Nova proposta de reforma trabalhista libera domingos e proíbe motorista de app na CLT
Caso seja aprovada a mudança em relação aos domingos, um trabalhador pode ter direito a folgar nesse dia
Estudo encomendado pelo governo Jair Bolsonaro para subsidiar uma nova reforma trabalhista propõe, entre outras medidas, trabalho aos domingos e proibir o reconhecimento de vínculo de emprego entre prestadores de serviço e aplicativos.
As sugestões para uma série de mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na Constituição foram elaboradas por um grupo instituído pelo Ministério do Trabalho e da Previdência. O texto já foi concluído e está sob avaliação.
São ao menos 330 alterações em dispositivos legais. Há a inclusão de 110 regras –entre artigos, parágrafos, incisos e alíneas–, a alteração de 180 e a revogação de 40 delas.
Caso seja aprovada a mudança em relação aos domingos, um trabalhador pode ter direito a folgar nesse dia apenas uma vez a cada dois meses –a medida já havia sido tratada na tramitação da MP que deu origem à Lei de Liberdade Econômica.
A proposta dos especialistas altera o artigo 67 da CLT e diz que “não há vedação ao trabalho em domingos, desde que ao menos uma folga a cada 7 (sete) semanas do empregado recaia nesse dia”.
Na justificativa da mudança, os especialistas afirmaram que “atualmente um dos maiores desafios que o mundo enfrenta é o desemprego”.
“Hoje, para trabalhar aos domingos e feriados, é necessário: estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho [convertida em ministério], ou possuir autorização de entidade sindical, mediante convenção ou acordo coletivo”. A sugestão prevê acordo individual.
A medida, segundo o relatório, pode trazer benefícios para os níveis de emprego.
O conjunto de propostas consta de relatórios apresentados pelo ministério, na segunda-feira (29), ao Conselho Nacional do Trabalho. O texto reúne contribuições de magistrados, advogados, economistas e acadêmicos.
O estudo pretende fazer “a sintonia fina da reforma trabalhista de 2017”. Para isso, há sugestões sobre trabalho intermitente, correção pelo IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial) e indenização por danos morais.
O Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho) foi criado em 2019. Os trabalhos foram organizados em quatro comissões com eixos temáticos.
O documento com 262 páginas foi publicado em novembro deste ano. A desvinculação do trabalhador de aplicativo é citada em três capítulos.
No grupo liderado pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ex-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), constam as mudanças mais profundas.
Pelo texto, o artigo 3º da CLT deverá afirmar expressamente que “não constitui vínculo empregatício o trabalho prestado entre trabalhador e aplicativos informáticos de economia compartilhada”.
Motoristas de passageiros e entregadores de alimentos não poderiam ser considerados empregados de plataformas. Dessa forma, não teriam direitos previstos na CLT. Hoje, há decisões judiciais conflitantes.
Segundo a exposição de motivos, “tal dispositivo busca reduzir a insegurança jurídica sobre o tema, além de exemplificar hipóteses de efetiva subordinação, para superar a discussão jurídica atualmente em voga”.
No documento, o ministério diz que as propostas não representam a opinião do governo. “Ou seja, os relatórios dos Grupos de Estudos Temáticos são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores.”
Procurada, a pasta reproduziu essa ressalva que está no material. E acrescenta: “Assim sendo, o documento também afirma que ‘a atuação do governo federal será calçada e construída por meio de diálogo com a sociedade, sua representação no Parlamento e nas necessidades econômicas e sociais do país'”.
Segundo a pasta, “a posição de diálogo e construção é a que orienta o governo no presente momento”.
Fenômenos recentes da economia, os aplicativos, como Uber, 99, iFood, têm enfrentado questionamentos judiciais quanto a vínculo de emprego. Na proposta, o tema foi tratado em mais dois artigos da CLT, o 442 e o 442-B.
Já o grupo de liberdade sindical, coordenado pelo professor da FEA-USP Hélio Zylberstajn, afirmou que o caso é de “um critério simples, aritmético e, portanto, objetivo”.
“Basta contar a quantidade de partes envolvidas no trabalho sob demanda para concluir que se trata de relação bidimensional, tridimensional ou ainda mais ampla”.
