Senado ignora propostas de peso da CPI da Covid, mas aprova medidas simbólicas
Propostas buscam melhorar o arcabouço jurídico
A CPI da Covid vai completar um ano da sua criação, mas ainda sem colocar em prática as recomendações de seu relatório final. Além de não haver ainda a responsabilização pelos crimes durante a pandemia indicados pela comissão, os integrantes do colegiado tentam destravar a tramitação de projetos de lei dentro do próprio Senado.
Levantamento do Observatório da Pandemia -frente parlamentar criada para acompanhar as proposições do relatório final da comissão- mostra que foram aprovados na Casa legislativa apenas 3 de um total de 17 projetos de lei propostos pela CPI.
Todos os projetos aprovados possuem um caráter mais simbólico, de homenagem às vítimas e aos profissionais que combateram o novo coronavírus. As propostas que buscam melhorar o arcabouço jurídico para, por exemplo, facilitar a punição de autores de crimes no futuro, seguem na gaveta. Muitas delas nem tiveram um relator designado para analisá-las.
A CPI da Covid foi oficialmente criada no dia 13 de abril de 2021, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu o requerimento de instalação no plenário. O senador mineiro resistia a permitir a atuação do colegiado, mas foi obrigado por determinação do Supremo Tribunal Federal.
A CPI atuou por quase seis meses, período em que foram realizadas aproximadamente 400 horas de sessões de grande audiência e que repercutiram nas redes sociais. Foram armazenados quase 10 terabytes de documentos, parte deles foram utilizados para embasar as acusações.
O relatório final da comissão, aprovado em 26 de outubro do ano passado, recomendou o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (PL), duas empresas e outras 77 pessoas, entre elas filhos do presidente, ministros, parlamentares, médicos e religiosos.
O documento também sugeriu os 17 projetos de lei, que versam sobre homenagens, alterações no código penal para aumentar a pena de crimes, mudanças na lei sobre crimes de responsabilidade, genocídio, entre outros assuntos.
Em quase seis meses após a aprovação do relatório, apenas três das propostas foram à votação no plenário do Senado, sendo aprovadas.
Elas criam respectivamente a Ordem do Mérito Médico, o Livro dos Heróis da Pandemia e institui o Dia Nacional em Homenagem às Vítimas da Covid-19.
Embora os membros da CPI ressaltem a sua importância simbólica, há reclamações de que os demais, que promovem alterações estruturais na legislação brasileira, para coibir e facilitar a punição de crimes, seguem na gaveta. Dos restantes, dez deles não possuem nem relator.
A cúpula da CPI da Covid, que foi formada pelo presidente Omar Aziz (PSD-AM), pelo vice Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), já manteve reuniões com a presidência do Senado para tentar, ainda sem sucesso, destravar a tramitação.
“Não acho razoável a paralisação. A minha intenção é conversar com o presidente [Rodrigo Pacheco] para ver como poderemos avançar esses projetos”, afirma o senador Randolfe Rodrigues.
“A leniência da PGR [Procuradoria Geral da República] tem lá as suas razões de ser, como nós todos sabemos. A Casa que sediou a CPI não tem o direito a paralisar, colocar essas matérias em tom de compasso”, completou, em referência ao procurador-geral Augusto Aras, criticado por engavetar propostas contra Jair Bolsonaro.
Dentre as propostas que ainda aguardam início da análise, está um projeto de lei que altera a lei do impeachment para estabelecer um prazo de 30 dias para que o presidente da Câmara decida sobre a abertura ou não do processo -atualmente não há prazo.
Parlamentares apontam que a regra atual permite que o comandante da Câmara, atualmente Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, possa engavetar os pedidos sem analisá-los. Os prazos, argumenta-se, seria importante porque, em caso de recusa, poderia haver recursos para análise em plenário.
Outra proposta buscava criminalizar a criação e divulgação de fake news, especialmente em casos de saúde pública. Há ainda projeto de lei para aumentar a pena para gestores que cometerem crime durante pandemia ou situações de emergência em saúde pública.
Há também um projeto de lei para internalizar na legislação brasileira definições relativas a genocídio e define crimes contra a humanidade, crimes de guerra. Durante as discussões do relatório final, os senadores chegaram a cogitar propor a responsabilização de Jair Bolsonaro pelo crime de genocídio, mas recuaram posteriormente.
Uma das propostas mais defendidas pelos senadores que integraram o colegiado é a criação de uma pensão para crianças e adolescentes órfãos de vítimas da Covid-19.
“Eu acho que, em primeiro lugar, é necessário que façamos uma seleção. Isso porque há projetos que são muito bons, até projetos que são urgentes e outros que são muito polêmicos. Aqueles que são polêmicos, nós poderíamos fazer passar pelas comissões, realizar audiências públicas e votá-los depois de um certo acúmulo”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE).
“E aqueles que são consensuais, que são urgentes e são necessários, nós poderíamos ter uma tramitação mais rápida. Mas para isso seria necessário que o colégio de líderes pudesse estabelecer essas duas condições”, completa.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, nega que haja morosidade com os projetos de lei oriundos da CPI da Covid.
O senador mineiro argumenta que muitos já foram enviados para as comissões temáticas. Em nota, a Presidência do Senado cita que o próprio Pacheco assinou a criação de uma comissão para discutir a atualização da lei do impeachment, que é presidida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski.
“Dos projetos derivados da CPI, alguns já foram aprovados. E boa parte despachada para as comissões, inclusive a alteração de Código Penal será submetida à Comissão de Constituição e Justiça”, diz trecho da nota.
“Em relação à Lei do Impeachment, recentemente o Senado instituiu uma comissão de juristas para remodelar toda a legislação, de modo que tudo isso vai estar concentrado na comissão. E espero ainda esse ano discutir a Lei do Impeachment”, completa.
Por Renato Machado