o governo a assumir o risco. A lei só foi votada em março. A partir daí o governo comprou as vacinas da Pfizer. Nós tínhamos programação de 10 milhões de doses da Sputnik, 20 milhões de doses da Covaxin, 60 milhões de doses da Belcher [CanSino].
O governo não comprou porque a Anvisa não liberou. A Anvisa sentou em cima dos processos de aprovação e por isso elas não puderam ser compradas entre março e agosto, que eram os meses em que o Brasil não tinha previsão de chegada de vacinas. Agora que estamos em agosto não precisa mais, porque temos 60 milhões de doses por mês, o que é suficiente para manter o ritmo da vacinação. Então temos culpados sim, mas não é o presidente Bolsonaro.
Folha – O sr. disse durante seu depoimento à CPI na semana passada que a comissão atrapalhou a compra de vacinas, mas como o sr. disse, e o próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse, as vacinas deste ano já estão asseguradas. Então a CPI atrapalhou no quê?
Ricardo Barros – Atrapalhou quando tirou o interesse das empresas de vender vacinas no Brasil. Mas se não precisa mais de vacinas, como o sr. falou… Quem falou que não precisa mais de vacinas foi o ministro Queiroga.
O presidente da CanSino disse na quinta-feira (12) que mantém o interesse em vender ao Brasil. Não é verdade. Ele está querendo ficar de bem com os meninos da CPI para não ser atacado quando quiser vender. Ele não tem representante legal no Brasil. Se querem vender no Brasil que nomeiem um representante.
Folha – Na sua opinião, qual será o efeito da CPI?
Ricardo Barros – Prático, nenhum. Político, vão fazer um relatório que eles já sabiam o que iam escrever desde o primeiro dia. Ficaram ouvindo uma série de pessoas tentando confirmar a narrativa que queriam escrever.
Eu fui um dos que mais documentos levou e desmontei a narrativa da CPI. Estava ganhando 6 a 0 quando o dono do jogo pegou a bola, colocou debaixo do braço e disse que não jogava mais. O senador [Omar] Aziz ficou de bico com o resultado, achou que estava ruim e suspendeu o jogo.
Folha – O próprio governo admitiu que tinha irregularidades ao revogar o acordo com a Precisa [que intermediou contrato para vender a Covaxin]. Como a CPI chegou a nada se o próprio governo revogou o contrato?
Ricardo Barros – Não. A CGU fez uma auditoria no contrato, disse que o preço estava correto. Era preço mundial, tabelado. O ministro Queiroga disse que a oportunidade da compra das vacinas não existia mais. Ou seja, a vacina que era para ser comprada em março, abril, maio. Agora, em agosto, não há mais necessidade.
Folha – O sr. disse que não conversou com o presidente sobre as denúncias de que é alvo. O sr. não perguntou ao presidente se ele citou seu nome?
Ricardo Barros – Nunca perguntei. Tenho certeza de que o presidente provavelmente não lembra.
Folha – Não tem curiosidade?
Ricardo Barros – Não. Isso é coisa de jornalista [risos]. Eu sou uma pessoa fria, calculista, jogo xadrez, sou engenheiro. Eu entendo que o presidente não tinha de tratar desse assunto. E por isso eu não tinha de tratar esse assunto com ele.
Folha – O presidente Bolsonaro usou o termo “rolo”, segundo Luis Miranda, para se referir ao sr. Não é constrangedor ele ter usado esse termo?
Ricardo Barros – O Luis Miranda já trocou de versão diversas vezes. Graças a Deus ele não mudou de versão com relação a mim. Ora, eles foram lá para me acusar, para mostrar uma foto minha.
Miranda não disse que Bolsonaro perguntou. Ele disse que Bolsonarou falou “mais um rolo desse cara, não aguento mais”. Está escrito no depoimento à PF. Nesse primeiro [depoimento], não. Mas em todas as entrevistas de imprensa ele foi coerente. Nesse primeiro [depoimento à CPI], eles combinaram um teatrinho com os senadores para criar esse suspense, para ver se a CPI tinha alguma capacidade de conseguir ser prorrogada. Estava morta a CPI. O Luis Miranda que deu um fôlego a eles.
Folha – Miranda diz que o presidente falou isso porque o sr. tem histórico com os sócios da Precisa, os donos da empresa Global, que recebeu R$ 20 milhões do Ministério da Saúde e não entregou os medicamentos que foram contratados. O sr. se arrepende de ter feito aquele acordo?
Ricardo Barros – Não. Vou provar no processo [a que ele responde por improbidade administrativa na Justiça junto com a Global] que estou certo. Foi com esse tipo de atitude que eu economizei R$ 5 bilhões na minha gestão, R$ 3 bilhões só em compra de medicamentos.
Neste caso, a empresa, que era a única fornecedora do produto, proibiu todos os seus representantes no mundo de vender para a Precisa, e o contrato que tinha de compra não pôde ser cumprido. Ela entregou uma parte dos medicamentos e fez um acordo para devolver o dinheiro parceladamente.
Ricardo Barros, 61
Deputado federal pelo PP do Paraná no sexto mandato, é líder do governo Bolsonaro na Câmara. Foi ministro da Saúde no governo Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018. Formado em engenharia civil pela Universidade Estadual de Maringá, foi prefeito da cidade paranaense entre 1989 e 1992