SP acusa Bolsonaro de querer ‘passar uma borracha na Coronavac’
Acusação é feita pelo coordenador-executivo do Centro de Contingência, João Gabbardo
O governo de Jair Bolsonaro quer “passar a borracha na Coronavac” para tentar retirar a primeira vacina contra Covid-19 usada no Brasil de olho na eleição presidencial de 2022.
A acusação é feita pelo coordenador-executivo do Centro de Contingência da Covid-19 em São Paulo, João Gabbardo, a partir da decisão federal de excluir o imunizante de origem chinesa formulado no Instituto Butantan do esquema de terceira dose para idosos e imunossuprimidos.
O imunizante trazido ao país por João Doria (PSDB-SP), governador paulista que quer disputar a Presidência, é visto como seu maior ativo eleitoral.
“A redação da nota sobre a dose de reforço é política, não técnica”, afirmou Gabbardo, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta, defenestrado por discordar de Bolsonaro do manejo da crise sanitária em 2020.
Ele aponta para o fato de que o texto da Nota Técnica 27/2021 diz que “houve a demonstração da amplificação da resposta imune após a terceira dose” da Coronavac, assim como das outras três vacinas usadas no Brasil: Pfizer, AstraZeneca/Fiocruz e Janssen.
Depois de listar os benefícios das vacinas, na conclusão da secretária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, a Coronavac é descartada para ser aplicada em pessoas com mais de 70 anos ou imunossuprimidas. A preferência é para a vacina da Pfizer ou, se não houver disponibilidade, para as outras duas do mercado.
“Os estudos do Butantan são abundantes acerca do benefício. E as pessoas esquecem que a Coronavac garantiu sozinha a imunização de grupos vulneráveis, trabalhadores de saúde e idosos, na fase inicial da campanha de vacinação”, afirma.
Na nota, um ponto afirma que o esquema no qual são usadas ou vacinas de RNA mensageiro (Pfizer) ou de vetor viral (AstraZeneca e Janssen) como reforço para a Coronavac provocariam um aumento da imunidade mais expressivo. Só a conclusão é de um “estudo em modelo animal”.
“Parece brincadeira”, disse o coordenador-executivo. Além disso, o próprio governo federal patrocina um estudo justamente para saber como funcionam as diferentes vacinas em pessoas que se imunizaram com a Coronavac, que não está pronto.
A Folha de S.Paulo procurou o Ministério da Saúde para questionar acerca do embasamento técnico da nota, mas não obteve resposta.
Na semana passada, a pasta havia dito que a preferência pela Pfizer decorria do fato de que o imunizante será o mais disponível para o Programa Nacional de Imunização: haverá 44 milhões de doses em setembro e outras 100 milhões, em outubro.
Gabbardo diz que não há explicação senão a de disputa política para a exclusão liminar da vacina paulista-chinesa. Horas depois do anúncio federal, no dia 25, o governo Doria afirmou que iria aplicar a Coronavac na sua própria programação de terceira dose.
Ela deverá ter sua data prevista de início, dia 6, antecipada nesta quarta (1º). Além disso, São Paulo informou na segunda (30/8) que iria segurar a entrega dos últimos lotes do contrato de 100 milhões de doses da Coronavac, que deveria ter sido finalizado na terça (31/8), justamente porque o governo federal não se mostra interessado na vacina.
A terceira dose é uma realidade, atestada pela queda da imunidade em pessoas mais velhas, as primeiras a serem vacinadas, e por causa da circulação da perigosa variante delta do Sars-CoV-2.
Mas, seguindo o raciocínio de Gabbardo, ela acabou virando mais um item na encarniçada briga entre Bolsonaro e Doria centrada no combate à pandemia.
Ao longo de todo 2020, o presidente adotou uma posição negacionista e trabalhou contra a credibilidade das vacinas, principalmente da Coronavac promovida por Doria –o tucano trabalhou em cima de um contato existente entre o Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac, estabelecido em 2019 visando vacinas contra o vírus da zika.
Bolsonaro chegou a vetar a compra da Coronavac, mas acabou voltando atrás. O primeiro round da guerra da vacina foi vencido por Doria, que ao trazer a Coronavac e anunciar um programa próprio de imunização, obrigou Bolsonaro a acelerar a ação do Ministério da Saúde.
Mesmo assim, as trocas de farpas seguiram constantes, culminando no atrito entre Doria e o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) acerca do fornecimento de vacinas para São Paulo, que parou no Supremo Tribunal Federal.
Por Igor Gielow