Reverendo tenta proteger governo Bolsonaro na CPI e diz que conversa ‘com quem manda’ era ‘bravata’
O reverendo buscou proteger o governo federal e negou que tivesse contatos e influência
Em um depoimento com muitas contradições e lacunas, o reverendo Amilton Gomes de Paula afirmou à CPI da Covid, nesta terça-feira (3), que se tratou de uma “bravata” o áudio no qual afirma estar em contato “com quem manda” para tratar da negociação de vacinas contra a Covid-19.
Os membros da CPI dizem acreditar que ele se referia ao presidente Jair Bolsonaro ao usar a expressão “quem manda”.
Ao longo de seu depoimento, o reverendo buscou proteger o governo federal e negou que tivesse contatos e influência no Ministério da Saúde e no Palácio do Planalto. Por outro lado, apresentou fatos que evidenciam a rapidez com que suas demandas foram tratadas no âmbito da pasta.
Amilton Gomes de Paula foi convocado após depoentes da comissão relatarem que ele seria responsável por intermediar o contato entre Ministério da Saúde e vendedores não oficiais de vacina. O reverendo foi o responsável, por exemplo, por levar ao ministério o policial militar Luiz Paulo Dominghetti, representante da empresa Davati e que tentava vender 400 milhões de doses da AstraZeneca.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou denúncia de Dominghetti, na qual afirma ter ouvido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina do então diretor de logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, que acabou exonerado.
Em seu depoimento na CPI, o reverendo buscou a todo momento negar que tivesse conexões políticas. Disse que nunca esteve com o presidente Jair Bolsonaro nem com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O senador Humberto Costa (PT-PE) então questionou o depoente a respeito de um áudio presente no telefone do policial Dominghetti e de posse na CPI. Nesse áudio, o reverendo sugere que a negociação vai decolar pois está em contato com autoridade que detém poder de decisão.
“Agora, no dia seguinte, 16 de março, o senhor mandou uma mensagem para Dominguetti dizendo: ‘Ontem falei com quem manda. Tudo certo. Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas’. A quem é que o senhor se referia quando disse ‘quem manda’?”, questionou o parlamentar.
“É, isso aí foi uma bravata”, respondeu o reverendo.
A resposta provocou protestos dos senadores. O presidente Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que ouviu o advogado dizendo exatamente qual deveria ser a resposta a ser dada.
Sobre áudios de Dominghetti, em que o policial sugere que o reverendo teve contato com outras autoridades, como a primeira-dama, Amilton Gomes de Paula atribuiu a responsabilidade a seu interlocutor e afirma que não teve responsabilidade por essas falas.
Apesar de defender a todo momento que não tinha conexões políticas nem contatos no Ministério da Saúde, o reverendo apresentou uma sequência de emails e fatos que sugerem um bom trânsito na pasta.
Amilton Gomes de Paula afirmou que escreveu um email ao Ministério da Saúde solicitando uma reunião para tratar de vacinas ao meio-dia de 22 de fevereiro, para que fosse realizada às 16h30 do mesmo dia.
Esse teria sido o primeiro contato a pasta. Mesmo sem ter recebido resposta, decidiu ir para o Ministério e se reuniu com quadros importantes, entre eles o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros. O reverendo ainda disse que o email foi encaminhado para os destinatários errados do ministério.
“O senhor então mandou um email às 12h, apontou o horário de que a reunião teria que ser às 16h30, às 16h30 já foi recebido. Eu queria essa eficiência do serviço público para a Pfizer”, disse o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
“Agora o senhor sai num Uber, num táxi, chega ao ministério e é recebido no ministério? Me desculpe, reverendo, mas não dá para acreditar nisso, não dá para acreditar nisso. É muito furada essa história”, disse Omar Aziz.
Questionado sobre o motivo da agilidade em seus pedidos, respondeu apenas que foi recebido possivelmente por causa da “urgência” em adquirir vacinas.
O reverendo chegou a ter uma reunião com o então secretário-executivo do ministério Elcio Franco, braço-direito do general Eduardo Pazuello. Amilton Gomes de Paula disse depois que negociação naufragou porque a empresa não forneceu a documentação necessária. Ele disse que participou da intermediação inicialmente por se tratar de uma “questão humanitária”.
“Fui lá como embaixador mundial da paz”, disse o reverendo. “Entendemos que fomos usados de maneira ardilosa para fins espúrios e que desconhecemos”, completou.
O reverendo disse que a Davati prometeu doação para a entidade que fundou, a Senah (Secretaria Nacional de Ajuda Humanitária), em troca do serviço de intermediação. Mas não disse como seria essa doação. “Ele falou de doação, mas não se referiu à quantia”, disse.
“O senhor estava ali de olho é na doação, com todo o respeito. Não era uma questão humanitária”, afirmou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
Antes do depoimento do reverendo, os senadores aprovaram 130 requerimentos. Um deles prevê a quebra de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário do líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Os parlamentares da comissão querem apurar a ligação do deputado com a negociação para a compra da vacina indiana Covaxin, cujo contrato foi cancelado por suspeitas de irregularidades.
Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que levou as suspeitas ao presidente Jair Bolsonaro pessoalmente. Bolsonaro então teria dito que era um “rolo” do líder do governo.
Os senadores da CPI da Covid também aprovaram uma nova convocação do coronel Elcio Franco, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde, durante a gestão de Eduardo Pazuello.
O novo depoimento vai se dar, portanto, após o avanço das investigações sobre irregularidades na negociação de vacinas, em particular a indiana Covaxin e a atuação de intermediários.
Por outro lado, os senadores decidiram retirar da pauta a convocação do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Mesmo senadores do grupo majoritário, formado por independentes e oposicionistas, como Eduardo Braga (MDB-AM) e Otto Alencar (PSD-BA), se manifestaram de maneira contrária e declararam que votariam contrariamente, se o requerimento fosse mantido.
O autor do requerimento, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), tentou argumentar que o requerimento de convocação se dava pela atuação de Braga Netto no comando da Casa Civil, antes de ser nomeado para a Defesa. No entanto, alguns senadores pediram reconsideração e chegaram a mencionar o momento institucional delicado, marcado por polêmicas recentes entre a Defesa e o Congresso.
Outro requerimento aprovado é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que pede à Justiça que secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, seja afastada do cargo.
O pedido também será feito ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A justificativa é de que ela teria cometido crime contra a vida por prescrever medicação sem eficácia comprovada.
Texto: Raquel Lopes e Renato Machado