Risco fiscal leva governo Bolsonaro a pagar maior juro desde Dilma
Turbulência vem na esteira da votação da PEC das bondades, que permite ao presidente furar teto de gastos e driblar legislação eleitoral
O aumento do risco fiscal tem levado o governo Jair Bolsonaro (PL) a pagar os maiores juros na emissão de novos títulos da dívida pública desde o fim do governo Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo em maio de 2016 em um processo de impeachment.
A turbulência vem na esteira da votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) das bondades, que permite ao chefe do Executivo furar o teto de gastos e driblar a legislação eleitoral para abrir os cofres públicos a menos de três meses das eleições.
Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio do Lula da Silva (PT), e vê no pacote de benesses uma plataforma para turbinar sua campanha.
O Tesouro realiza leilões periódicos para a emissão de títulos da dívida pública. O objetivo é obter recursos para financiar suas necessidades financeiras em troca de uma remuneração aos investidores, que vão desde grandes fundos nacionais ou estrangeiros até pequenos poupadores que aplicam como pessoa física.
Um aumento no custo da dívida terá reflexo no esforço que futuros governos precisarão fazer para honrar a fatura dessas obrigações.
Nos últimos dias, as taxas que recompensam esses investidores romperam patamares só vistos anteriormente em 2016.
As NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional – Série F) de 10 anos, remuneradas por uma taxa prefixada, foram emitidas com juros de 13,21% no leilão de 7 de julho. A taxa é a maior desde 7 de abril de 2016 (quando ficou em 14,2499%) –às vésperas do afastamento de Dilma.
O custo atual desse título é mais que o dobro dos 6,51% prometidos pelo Tesouro Nacional para se financiar no fim de outubro de 2019, em meio à aprovação da reforma da Previdência no Congresso Nacional.
Os títulos prefixados geralmente têm a preferência de estrangeiros, mas investidores brasileiros também adquirem o papel.
Nessa modalidade, não há atualização automática por nenhum índice, como inflação ou taxa Selic. Os compradores embutem no cálculo de quanto cobrar do Tesouro suas próprias expectativas de evolução dos preços –assim, evitam perder dinheiro.
Embora a inflação atual esteja acima de 11% em 12 meses e deva se manter elevada em 2023, as projeções para 2024 em diante são de convergência à meta de inflação de 3% ao ano. Por isso, o movimento das taxas de juros nos títulos é atribuído à piora da percepção de risco dos investidores, que cobram mais caro para financiar o governo.
A deterioração também é percebida nas NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional – Série B) de 40 anos, o título de maior prazo emitido pelo governo. Nessa categoria, o investidor recebe a variação da inflação no período, mais uma parcela de juro real.
Essa taxa real ficou em 6,17% no leilão de 5 de julho, patamar semelhante ao visto no leilão de 6 de dezembro de 2016 (6,178%) e maior desde 26 de abril de 2016 (6,25%). O custo também dobrou em relação ao observado logo após a aprovação da reforma da Previdência.
O aumento no custo da dívida pública contribui para piorar a situação das contas do país. O Brasil convive desde 2014 com déficits primários, ou seja, as receitas com tributos e outras fontes de arrecadação nem sequer cobrem os gastos com benefícios, salários, custeio e investimentos.
Para bancar o rombo, o país emite títulos, pagando juros aos investidores. E para honrar as dívidas criadas no passado e que estão próximas do vencimento, o governo também emite novos papéis, em uma operação chamada de rolagem da dívida.
Se a rolagem é feita com um custo maior, isso terá reflexo no tamanho do esforço futuro para honrar esses pagamentos. A dívida pública federal somava R$ 5,6 trilhões em maio, e o custo médio de todo esse estoque estava em 9,86% ao ano, o maior desde novembro de 2018.
O economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, afirma que o encadeamento de manobras fiscais, em meio a um cenário de muita incerteza, traz um custo maior de credibilidade. “Cada flexibilização das regras fiscais tem um custo marginal maior em termos de imagem, porque vai migrando para uma área mais arriscada da capacidade de manter a credibilidade na solvência da dívida”, diz.
Segundo ele, a trajetória das variáveis fiscais é sempre preocupante em um país como o Brasil, que tem um nível de dívida em 78,3% do PIB até abril, elevado se comparado com outras economias emergentes (pouco acima de 60% do PIB em média), além de um custo da dívida alto.
O período eleitoral é outro fator que traz volatilidade, de acordo com o economista, além de um ciclo de alta de juros básicos bastante contracionista -o maior e mais intenso desde a adoção do regime de metas de inflação. Tudo isso em meio a um cenário inflacionário global, temor de recessão e choque de juros mais agressivos no cenário internacional.
“Esses ingredientes são suficientes para gerar muita preocupação em relação ao quadro fiscal e exigir muito comprometimento das autoridades com a condução da política fiscal daqui para frente”, afirma.
“Para culminar, a cereja do bolo, a gente tem medidas fiscais que estão sendo tomadas nesse momento com intuito de debelar os efeitos da inflação sobre a economia, mas que, de certa forma, acabam sustentando a atividade, fortalecendo o consumo, e algumas delas até distorcendo o mecanismo de preços”, continua.
Algumas das medidas são temporárias, entre elas a redução de tributos federais, de forma que sua reversão acabará pressionando a inflação do próximo ano. Diante disso, o Banco Central sinalizou na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) a intenção de manter a taxa básica de juros em um patamar elevado por mais tempo. Hoje, a Selic está fixada em 13,25% ao ano.
Segundo Bittencourt, em um cenário de ciclo de aperto monetário mais longo, o governo não tem outra alternativa a não ser se refinanciar em um novo patamar mais alto de taxa de juros, elevando o custo da dívida pública no longo prazo.
“Se o cenário se deteriorasse de modo que o Banco Central tivesse que elevar a Selic um ponto percentual acima do que está previsto, isso levaria a 0,7 ponto porcentual do PIB a mais de dívida no final de 2023. A dívida seria R$ 75 bilhões acima do previsto”, diz.
Para Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria, a expectativa é de piora no custo da dívida.
“A gente não tem uma perspectiva positiva nem em um cenário em que a gente vem colhendo fluxos fiscais positivos, quem dirá num cenário em que a gente tenha perspectivas tão negativas. A gente tem desafios do lado macroeconômico, questão do câmbio, da política externa”, afirma.
A economista cita também medidas de renúncia de receitas com corte de impostos e os reflexos da PEC das bondades.
Para Damasceno, a deterioração do risco fiscal ganha mais força agora porque o governo Bolsonaro tenta contornar o teto de gastos pela segunda vez em seis meses depois da PEC dos Precatórios, que adiou o pagamento de dívidas judiciais e alterou a forma de cálculo do teto de gastos para abrir um espaço de R$ 115 bilhões em despesas. Agora, a nova fatura está em R$ 41,25 bilhões.
“A gente está fazendo isso para emplacar gasto que é claramente eleitoral. Se não fosse, não estava datado para encerrar dia 31 de dezembro”, acrescenta.
A economista lembra ainda que, quando a MP (medida provisória) do Auxílio Brasil tramitava no Senado, o trecho que decretava o fim da fila do programa foi vetado.
“É uma discussão muito oportuna e eleitoreira que deixa um legado perigoso. A forma como a política fiscal está sendo conduzida atrapalha muito a política monetária, seja por essa questão do risco, seja por incertezas que vão se gerando, seja pela própria questão de demanda agregada.”
Por Idiana Tomazelli e Nathalia Garcia