Toffoli diz que prisão de Lula é um dos maiores erros judiciários do país e pede investigação
Ministro do STF anula provas da Odebrecht e diz que Lava Jato foi o 'verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia'
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli determinou que sejam apuradas, nas esferas administrativa, cível e criminal, as responsabilidades de agentes da Lava Jato que tenham burlado ritos legais no âmbito da operação e gerado “gravíssimas consequências” para o Estado brasileiro e para centenas de investigados.
Na decisão, que anulou provas obtidas pela força-tarefa junto à empreiteira Odebrecht, o magistrado afirma que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser classificada como “um dos maiores erros judiciários da história do país”.
O ministro ainda pondera que os atos da Lava Jato —protagonizada por figuras como o então juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, e pelo ex-procurador Deltan Dallagnol, hoje deputado federal cassado— produziram “situações estarrecedoras” para além da prisão do petista.
“Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [contrárias à lei]”, afirma Toffoli, em referência à operação.
“Digo, sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, diz ainda o ministro do Supremo.
A decisão de Toffoli se dá no âmbito de uma reclamação proposta por Lula, que apontou que decisões proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas ações da força-tarefa, estariam contrariando a autoridade do Supremo.
A defesa do petista, representada pela advogada Valeska Teixeira Martins, esposa do ministro do STF Cristiano Zanin, reivindicou acesso pleno a materiais a Operação Spoofing, que investigou e prendeu os responsáveis pela invasão hacker a aparelhos de agentes da Lava Jato.
Na reclamação, a defesa de Lula também questiona o cumprimento de uma decisão da corte envolvendo um acordo de leniência firmado pela Odebrecht.
Anteriormente, a Segunda Turma do STF decidiu que houve falha de procuradores e autoridades da Lava Jato no transporte e manejo de dados dos sistemas eletrônias Drousys e MyWebDay, que eram usados pela Odebrecht para registrar pagamentos ilícitos.As provas extraídas a partir deles, portanto, foram consideradas “imprestáveis”.
Tanto a anulação das provas obtidas por meio dos sistemas da Odebrecht quano o compartilhamento de informações da Operação Spoofing estavam sob a relatoria de Ricardo Lewandowski. Com a sua aposentadoria, os autos foram transferidos para Toffolli.
O magistrado relata que, desde que assumiu os casos, já recebeu “diversos perdidos” de extensão dos efeitos das determinações, além de ofícios e pedidos de compartilhamento de informações —diz, inclusive, já ter proferido “dezenas de decisões monocráticas” sobre o mesmo tema.
Agora, Toffoli aplica os efeitos da decisão que anulou as provas obtidas via sistemas da Odebrecht a todos os processos que lançaram mão delas. Dessa forma, os possíveis interessados não precisam mais recorrer à Justiça individualmente para contestá-las.
Além de citar a votação da Segunda Turma do STF que invalidou as provas, o magistrado aponta no documento que houve falhas no modo como a força-tarefa conduziu os acordos internacionais para a obtenção de documentos que se encontravam no exterior.
Toffoli enviou ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça questionamentos sobre os cuidados da Lava Jato para obter as provas que se encontravam em outros países.
O ministro perguntou, por exemplo, se era possível “atestar a preservação da cadeia de custódia de informações ou dados recebidos fora do âmbito de cooperação internacional, bem como se nos casos em que se estabelece a transmissão ou o recebimento de dados e informações de outros países”.
Em resposta, o departamento responsável por mediar colaborações internacionais afirmou que nem sequer “foi encontrado registro de pedido de cooperação jurídica internacional” para obter conteúdos dos sistemas Drousys e MyWebDay da Odebrecht.
“Diante desse cenário, é preciso reconhecer que as causas que levaram à declaração de imprestabilidade dos referidos elementos de prova são objetivas, não se restringindo ao universo subjetivo do reclamante [Lula]”, afirma o ministro do STF.
“O reconhecimento da referida imprestabilidade deve ser estendido a todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível”, determina.
O ministro afirma, então, que é necessário apurar “urgentemente” a conduta dos agentes públicos envolvidos nas tratativas internacionais, uma vez que elas ocorreram sem a supervisão do Ministério da Justiça e da Advocacia-Geral da União (AGU).
“Além de promover tratativas diretas com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, bem como com a Procuradoria-Geral da Suíça, os procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais”, pontua.
Além da pasta da Justiça e da AGU, Toffoli ordena que o Ministério das Relações Exteriores, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e outras instituições adotem as medidas necessárias para investigar os agentes da operação.
Ao falar da Operação Spoofing, o ministro ordena que o acesso ao material seja garantido “todos os réus processados pelos agentes identificados nos referidos diálogos, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição, assegurando-se, com o apoio dos peritos da Polícia Federal, o acesso integral às mensagens”.
“Diante da extrema gravidade dos acontecimentos perpetrados, exige-se que se confira aos réus ao menos o direito de impugnar eventuais ilegalidades processuais que se projetam como reflexo da atuação coordenada entre acusação e magistrado, tal como revelado pelos diálogos contidos na ‘Operação Spoofing'”, afirma o ministro.
Sem citar nomes de protagonistas da Lava Jato, o magistrado diz que os agentes da operação faltaram com respeito à verdade factual e desrespeitaram o devido processo legal, descumprindo decisões judiciais superiores, subvertendo provas, agindo com parcialidade e trabalhando fora de sua esfera de competência.
“Em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI [destaque de Toffoli], para obter ‘provas’ contra inocentes”, diz.
“Por meios heterodoxos e ilegais atingiram pessoas naturais e jurídicas, independentemente de sua culpabilidade ou não. E pior, destruíram tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios públicos e privados”, afirma ainda.
Por fim, o ministro do STF intima a AGU a apurar eventuais danos causados pela União e pelos agentes da operação em virtude de atos supostamente ilegais. Determina, ainda, que o órgão defina eventuais ações de responsabilidade para esses mesmos atores.
Por Mônica Bergamo com Bianka Vieira, Karina Matias e Manoella Smith