Resistência a Mendonça reduz chance de pautas bolsonaristas no Supremo
A resistência do Senado em aprovar a indicação de Mendonça para o STF é uma forma de retaliar o presidente pelas ameaças à democracia
A resistência do Senado em aprovar a indicação de André Mendonça para o STF (Supremo Tribunal Federal), como forma de retaliar o presidente Jair Bolsonaro pelas ameaças golpistas que tem feito à democracia, reduz as chances de pautas bolsonaristas prosperarem na corte.
A ausência de mais um nomeado pelo chefe do Executivo no Supremo diminui a probabilidade, por exemplo, de integrantes do governo investigados na CPI da Covid terem sucesso em derrubar medidas aprovadas pela comissão, como tem feito o ministro Kassio Nunes Marques.
Decisões que acenam à base eleitoral do presidente, como a que liberou as missas e cultos e a que autorizou a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul, também se tornam mais difíceis de se repetir.
Isso porque, atualmente, quando um processo desta natureza chega à corte, a relatoria do caso é sorteada entre todos e apenas 1 dos 10 ministros foi escolhido por Bolsonaro e é mais alinhado a ele -com mais um, a probabilidade quase dobraria, pois seriam 2 em 11.
Outro efeito da demora do Parlamento em chancelar a indicação do chefe do Executivo é o isolamento interno cada vez maior de Kassio Nunes.
O primeiro indicado do presidente ao tribunal tem sido excluído de todas as articulações que definem as reações às ofensivas do Palácio do Planalto, como ocorreu na carta em apoio à urna eletrônica e na nota de apoio ao ministro Alexandre de Moraes, alvo de um pedido de impeachment apresentado por Bolsonaro.
A resistência do Senado em aprovar Mendonça, porém, também pode curiosamente ser positiva para o chefe do Executivo. Está marcado para a próxima terça-feira (31/8) o julgamento que decidirá se o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) tem direito a foro especial perante o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).
Se a corte der uma decisão contrária ao parlamentar, a investigação contra ele no caso da “rachadinha” terá que voltar à primeira instância, para as mãos do juiz Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras nessa investigação, como na prisão preventiva de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema de arrecadação de salários de assessores de Flávio quando era deputado estadual.
Como o tema será analisado pela Segunda Turma, a ausência de um ministro no colegiado pode ajudar o senador. Isso porque, por se tratar de questão criminal, se o placar ficar empatado, a decisão é dada em benefício do investigado.
Portanto, se o resultado do julgamento for 2 a 2, será o suficiente para que a tese da defesa de Flávio prevaleça.
Independentemente deste julgamento, porém, a retomada da investigação depende da derrubada da decisão do ministro João Otávio de Noronha, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), de suspender a tramitação da ação penal.
Além de tornar mais fácil ocorrer decisões em favor dos réus, a presença de apenas dez ministros na corte também tem impacto no plenário da corte.
É possível que haja empate de 5 a 5 e não haja maioria nem para aprovar nem para rejeitar ações constitucionais, por exemplo.
Nesses casos, a corte costuma suspender o processo para que o novo ministro desempate o julgamento.
Para que isso não ocorra e gere insegurança jurídica, o presidente da corte, Luiz Fux, interrompeu a discussão no plenário virtual sobre a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
O placar estava 4 a 4 quando o magistrado decidiu pedir destaque para levar o tema ao plenário físico.
Segundo a assessoria do STF, “com o placar apertado e diante do impacto financeiro elevado”, estimado em R$ 40 bilhões, “o presidente decidiu levar o caso para julgamento presencial quando a composição estiver completa”.
Na análise da ação que contestava a autonomia do Banco Central, houve maioria para declarar a constitucionalidade da medida, mas o placar ficou em 5 a 5 sobre a competência para apresentar projeto desta natureza.
Metade entendeu que a legislação do tema só pode ser alterada por iniciativa do Executivo, enquanto outra metade afirmou que o Congresso também teria esse poder.
Como houve maioria no mérito para autorizar a autonomia da instituição financeira, a corte acabou sem dar uma palavra definitiva em relação à questão da competência para propor esse tipo de matéria.
Em relação à atuação individual dos ministros, a demora do Senado também deixa paralisados os processos que estavam sob relatoria do ministro Marco Aurélio e que serão herdados pelo próximo membro do tribunal.
O recurso de um advogado contra decisão que arquivou pedido de investigação da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, por ter recebido depósitos de Fabrício Queiroz é um desses litígios parados.
Uma ação em que o partido Podemos questiona o valor do Fundo Eleitoral é outro exemplo de caso que aguarda o novo ministro para ter andamento.
São mais de 2.000 processos que estavam no gabinete de Marco Aurélio e que irão para o novo magistrado.
Nesses casos, porém, quando há pedido de decisão urgente a ser tomada, o presidente da corte redistribui a ação para que o recurso tenha uma resposta.
Apesar dos problemas gerados pelo fato de a corte contar com um número par de integrantes, a decisão dos ministros é tocar os trabalhos normalmente em vez de aguardar o próximo para se debruçar sobre casos sensíveis.
Nos bastidores, a maioria dos magistrados não tem resistência ao nome de Mendonça, como tem sido visto no Senado, mas a avaliação é de que é difícil prever quando os parlamentares irão destravar a análise da indicação feita por Bolsonaro.
Além disso, não é inédito o Supremo trabalhar com apenas dez ministros. Quando Joaquim Barbosa se aposentou voluntariamente do STF em 2013, antes da idade que o obrigaria a deixar a corte, a então presidente Dilma Rousseff (PT) levou quase nove meses para indicar seu sucessor, Edson Fachin.
Para a atual conjuntura política, a ausência de um indicado de Bolsonaro no STF também interessa à corte. O Supremo tem protagonizado duros embates com o chefe do Executivo e, para reagir, tem tentado demonstrar união a fim de conter a ofensiva bolsonarista.
Até ministros que já trocaram farpas públicas, como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, passaram a conversar nos bastidores sobre formas de reagir aos ataques do presidente da República.
Por: MATHEUS TEIXEIRA