Portal para exaltar agenda do governo Bolsonaro fica vazio
Até esta quinta-feira (12/8), quem entrava no endereço encontrava uma tela em branco se a mensagem: "site em manutenção"
O lançamento de um portal sobre os feitos do governo federal, em março de 2020, teve cerimônia no Palácio do Planalto com o presidente Jair Bolsonaro e alguns dos principais ministros, convidados, hino nacional, discursos e muitos aplausos.
Criado para ser canal direto de comunicação com o cidadão para dar transparência a projetos prioritários da gestão, o site Agenda + Brasil deveria ser contraponto à imagem negativa do governo, que àquela altura começava a ser agravada pela pandemia.
Quem entrava na página www.gov.br/agendamaisbrasil até esta quinta-feira (12/8), porém, encontrava uma tela em branco se a mensagem: “site em manutenção”.
O governo não disse desde quando o conteúdo está indisponível, mas a plataforma Wayback Machine (que salva histórico de páginas) mostra que ao menos desde agosto de 2020 o site está assim.
Na mesma época, a divulgação do link nos canais oficiais também foi interrompida. Especialistas em transparência e comunicação pública consultados pela reportagem dizem que o abandono evidencia problemas como descontinuidade de políticas e opacidade nos dados governamentais.
Bolsonaro está hoje em seu pior patamar de aprovação, de acordo com o Datafolha. Segundo pesquisa do instituto em julho, o governo é considerado ruim ou péssimo por 51% da população, e 54% dos brasileiros defendem que o presidente sofra um processo de impeachment.
Coordenado pela Casa Civil, que à época era comandada pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto, o site reunia inicialmente 20 projetos, como a nova Previdência, o Médicos pelo Brasil (que substituiu o Mais Médicos), o Criança Feliz, o Escolas Cívico-Militares e a Operação Acolhida.
A ideia era exaltar programas e obras dentro de 12 temas, como educação, saúde, infraestrutura, combate à corrupção e segurança pública.
Os materiais do lançamento abusaram de jargões internos, anunciando que o site destacaria “as entregas que estão transformando o país” e a “evolução da carteira de projetos”, além de mostrar que “as demandas da população estão sendo priorizadas”.
Também daria visibilidade à “agenda positiva” do governo.
A campanha de divulgação virtual, com a hashtag #OBrasilJáMudou, envolveu vídeos com Bolsonaro e ministros elogiando o portal.
Participaram estrelas da Esplanada como Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Abraham Weintraub (Educação) –os três últimos já fora da equipe.
Guedes falou com entusiasmo das reformas administrativa e tributária, que ainda não foram aprovadas, e de um ambicioso plano de desestatizações, cujos resultados até agora frustraram o mercado.
Já Weintraub apelou: “Peço apenas para vocês buscarem informação conosco. Tem alguns grupos privados [que] ficaram muito mal-acostumados com as relações incestuosas que tinham no passado. E hoje em dia esses grupos estão desesperados para tirar a proximidade que hoje nós temos com vocês e colocar intriga e mentira na cabeça das pessoas”.
A intenção do governo era que os projetos considerados vitrines de cada pasta estivessem detalhados no portal, com histórico e metas cumpridas, o que permitiria acompanhamento em tempo real da execução.
Parlamentares da base bolsonarista, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), também se engajaram nas propagandas sobre o espaço. As últimas publicações de perfis oficiais da administração a respeito do tema datam de junho e julho de 2020.
Em seu discurso na solenidade de apresentação, Bolsonaro afirmou que o canal também poderia ser usado para denúncias de corrupção e de mau uso de dinheiro público. E o general Braga Netto disse: “É uma ferramenta dinâmica, que receberá atualizações ao longo do tempo e que ouvirá as necessidades do cidadão. É uma agenda viva”.
Mas não foi. Para Mandetta, demitido por discordâncias de Bolsonaro à gestão da pandemia, o vazio do portal é “mais uma constatação de que o governo é errático”.
“O presidente não administra, não é líder, não se reúne com os ministros e não tem noção de indicadores de políticas públicas. Se ele mantém [o Agenda + Brasil] no ar, ele vai ter que confessar lá que projetos estão atrasados, não foram concluídos. Viraria um tiro no pé”, opina.
Diretor-executivo da organização Transparência Brasil, Manoel Galdino diz que o abandono da página vai na direção oposta à de um governo que quer ser transparente. Ele considera, no entanto, que o problema maior não é nem encerrar o site, já que é natural haver mudanças de ideia e de estratégia.
“O mais grave é a falta de prestação de contas”, aponta.
Questionada, a Casa Civil não explicou os motivos da manutenção prolongada no site. Só disse que “o cidadão pode fazer o acompanhamento da execução dos programas e projetos do governo federal pelo Portal da Transparência” e que “os projetos prioritários continuam a ser tocados diretamente pelos ministérios, sob a coordenação da Casa Civil”.
A Presidência da República não se manifestou.
Levantamento do jornal Folha de S.Paulo de 2020 mostrou que o governo acumula desde janeiro de 2019, quando tomou posse, ao menos 13 medidas para dificultar ou sonegar informações do país.
Por Joemir Tavares