Movimentos ajustam foco nas eleições para impulsionar candidatos

Grupos da sociedade civil reciclaram a bandeira da renovação política por si só, que teve o auge entre 2016 e 2018

Incorporados à dinâmica eleitoral, movimentos engajados no mapeamento de líderes políticos e no impulsionamento de campanhas ajustaram o foco para atuar no pleito de 2022 e serão forças paralelas aos partidos na tarefa de eleger novos nomes para o Legislativo.

Grupos da sociedade civil reciclaram a bandeira da renovação política por si só, que teve o auge entre 2016 e 2018, e passaram a apostar com mais ênfase em candidaturas com pautas e posicionamentos bem definidos ou representações específicas.

Embora iniciativas que se dizem sem agenda própria ainda tenham espaço, o novo perfil é predominante nesse ecossistema, que enfrenta tensões na inevitável convivência com os partidos, mas se firma como um eixo do sistema político-eleitoral.

Se o objetivo final de todos é um só –levar postulantes à vitória–, o mesmo não se pode dizer do universo de organizações, bem heterogêneo. Os grupos se diferenciam em bases ideológicas, alcance territorial, capacidade de financiamento e mobilização, origem e histórico.

Na lista há, por exemplo: a escola de políticos RenovaBR, os movimentos Acredito, Livres e MBL (Movimento Brasil Livre) e coletivos como Vote Nelas e Vamos Juntas (feministas), Coalizão Negra por Direitos e Mulheres Negras Decidem (antirracistas) e VoteLGBT (da causa LGBTQIA+).

Há ainda setores à esquerda, criados na chamada luta popular, que buscam fortalecer bancadas no Congresso e nas Assembleias Legislativas, como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Além dos blocos que participaram de eleições recentes, farão sua estreia em 2022 propostas novas, como o movimento Grita!, que busca eleger 150 deputados federais e 35 senadores de ficha limpa e favoráveis ao fim do foro especial e da extinção dos fundos partidário e eleitoral.

Calculados com base no número de votos e de parlamentares de cada legenda, os fundos são cruciais para a sobrevivência das agremiações. É de olho nesses fatores que siglas têm se aberto para apadrinhados das redes independentes.

A competição por cadeiras no Poder Legislativo será ainda afetada pela proibição de coligações e pela formação de federações partidárias, em que as siglas se unem para disputar o pleito, mas devem manter-se alinhadas por pelo menos quatro anos.

Doutora em ciência política pela Universidade de Oxford, Malu Gatto diz que um estudo sobre representação de grupos marginalizados, coordenado por ela e recém-divulgado pelo Instituto Update, mapeou mais de cem iniciativas no Brasil voltadas à inclusão de mulheres na política.

“O número é muito maior se considerarmos outros segmentos, que estamos acompanhando para a continuidade da pesquisa”, diz a professora da University College London.

Para ela, é “um novo ator eleitoral” que assumiu papel complementar ao dos partidos, os únicos que, por lei, podem lançar e registrar candidatos. A legislação também proíbe doações de pessoas jurídicas (o que inclui empresas e associações), mas repasses individuais são permitidos.

“Há maior entendimento sobre essas organizações e a interação delas com os partidos. Pode existir uma relação de benefício mútuo, principalmente com iniciativas que estimulam a diversidade”, analisa ela sobre embates entre as partes em tempos recentes.

Atritos entre movimentos e legendas eclodiram em episódios como a desfiliação do PDT da deputada federal Tabata Amaral (SP).

Cofundadora do Acredito e hoje no PSB, ela pediu na Justiça para deixar o partido pelo qual se elegeu depois de descumprir determinação partidária de votar contra a reforma da Previdência, em 2019.

Na esteira da crise, siglas como PDT e Novo chegaram a proibir a atuação de filiados nas redes independentes, por receio de que integrantes pusessem o compromisso com as entidades acima da obediência às regras estatutárias.

O Acredito, que apoiou nomes em 2018 e atuará em 2022, diz que “ainda não definiu se e como manterá” o mecanismo das cartas-compromisso com os partidos. A questão esteve na raiz da batalha judicial pelo direito de se desfiliar sem perder o mandato travada por Tabata.

