Omissão de Aras na defesa das urnas eletrônicas contraria histórico da PGR

O atual procurador-geral da República tem contrariado toda a tradição da instituição

O atual procurador-geral da República, Augusto Aras, tem contrariado toda a tradição da instituição que chefia ao não encampar a defesa da urna eletrônica.

Nas duas oportunidades em que o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional o voto impresso, a corte tomou as decisões justamente na análise de ações apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra a mudança no sistema de votação.

Além disso, a Procuradoria acompanha o processo de lacração das urnas e, desde que o sistema foi instituído, o órgão atesta a lisura dos equipamentos.

O alinhamento de Aras com o presidente Jair Bolsonaro, porém, tem levado o chefe do Ministério Público Federal a se omitir sobre as acusações infundadas de que o processo de votação brasileiro já foi fraudado e que pode ter irregularidades novamente em 2022.

Em nota nesta sexta-feira (13), o procurador-geral afirmou que, quanto ao posicionamento do presidente sobre o funcionamento das urnas eletrônicas, “haverá manifestação no tempo oportuno, no foro próprio e conforme a lei aplicável às eventuais condutas ilícitas sob apreciação do Ministério Público”.

Sem apresentar provas, contrariando o que sustentou até recentemente, Bolsonaro aponta fraude inclusive na votação que o levou ao Palácio do Planalto, em 2018.

O primeiro processo movido pela PGR contra o voto impresso foi em 2011, quando Roberto Gurgel estava à frente da instituição e contestou legislação aprovada pelo Congresso em 2009.

Os argumentos apresentados pela Procuradoria à época coincidem com a tese do atual presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, que liderou o movimento contra o voto impresso e foi escolhido por Bolsonaro como seu principal opositor nesse assunto.

“O sigilo da votação também estará comprometido caso ocorra falha na impressão ou travamento do papel da urna eletrônica”, afirmou a PGR na época.

“Isso porque, sendo necessária a intervenção humana para solucionar o problema, os votos registrados até então ficarão expostos ao servidor responsável pela manutenção do equipamento.”

O Supremo julgou a ação em 2013. À época, o posto de procurador-geral da República era exercido por Rodrigo Janot. Ele ratificou a posição contra a medida.

E a PGR teve sucesso. Por unanimidade, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei. A ministra Cármen Lúcia foi a relatora do processo e afirmou que “o segredo do voto foi conquista impossível de retroação” e que a impressão do voto fere esse direito assegurado pela Constituição.

Depois, em 2018, foi a vez de Raquel Dodge pedir ao Supremo para derrubar o voto impresso aprovado pelo Congresso três anos antes.

Dodge reafirmou a posição da PGR sobre o tema e disse que a “reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso”.

Além de contrariar o histórico da PGR, movimentos internos recentes indicam que a posição de Aras sobre o tema também vai no sentido oposto do sentimento da maioria dos integrantes do órgão.

No início deste mês, 31 subprocuradores-gerais da República, último nível da carreira antes da chefia da instituição, divulgaram uma carta para cobrar uma posição de Aras sobre o tema.

A publicação do texto ocorreu horas depois de Aras ter sido convocado para uma reunião com o presidente do Supremo, Luiz Fux. O chamado para o encontro ocorreu em meio à omissão de Aras sobre as ameaças golpistas do mandatário.

Depois da reunião, Aras divulgou nota, mas evitou defender a urna eletrônica e os integrantes do Supremo que estão na mira de Bolsonaro.

Os subprocuradores-gerais afirmaram que “incumbe prioritariamente ao Ministério Público a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo, seja mediante apuração e acusação penal, seja por manifestações que lhe são reclamadas pelo Poder Judiciário”.

No mês passado, membros do MPF que ocuparam o posto de procurador-geral eleitoral entre 1981 e 2019 também haviam publicado um texto para rebater Bolsonaro.

Afirmam no documento que a democracia brasileira “tem se beneficiado intensamente da atuação do sistema de Justiça Eleitoral, com especial destaque para as urnas eletrônicas, que operam com absoluta correção, de modo seguro e plenamente auditável”.

Eles lembraram que os equipamentos são fiscalizadas durante todo o processo eleitoral pelo Ministério Público Eleitoral, por partidos políticos, pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pela sociedade civil.

Na última quinta-feira (12), o ministro Dias Toffoli cobrou do procurador-geral uma manifestação sobre as alegações de Bolsonaro de que houve fraudes nas eleições de 2018.

O presidente já admitiu que não tem como provar as acusações que faz ao sistema eleitoral, mas tem insistido que o pleito vencido por ele foi fraudado. Toffoli é relator de uma ação apresentada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Indiretamente, porém, a gestão de Aras já atestou a fidelidade da urna eletrônica. Como ocorre em todos os anos de eleição, em 2020 o então procurador-geral eleitoral, Renato Brill, escolhido por Aras para o posto, participou da cerimônia de lacração das urnas e em nenhum momento indicou alguma irregularidade no procedimento do TSE.

A lacração é um ato que permite a geração de assinaturas e resumos digitais, que podem ser conferidos e validados pelo Ministério Público em caso de suspeição quanto à autenticidade do software das urnas eletrônicas

De acordo com a Procuradoria, quatro especialistas em sistemas informatizados do Ministério Público Federal visitaram o TSE nas últimas eleições para coletar informações sobre os sistemas utilizados no pleito. Foi feita inspeção no código-fonte dos sistemas.

Foi acompanhada também a verificação das assinaturas digitais dos sistemas de recebimento e totalização de votos das eleições municipais, nas cerimônias de lacração referentes a cada etapa eleitoral.

Antes de deixar o cargo no final de junho, Brill afirmou que a defesa do voto impresso para as eleições presidenciais de 2022 é “teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia e da ciência que é a urna eletrônica”.

Para o integrante do MPF, a PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), tinha como objetivo “manipular e insuflar determinados segmentos da população e criar um estado de confusão mental sobre a realidade dos fatos”.

A proposta foi rejeitada pela Câmara dos Deputados na semana passada. Alcançou 229 dos 308 votos necessários para que fosse aprovada na Casa.

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