Pito que Bolsonaro deu em mercado revela eixo de sua campanha à reeleição
A tática usada é a mesma colocada em prática desde a campanha de 2018
O sermão que Jair Bolsonaro (PL) deu no evento com expoentes do mercado financeiro e do mundo empresarial, na última quarta-feira (23/2), expôs de forma didática e resumida o que deve ser a tônica de sua campanha à reeleição.
Em tom de cobrança e novamente insinuando possibilidade de ruptura democrática caso as urnas lhe sejam desfavoráveis, o presidente da República inflou feitos econômicos e a qualidade de sua equipe de ministros, reavivou a pauta ideológica e apontou em Lula (PT) o risco do autoritarismo que, na realidade, pautou boa parte de sua própria gestão.
Tudo na tentativa de passar a imagem de que só ele é a opção eleitoral que manterá o país nos trilhos da economia e da democracia.
A tática usada é a mesma colocada em prática desde a campanha de 2018, o que inclui acusar adversários de fazer aquilo que ele próprio pratica.
Bolsonaro, por exemplo, disse que o “outro lado” antecipou a campanha, afirmando não ter cedido a isso, apesar de suas motociatas e demais eventos, assim como o próprio discurso no evento do banco BTG Pactual.
Além dos temas econômicos, objeto do encontro, ele disse que a volta do PT ao poder significa o fortalecimento do MST, recolhimento de armas “das mãos dos cidadãos de bem”, desmilitarização das Polícias Militares, extinção dos colégios militares, liberação das drogas, legalização do aborto e reaproximação a ditaduras de esquerda, como Cuba.
“O outro lado defende exatamente tudo isso daí”, resumiu o pacote misturando verdades a meias-verdades e mentiras, tudo costurado com tom altamente ideológico.
Um dos pontos altos de sua inflamada fala foi a afirmação de que o país só não se tornou um regime mais fechado porque ele resistiu, o que não encontra amparo nos fatos.
As principais ameaças de ruptura democrática partiram justamente dele e de seus apoiadores mais inflamados –e uma delas ele voltou a repetir, reconhecendo não haver provas de fraude nas urnas eletrônicas, mas também afirmando que não há provas de que não há.
“Peguem meus ministros, um a um, comparem com os outros que os antecederam, veja o perfil”, prosseguiu, em mais um momento em que as palavras não encontram amparo em fatos, tendo em vista a profusão de trocas e de ministros com gestões desastrosas, sem contar que boa parte de sua equipe é formada pelo mesmo centrão que esteve nos governos do PT.
Bolsonaro reclamou também claramente do Judiciário, a quem acusa de jogar “fora das quatro linhas” ao ameaçar tolher o Telegram, sua rede social preferida no momento, e por prender aliados como Daniel Silveira e Roberto Jefferson.
A escolha do palco para um discurso tão incisivo não é fruto do acaso. Se antes o retorno do PT ao comando do Planalto era algo rechaçado e até temido no mundo econômico, nas últimas semanas cresceram os sinais de que a vitória do ex-presidente já não causa tanta aflição assim no mercado.
Dias antes da fala de Bolsonaro, o banco Credit Suisse divulgou um relatório prevendo vitória de Lula nas urnas e um governo pragmático, mais próximo do que foi seu primeiro mandato, de 2003 a 2006. Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset e considerado um dos maiores gestores de fundos do país, também já afirmou que o mercado estrangeiro não tem percepção negativa sobre o petista.
O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado pelo atual chefe do Executivo sob a recomendação do ministro Paulo Guedes, admitiu à jornalista Miriam Leitão, da GloboNews, que o temor do mercado com a chance de vitória de Lula diminuiu –em uma declaração que repercutiu negativamente dentro do governo.
O cálculo também é pragmático. Embora o mercado possa não concordar com absolutamente tudo que é defendido pelo petista, há uma avaliação de que Lula na Presidência dará mais previsibilidade do que Bolsonaro, afeito a rompantes populistas –basta lembrar o atropelo na decisão de bancar um programa social de no mínimo R$ 400 em ano eleitoral, ainda que às custas da credibilidade da principal âncora fiscal do país, o teto de gastos.
Em uma tentativa quase desesperada de reverter o quadro, Bolsonaro começou seu discurso listando –em um tom de advertência que não passou despercebido– o que seriam medidas empreendidas por um novo governo Lula.
A lista inclui a revogação da autonomia do Banco Central, da qual o presidente já indicou a interlocutores ter se arrependido, a reversão da reforma trabalhista, aprovada por seu antecessor, Michel Temer (MDB), a revogação da reforma da Previdência, pela qual nunca se envolveu diretamente no esforço de obter apoio, e uma intervenção nos preços praticados pela Petrobras nos combustíveis, iniciativa com a qual o próprio Bolsonaro flertou em diversas ocasiões.
O chefe do Executivo só não disse o que ele mesmo fará na economia em um eventual segundo mandato. Nem seu ministro aparenta saber. Enfraquecido pela falta de apoio de Bolsonaro à agenda de privatizações e reformas, centrais em sua pauta liberal, Guedes tem dito a interlocutores que sua permanência em um novo mandato depende do claro endosso do presidente a essas propostas durante sua campanha.
Bolsonaro já não é mais um candidato desconhecido. Não foram poucas as vezes que partiu do próprio Palácio do Planalto o fogo amigo que minou as propostas de Guedes, aprovadas no Congresso em ritmo cada vez mais lento e com custo cada vez maior. Por isso, qualquer promessa será recebida com certo ceticismo. Ainda assim, nenhuma sinalização foi feita nessa direção até agora –o que, para o mercado, já é uma sinalização.
Por Ranier Bragon e Idiana Tomazelli