Tensões devem baixar após rejeição da PEC do voto impresso em comissão da Câmara, diz Mourão
Os ataques de Bolsonaro levaram o presidente do tribunal, Luiz Fux, a cancelar a reunião entre os chefes dos Poderes
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), evitou comentar a crise em Brasília, com ameaças golpistas de Jair Bolsonaro (sem partido) de atuar fora da Constituição e ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), durante evento na Santa Casa, em Porto Alegre, nesta sexta-feira (6).
Os ataques levaram o presidente do tribunal, Luiz Fux, a cancelar a reunião entre os chefes dos Poderes que havia convocado, afirmando que o pressuposto para o diálogo é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes.
Em uma fala de menos de um minuto ao jornal Folha de S.Paulo e à rádio Gaúcha, de Porto Alegre, na saída de um almoço após o evento, Mourão se limitou a dizer que a crise vai ser resolvida com temporização e conversa e citou a rejeição do relatório a favor da PEC do voto impresso por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (5).
“É uma crise que vai ser resolvida com temporização, com conversa e baixar a tensão. A questão toda estava envolvida nesse problema do voto, é uma decisão que cabe ao Congresso, ontem não passou na comissão, então, acho que isso vai baixar as tensões”, declarou.
O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), porém, sinalizou que a proposta pode ser levada ao plenário, mesmo com a rejeição.
Mourão também repetiu uma declaração dada no fim de julho sobre o risco de não haver eleições no país em 2022.
“Lógico [que vão ocorrer], não tenha dúvida. Isso aqui não é república de banana, já falei isso”, disse, rindo, enquanto se dirigia ao carro.
Questionado sobre o papel dos militares na crise institucional, o vice-presidente, que é um general do Exército, se limitou a dizer: “O papel dos militares é cumprir o artigo 142. Só isso”.
O artigo da Constituição citado por Mourão define o papel das Forças Armadas e diz que elas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Como mostrou reportagem do jornal Folhade S.Paulo, em conversas reservadas, integrantes do Alto-Comando do Exército manifestaram concordância com a decisão de Fux de interromper o diálogo com Bolsonaro. O Ministério da Defesa, pasta a qual as Forças Armadas estão vinculadas, é comandado pelo general da reserva Walter Braga Netto, que apoia a empreitada de Bolsonaro.
Mourão viajou ao Rio Grande do Sul nesta sexta para receber a comenda de irmão da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, uma agenda que estava prevista desde o ano passado, mas foi adiada devido à pandemia do novo coronavírus.
Antes de receber o título, no mesmo evento, ele fez uma palestra de mais de 40 minutos sobre geopolítica internacional e o atual cenário da Amazônia, em um simpósio que foi gravado e será exibido no Congresso da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, que será realizado ainda em agosto.
O vice-presidente citou frases que creditou ao boxeador Mike Tyson -“todo mundo tem uma estratégia até levar um murro na cara”- e ao mestre Yoda, da saga Star Wars -“o medo gera raiva, a raiva gera ódio e este gera ressentimento”- e defendeu a vacinação em massa contra o novo coronavírus.
Ele criticou a atuação da ONU (Organização das Nações Unidas) na pandemia, dizendo que a organização se omitiu, na sua visão, por não ter feito “chamada geral para que todos os países do mundo se unissem, trabalhassem, principalmente na questão das vacinas”.
“A China, a Índia e a própria Rússia fizeram a geopolítica das vacinas e os Estados Unidos largaram na lei de Mateus, primeiro os meus. Agora o presidente [Joe] Biden está acordando para isso aí, fez aquela proposta da quebra de patente temporária, que não vingou muito, e ao mesmo tempo começou a distribuir o largo excedente de vacinas que ele tem dentro daquele país”, avaliou.
“Se nós não conseguirmos vacinar a população do mundo como um todo, andar em paralelo a isso aí, nós vamos continuar a sofrer com a variante delta, a variante foxtrot e assim sucessivamente. As senhoras e senhores sabem disso melhor que eu”, disse, dirigindo-se ao público de profissionais da saúde.
O evento contou ainda com a participação do escritor Denis Rosenfield, que elogiou Mourão como liderança, citando sua visão liberal na economia. Rosenfield disse ao jornal Zero Hora, em maio de 2020, que o “Brasil não aguentaria mais dois anos e meio de Bolsonaro”.
“Falo em nome próprio, evidentemente, não por ser amigo dele, mas por ser alguém profundamente engajado nos destinos do nosso país, o que eu desejo, sinceramente, é que no nosso futuro próximo o general Mourão possa vir a cumprir, inclusive, uma missão mais importante”, afirmou no palco do evento.
Texto: Fernanda Canofre