No acordo, a antiga legenda de Tabata prometia resguardar “as autonomias política e de funcionamento” do Acredito, bem como “a identidade do movimento e de seus representantes”. O documento assinado pelo PDT foi determinante na vitória dela no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A presença dos organismos suprapartidários é incontornável, diz o cientista político e ativista Leandro Machado, que sentenciou no início de dezembro o fim da renovação política como mote eleitoral.

“É possível que o ciclo da renovação pura e simples esteja sendo substituído por renovação mais identitária ou segmentada, que é fruto de uma sociedade mais atenta à causa da diversidade, mas também dialoga com a cultura digital, que nos ‘hipernichou'”, afirma.

O Agora!, que tem Machado entre os cofundadores, chegou a ter 18 candidaturas quatro anos atrás, apesar de sua missão principal ser de debater políticas públicas. Em fase de redefinições internas, o grupo não faz planos para o pleito do ano que vem.

Movimentos como Bancada Ativista e Ocupa Política, que em anos recentes se destacaram no chamado campo progressista, também estão sem planos estruturados. O primeiro se desarticulou após a crise no mandato coletivo que elegeu para a Assembleia de São Paulo, com Monica Seixas (PSOL) à frente.

Já outras turmas abraçaram causas em evidência, como o estímulo a mulheres e a pessoas negras, hoje também estipulado em leis e resoluções do TSE que tentam reduzir o descompasso entre o tamanho dessas populações e os índices de seus porta-vozes.

“Os partidos querem mulheres porque têm cotas a cumprir, mas nem sempre dão o apoio necessário a elas”, diz a ativista Gisele Agnelli, cofundadora do Vote Nelas, que oferece apoio a candidatas.

“Fazer parte do Vote Nelas é como um selo que ajuda na campanha de cada uma e, acima de tudo, difunde a ideia de que o voto em mulher importa. Nossa tese é a de que o gênero da candidata é um critério de escolha importante e que ter as nossas lá só melhora a democracia”, completa.

Lógica parecida move a Coalizão Negra por Direitos, só que pelo viés racial. “Nossa missão é eleger um quilombo, uma bancada no Congresso e nas Assembleias”, diz Douglas Belchior, cofundador da aliança e cotado para concorrer a deputado federal pelo PT em São Paulo.

Para a coalizão, diz Belchior, a luta é “pela eleição de líderes vinculados às pautas do povo negro.”

A adesão a causas determinadas é também condição para receber o apoio do Grita!, “movimento de cidadania fundado a partir da indignação de quatro engenheiros formados” em 1964 no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e que prega combate a privilégios e prisão após condenação em segunda instância.

“Não nos consideramos [de direita]. O grupo é amplo. A prioridade são os valores éticos”, diz Luiz Esmanhoto, um dos engenheiros do ITA, hoje aposentado.

A entidade, atualmente com 50 associados, quer criar um cadastro que conectará postulantes a cargos eletivos identificados com os temas e eleitores que simpatizam com os ideais do movimento.

O Grita! conversa com pré-candidatos do Podemos, do Novo e do Cidadania. Esmanhoto nega que vise alavancar uma bancada simpática ao pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos), cujo discurso contrário à corrupção guarda semelhanças com o do movimento.

Grupos à direita e próximos de Moro, o MBL e o VPR (Vem Pra Rua) endossarão candidaturas legislativas. “A renovação com qualidade do Congresso é prioridade nas eleições de 2022”, diz Luciana Alberto, porta-voz do VPR.

“Daremos visibilidade a candidatos alinhados com as pautas do VPR, como fim do foro privilegiado, prisão em segunda instância, combate à corrupção, avanço das reformas necessárias e Estado mais eficiente, menos inchado”, diz.

A maioria dos grupos ainda não definiu o número de candidatos, os partidos que os abrigarão e os cargos que apoiarão. As conversas devem avançar após abril, fim do prazo de filiação para quem pretende concorrer em 2022.

Por Joelmir Tavares

 

 

Sair da versão mobile