PT antecipa autocrítica sobre gestão Dilma, tenta blindar Lula e cria desgaste interno
A intenção é esgotar o debate antes que chegue a campanha eleitoral
A cúpula do PT decidiu se vacinar contra críticas à política econômica implementada no governo de Dilma Rousseff, antecipando debate que deverá marcar a corrida presidencial. A pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega prepara um documento em que não só defende a gestão petista, mas também reconhece seus equívocos.
A intenção é esgotar o debate antes que chegue à campanha eleitoral, dissecando as circunstâncias que levaram à crise econômica de 2015 e culminaram no impeachment de Dilma em 2016. A estratégia parte da premissa de que seria improdutivo tentar esconder a petista durante a campanha.
Reunida com Lula no dia 13 de janeiro, Dilma avisou que ela mesma defenderá seu governo quando atacada durante a campanha.
Lembrando sua experiência com o ex-presidente Michel Temer (MDB), ela também alertou Lula para o risco de ser traído pelo ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido), caso eleitos para a Presidência.
Em resposta, Lula afirmou que Alckmin não é igual a Temer. Disse também que, se eleitos, o ex-tucano participará ativamente de seu governo.
Ministro da Fazenda de 2006 a 2014 –período que atravessa governo Lula e Dilma– Mantega afirma que o objetivo do documento é rebater “as críticas e fake news plantadas pelos adversários do PT”. Ele já afirmou anteriormente que não pretende voltar ao governo por entender que já “deu sua parte”.
Segundo o ex-ministro, o texto vai demonstrar que não foram os governos do PT que quebraram o Brasil. Nem que houve irresponsabilidade fiscal ou inflacionária durante a gestão petista.
“Vou demonstrar que os governos Lula e Dilma iniciaram a construção de um Estado de bem-estar social que está sendo destruído pelo governo Bolsonaro”, diz.
Mantega afirma ainda que fará uma comparação entre os “governos desenvolvimentistas do PT e os governos neoliberais do Temer e Bolsonaro”.
Segundo ele, serão analisadas causas das crises de 2015-2016 e a de 2020. “Serão examinados os êxitos e também os equívocos desse período. O que mais avançou e o que não conseguiu avançar nos governos Lula e Dilma”, antecipa Mantega.
Ainda segundo o ex-ministro, “será feita uma dura crítica aos governos Temer e particularmente ao Bolsonaro”.
O governo Dilma registrou uma das maiores recessões da história do Brasil –e é lembrado muitas vezes como um desastre. No segundo mandato da petista, a inflação disparou, atingindo 10,67% em 2015. Quando deixou o governo, a taxa de desemprego superava 10%.
Embora reconhecendo equívocos, Mantega rechaça a expressão mea-culpa para a iniciativa –e diz ainda que Henrique Meirelles e Paulo Guedes deveriam fazer mea-culpa, uma vez que “conduziram a economia brasileira à mais longa estagnação”.
“Os governos do PT conduziram o Brasil para o mais longo ciclo de crescimento dos últimos 40 anos e o maior avanço social dos últimos 500 anos. Não será um mero confronto de ideias e de suposições, mas de fatos concretos e dados oficiais incontestáveis”, acrescenta.
Além da elaboração de documentos sobre as causas da crise, o próprio Lula assumiu a defesa da ex-presidente.
No entanto já indicou que ela não deverá ocupar nenhum cargo no governo caso ele vença a próxima eleição. Em entrevista à rádio CBN Vale do Paraíba neste ano, o petista disse que faltava a ela “paciência que a política exige”.
Lula afirmou que pretende montar seu eventual governo com “muita gente nova, gente importante e com muita experiência”.
Apesar de elogiar Dilma, diz que, em sua opinião, a petista errou na política. “Ela não tem a paciência que a política exige que a gente tenha para conversar e atender as pessoas mesmo quando você não gosta do que elas estão falando.”
No dia 14 de janeiro, um dia após a conversa com Dilma, Lula se reuniu com um grupo de economistas, aos quais pediu que defendessem a condução da política econômica nos governos petistas.
Mantega já tem dado indícios do teor do documento que deverá apresentar nas próximas semanas. Em recente entrevista, o ex-ministro admitiu ter pecado no combate à desindustrialização, apontando a política cambial como fonte do problema.
A exposição dessas críticas desagrada, no entanto, uma parcela do PT, incluindo integrantes da equipe econômica do governo Dilma.
Há o consenso internamente, no entanto, que ela terá de conviver com pessoas que viraram desafetos após, principalmente, o seu impeachment. Segundo relatos, uma delas seria a ex-prefeita Marta Suplicy, que se afastou do PT naquele momento e acabou se filiando ao MDB, partido de Temer.
Petistas ressaltam também que, apesar dos recentes elogios de Lula a Dilma, a produção do documento não está a cargo da Fundação Perseu Abramo, cujo presidente, Aloizio Mercadante, foi ministro-forte do governo da ex-presidente. Mas sob responsabilidade de um economista da confiança de Lula.
A fundação, inclusive, tem publicado uma série de documentos que defendem os legados dos governos petistas. Entre eles, está o texto “Brasil: Cinco Anos de Golpe e Destruição”, de mais de 300 páginas, –que propõe um balanço dos anos que sucederam o impeachment de Dilma.
Ainda nesse esforço, o site oficial do PT divulgou, nesta semana, texto que listava 48 realizações dos governos petistas.
A publicação foi uma resposta a declarações feitas por Bolsonaro que, durante cerimônia oficial, disse ter encomendado a ministros um levantamento a sobre as administrações petistas.
Apesar da defesa ao seu governo, o partido segue dividido sobre qual será a participação efetiva de Dilma na campanha do petista, uma vez que a crise econômica que antecedeu o impeachment se tornou munição de adversários, entre eles Bolsonaro.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, Bolsonaro deverá investir cada vez mais em comparações de seu mandato com o governo de Dilma, como parte de sua estratégia eleitoral contra o ex-presidente Lula.
A ideia é ressaltar índices negativos registrados na administração da petista para defender dados adversos divulgados em seu próprio governo.
Em cerimônia no fim de janeiro no interior do Rio, por exemplo, Bolsonaro afirmou que a eleição de Lula significaria a volta de nomes como o da ex-presidente ao centro do poder.
“Alguém acha que se o cara voltar Zé Dirceu não vai para a Casa Civil? Dilma no Ministério da Defesa? Defesa, já que ela é mandona e uma arma poderosa conhecida”, disse ele.
Segundo relato de participantes da reunião entre Lula e Dilma no começo do ano, os dois não discutiram o papel da ex-presidente na campanha. Entre petistas, a aposta é que Dilma exerça uma função diplomática, representando o ex-presidente em agendas internacionais.
O secretário de comunicação da legenda, Jilmar Tatto, diz que o partido não irá “esconder em nenhum momento” a ex-presidente e o seu governo durante o processo eleitoral. “Vamos defender com unhas e dentes.”
Esse discurso também foi amplificado pelo próprio Lula, em entrevista à Super Rádio Tupi, do Rio, neste mês. O petista disse que Dilma é motivo de orgulho e que foi vítima do Congresso Nacional.
“Ninguém vai me intrigar com a Dilma. Reconheço nela uma mulher de extraordinária qualidade, de muito caráter, muita competência ética e muita competência técnica para governar qualquer país”, disse.
Por Cátia Seabra e Victoria Azevedo