Segundo a comissão, “a vantagem é clara”. “Se há mais de duas partes no trabalho sob demanda, pode-se concluir com segurança que não há relação de emprego ou de subordinação e não se aplica o conjunto de regras da nossa CLT.”
Esse grupo propõe: “Não caracteriza vínculo empregatício a utilização, em uma rede de operações econômicas, de trabalhador que, de forma voluntária, independente, autogerida, eventual ou contínua, participa de transações entre mais de um participante da rede, sejam pessoas físicas ou jurídicas”.
Presente à reunião do conselho na condição de assessor jurídico da CUT (Central Única dos Trabalhadores), o advogado José Eymard Loguercio diz que não foi apresentada proposta de projetos de lei com intuito de garantir proteção a esses trabalhadores.
Segundo ele, os autores do relatório afirmam que o tema já está em debate no Congresso.
“Não há medida de proteção ao trabalhador. Toda a segurança jurídica é para a empresa e para o mercado”, afirma Loguercio em alusão ao título da comissão de Gandra, “Direito do Trabalho e Segurança Jurídica”.
A proposta de proteção social a esses trabalhadores foi debatida, mas não avançou no grupo.
Integrante da comissão e desembargador do TRT-21 (Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte), Bento Herculano Duarte Neto afirma que pessoalmente é a favor de uma rede mínima de direitos.
“O ideal é dizer que não tem vínculo empregatício por não haver subordinação, mas deve haver alguma proteção previdenciária, porque é o famoso trabalhador invisível, além de limitar jornada e ter um patamar mínimo de retribuição financeira”, diz Duarte Neto.
Já Gandra afirma que prevaleceu a proposta que busca evitar judicialização. “A matéria é tão polêmica ainda no Brasil e no mundo que a gente quis deixar claro que não existe vínculo empregatício. Se virar empregador, a plataforma deixa de existir, não tem interesse”, diz.
“Se não há vínculo, não há o que dizer. Que direito vai ter? Agora, se tiver problema de saúde, hoje pode se filiar como contribuinte individual à Previdência, mas pode deixar isso mais claro”, afirma.
O grupo de economia do trabalho, coordenado por Ricardo Paes de Barros, vai nessa linha e sugere que os trabalhadores poderiam se enquadrar como MEI (Microempreendedor Individual), o que torna, por exemplo, a contribuição à Previdência obrigatória.
Não há prazo para que a avaliação do texto seja concluída, e as propostas, apresentadas.
PRINCIPAIS PONTOS DAS PROPOSTAS
– Não reconhecer vínculo de emprego entre prestadores de serviços (motoristas e entregadores, por exemplo) e plataformas digitais (aplicativos). Ideia é barrar decisões judiciais que reconheçam o vínculo e os direitos previstos na CLT;
– Liberar trabalho aos domingos para todas as categorias;
– Responsabilização do empregado, quando treinado e equipado, pela falta de uso do equipamento de proteção individual em caso de acidente de trabalho;
– Previsão de teste de gravidez antes da dispensa da trabalhadora mulher. Ideia é garantir emprego e não se considerar dispensa arbitrária o fim de contrato por prazo determinado, de experiência, temporário ou intermitente;
– Ajustes nas regras do trabalho intermitente;
– Limitação da chamada substituição processual aos associados de um sindicato;
– Quitação de acordo extrajudicial seria completa, e o juiz, proibido de homologá-lo parcialmente;
– Indenização por danos morais com o o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social como parâmetro, em vez do salário do trabalhador, como previa a reforma de 2017;
– Aplicação do IPCA-E (índice de inflação medido pelo IBGE) em vez da TR, como previa a reforma de 2017, ou da Selic em correção monetária de créditos trabalhistas;
– Aplicação de leis trabalhistas novas aos contratos vigentes a fim de evitar questionamentos como os feitos em relação à reforma de 2017;
– Liberdade sindical ampla, proposta por meio de PEC (proposta de emenda à Constituição);
– Descartar como obrigatório o uso dos conceitos de categorias e sistema confederativo para conceituação de sindicatos;
– Admitir sindicatos por empresa ou setor produtivo (pode-se manter os conceitos de categorias e sistema confederativo).
Por Catia Seabra e William Castanho