Mulheres negras estão entre os grupos de maior vulnerabilidade
Desde 2014, 25 de julho faz parte do calendário oficial com Dia Nacional da Mulher Negra
“Deixem-me dizer algo: a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade”. A frase memorável foi proferida pela atriz Viola Davis em 2015, ao fazer história por se tornar a primeira mulher negra a receber o Emmy na categoria melhor atriz em drama desde o início da premiação, em 67 anos. Entre os marcos na história de luta das mulheres negras por direitos está o I Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado em 25 de julho de 1992 em Santo Domingo, na República Dominicana, data que foi instituída como o Dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana, Afro-caribenha e da Diáspora.
Reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Internacional da Mulher da Afro-latino-americana, Afro-caribenha e da Diáspora tem como objetivos promover e fortalecer a ação política das mulheres negras dessas regiões junto aos poderes públicos, na busca por ações concretas para a eliminação do racismo, sexismo e outras pautas.
No Brasil, 25 de julho também é o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, por força da Lei Nº 12.987/2014, em homenagem a Tereza de Benguela, mulher negra que marcou a história brasileira do século XVIII como líder do Quilombo Quariterê, localizado no território que atualmente corresponde ao Vale do Guaporé, em Mato Grosso.
O mês de julho é permeado por atividades políticas, formativas e culturais do movimento feminista negro contra o racismo, o machismo, a desigualdade social e outras formas de opressão, uma luta que se justifica pelos dados alarmantes de violência e vulnerabilidade social a que estão submetidas as mulheres negras.
De acordo com o Atlas da Violência 2020, do Instituto Brasileiro de Economia Aplicada (IPEA), entre 2017 e 2018 houve uma redução de 12,3% na taxa de homicídios de mulheres não negras (brancas, amarelas e indígenas) no Brasil, enquanto entre as mulheres negras (pretas e pardas) essa redução foi menor: 7,2%. Na análise do período entre 2008 e 2018, a diferença foi ainda maior: enquanto entre as mulheres não negras a taxa de homicídios caiu 11,7%, entre as mulheres negras houve um crescimento de 12,4%.
O estudo revela ainda que 68% das mulheres assassinadas no Brasil em 2018 eram negras, apresentando uma taxa de mortalidade 5,2 por 100 mil, enquanto entre mulheres não negras essa taxa foi de 2,8 por 100 mil, praticamente a metade. O padrão de vitimização dos homicídios em relação à raça/cor e ao sexo da vítima, para o período de 2008 a 2018, apresentou a taxa de 64,4% entre mulheres negras, e de 35,6% entre as mulheres não negras.
No Maranhão, o estudo mostra uma taxa de 90,8% de homicídio entre mulheres negras em 2018, enquanto entre as mulheres não negras essa taxa foi de 9,2%, somando 109 mulheres negras assassinadas naquele ano.
Para a professora Ilma Fátima de Jesus, especialista em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça pela UFMA, mestre e doutoranda em Educação (UFMA), coordenadora da Formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais da SEMED/São Luís e coordenadora do Movimento Negro Unificado do Maranhão, as mulheres negras têm sido, ao longo de sua história, as principais vítimas das desigualdades socioeconômicas, culturais, educacionais, entre outras, e de uma cultura racista e sexista que permeia suas vidas em todas as esferas, diferença que não está apenas nas precárias condições de sobrevivência mas, sobretudo, na negação cotidiana de serem reconhecidas como mulheres negras. “A mulher negra no Brasil tem uma história de exclusão onde as variáveis sexismo, racismo e pobreza são estruturantes, uma herança colonial, onde o sistema patriarcal apoia-se solidamente com a herança do sistema escravista”, aponta.
A pesquisadora ressalta casos de repercussão que demonstram a vulnerabilidade social das mulheres negras na sociedade brasileira, como o primeiro caso de óbito causado pela Covid-19 no país, no estado do Rio de Janeiro, cuja vítima foi uma trabalhadora doméstica negra e idosa, com problemas cardíacos, obesidade e diabetes, que contraiu a doença de sua empregadora recém-chegada da Itália; e o caso de Madalena Gordiano, resgatada após ser mantida em condições análogas à escravidão por quase 40 anos, trabalhando como empregada doméstica sem salário e folgas, na cidade de Patos de Minas (MG). “Muitas meninas negras começam a sofrer a exploração do trabalho doméstico infantil ao serem entregues para famílias da capital com promessas de que estudarão, mas elas apenas trabalham e o estudo não é algo que faz parte de suas vidas”, destaca.
A professora Tatiana Reis (UEMA), doutora em Estudos Étnicos e Africanos pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia, considera importante refletir sobre as opressões vivenciadas pelas mulheres negras a partir da constituição da sociedade, formada por uma pirâmide social ocupada pelos homens brancos no topo, com maior acesso a oportunidades e poder, seguidos pelas mulheres brancas, homens negros e mulheres negras ocupando a base da pirâmide, resultado de um processo histórico de exclusão, expropriação e violência social.
A despeito do processo de mudança em curso na sociedade com a ampliação de políticas públicas, a pesquisadora ressalta que a transformação ainda é muito reduzida na experiência de vida das mulheres negras, motivada pela negação social e falta de atenção em refletir sobre os marcadores sociais que vão além do gênero e raça, e envolvem outras categorias que as afetam de forma perversa, como a orientação sexual – como mulheres negras lésbicas; origem – como mulheres negras quilombolas; mercado de trabalho – como mulheres negras empregadas domésticas e quebradeiras de coco, vieses que revelam um contexto ainda maior de violência e negação de direitos.
Em referência à afirmação da filósofa e escritora estadunidense Ângela Davis, de que “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, Tatiana Reis ressalta que as mulheres negras precisam ser entendidas como as principais mobilizadoras de mudança social, na medida em que sua organização e mobilização políticas conseguem impactar toda a estrutura social, revelando um grande potencial transformador ao criticar ou questionar a realidade e provocando fissuras na pirâmide social que as exclui e oprime. “Nossos passos vêm de longe através de nossas antepassadas que vieram de África, e datas como essa nos ajudam a refletir sobre as mudanças que precisam acontecer de fato para alcançarmos um cotidiano sem violência e sobre a continuidade desse processo de organização e luta que precisamos discutir e refletir de forma coletiva”, conclui.
Quem foi Tereza de Benguela?
No Brasil, o 25 de julho é parte do calendário oficial desde 2014 por meio da Lei nº 12.987/2014, que declarou a data como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, resultado da articulação do movimento de mulheres negras.
A mulher que dá nome ao Dia Nacional da Mulher Negra, Tereza de Benguela, foi uma dirigente política que era conhecida como “Rainha Tereza” no Quilombo de Quariterê, que existiu de 1730 a 1795, no qual ela estabeleceu uma forma de governo que funcionava à semelhança de um parlamento, com deputados, conselheiro, reuniões e sede. A liderança de Tereza de Benguela existiu até 1770, quando foi presa e morta pelo Estado.
Além da organização, o Quilombo de Quariterê desenvolvia agricultura de algodão e possuía teares onde se fabricavam tecidos que eram comercializados. Tereza navegava com barcos imponentes pelos rios do pantanal. O Quilombo do Quariterê abrigava mais de 100 pessoas, com destacada presença de negras, negros e indígenas, tendo sido o maior quilombo do Mato Grosso.
Texto: Juliana Mendes/Fonte: Agência de Notícias do TJMA