Procuradores e advogados na Lava Jato invertem papéis no caso Daniel Silveira – Mais Brasília
FolhaPress

Procuradores e advogados na Lava Jato invertem papéis no caso Daniel Silveira

Procuradores que criticavam absolvições agora lamentam condenação de deputado bolsonarista pelo STF

Daniel Silveira
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A condenação do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) pelo STF (Supremo Tribunal Federal), na semana passada, inverteu os papéis de grupos de procuradores da República e advogados que estiveram em lados opostos nos debates envolvendo operações da Lava Jato.

Ex-membros da força-tarefa que costumavam cobrar condenações e pressionar o STF quando lhes parecia que os ministros pegavam leve com os investigados agora criticaram a decisão da corte no caso Daniel Silveira.

Ao mesmo tempo, advogados que antes criticavam a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e do Judiciário pelo que consideravam abusos e rigor excessivo na operação agora ficaram do lado do STF.

A mudança de posição não reflete necessariamente algum tipo de incoerência, já que os julgamentos de Silveira e dos investigados na Lava Jato envolvem fatos e normas muito distintas. A própria decisão contra o deputado é inédita desde a promulgação da Constituição de 1988.

O Supremo condenou, por 10 votos a 1, o deputado federal bolsonarista por entender que os ataques feitos por ele a ministros da corte se enquadram nos crimes de coação no curso do processo (uso de violência ou de ameaça para obter vantagem em processo judicial) e de incitação à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes.

A pena de Silveira foi de 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado. Os ministros também decretaram a cassação do mandato parlamentar, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa de cerca de R$ 192 mil.

No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu indulto ao deputado.

Deltan Dallagnol, um dos principais nomes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, foi um dos que se manifestaram com críticas ao STF no caso Daniel Silveira. Hoje filiado ao Podemos, o ex-procurador tem pretensões políticas e usa o enfrentamento do Judiciário como uma de suas bandeiras.

“Se o STF tivesse o mesmo empenho em condenar os corruptos da Lava Jato que teve para condenar Daniel Silveira, nosso país estaria muito melhor”, disse.

Nas redes sociais, ele afirma em tom crítico: “O art. 53 [da Constituição] estabelece que ‘os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos’. O STF disse que ataques à democracia e às instituições não estão protegidos”.

Na sequência dessa postagem, Deltan questiona: “Ao mesmo tempo, o STF disse que a Lava Jato não podia fazer busca e apreensão para pegar provas de corrupção no imóvel de parlamentar porque seu imóvel seria inviolável. O que você acha?”.

Deltan também publicou uma sequência de mensagens insinuando que, na sua avaliação, o STF errou ao condenar Daniel Silveira. As opiniões foram compartilhadas por bolsonaristas, fato que o próprio ex-procurador fez questão de destacar.

A procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, seguiu a mesma linha para analisar o caso.

“Imunidade parlamentar: ele [Daniel Silveira] não poderia ser preso, processado e condenado por crimes cometidos pela palavra, por conta da imunidade parlamentar prevista no art. 53, CF, que abrange as opiniões, palavras e votos”, disse.

De acordo com ela, as atitudes de Silveira poderiam configurar quebra de decoro parlamentar, mas que só a Câmara dos Deputados está apta a julgar esse caso.

Sem citar nomes, a procuradora ainda questionou: “O ministro que é vítima de um crime não pode ser o julgador, diante da suspeição e também violação do princípio acusatório”.

O procurador Hélio Telho, do Ministério Público Federal em Goiás e defensor da Lava Jato, afirmou que a ação penal contra o deputado Daniel Silveira “tramitou em tempo recorde para os supremos padrões”.

“Menos de um ano entre o recebimento da denúncia e a condenação. Bem diferente das ações por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato, que não raro prescrevem antes do julgamento”, disse.

Já o Prerrogativas, grupo que reúne advogados e adotou em geral possível crítica às ações da Lava Jato, demonstrou apoio à condenação de Silveira.

Em um texto publicado em seu site, o grupo Prerrogativas se posiciona “em irrestrito apoio ao STF, em defesa de sua decisão constitucionalmente adequada, expressa no julgamento do futuro ex-deputado, com garantia do devido processo legal, do direito à ampla defesa e do contraditório”.

Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas e um dos principais apoiadores da candidatura do ex-presidente Lula (PT) no meio jurídico, afirma que o grupo combate o ativismo judicial e a instrumentalização do sistema de Justiça a serviço de interesses políticos e eleitorais.

Diz, entretanto, que a situação de Silveira é diferente. “Trata-se de mais um troglodíta que se escondeu na imunidade de um mandato parlamentar para cometer crimes contra o Estado de Direito e contra a própria democracia”.

O advogado Augusto de Arruda Botelho, também crítico da Lava Jato, afirmou: “Concordo com toda a parte técnica do voto do min. Alexandre de Moraes. A questão da perda do mandato ainda deve gerar discussão. Discordo bastante dos argumentos do min. Nunes Marques. Resumo: condenação mais que justa”.

Indicado por Bolsonaro, o ministro Kássio Nunes Marques foi o único ministro a votar pela absolvição completa de Silveira.

Para a socióloga Amanda Evelyn, que estuda ações anticorrupção no Brasil e na Itália, essas declarações de quem foi ligado à Lava Jato fazem parte do mesmo roteiro de críticas duras que eram feitas ao STF durante a operação.

Além disso, diz ela, há um possível cálculo eleitoral por trás disso, já que a condenação de Daniel Silveira teve muita visibilidade e, pelo menos no caso de Deltan, ele deve ser candidato ao Senado ou à Câmara.

A reportagem procurou Deltan para comentar a situação, mas não teve resposta até a publicação deste texto.

Por Uirá Machado e Tayguara Ribeiro