Moraes usa casos de deputados com pedidos de arquivamento para manter réus do 8/1 no STF
Procurado por meio de seu gabinete, Moraes não comentou o assunto
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), citou casos de deputados federais investigados em seus votos pela condenação de réus do 8 de janeiro para justificar a manutenção no tribunal dos processos daqueles que não têm direito a foro especial na corte.
Porém, entre maio e agosto do ano passado, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu o arquivamento, por falta de provas, dos inquéritos abertos contra os deputados Clarissa Tércio (PP-PE), Silvia Waiãpi (PL-AP) e André Fernandes (PL-CE), além de uma apuração sobre a conduta do cabo Gilberto Silva (PL-PB) -parlamentares que são mencionados pelo ministro em seus votos.
Nenhuma denúncia foi apresentada contra eles, e as manifestações da PGR pedindo o arquivamento no caso dos três primeiros aguardam despacho no gabinete de Moraes, relator dos processos. Em relação a Gilberto Silva, o ministro determinou o arquivamento.
Procurado por meio de seu gabinete, Moraes não comentou o assunto.
Nesta segunda, no aniversário de um ano dos ataques golpistas de 8/1, Moraes citou como exemplo a ser descartado a fracassada política de apaziguamento promovida por Inglaterra e França em relação a Adolf Hitler nos anos 30 do século passado e reforçou a defesa de punições. “O fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento.”
Até o momento, 30 pessoas já foram condenadas nas ações do 8/1 a penas que variam de três anos de prisão em regime aberto a 17 anos em regime inicial fechado. Já foram recebidas 1.354 denúncias apresentadas pela PGR.
São apontados os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.
No voto pela condenação de Eric Prates Kobayashi, em julgamento iniciado no dia 15 de dezembro, por exemplo, Moraes afirmou ser evidente a existência de conexão entre as condutas atribuídas a Eric “e aquelas investigadas no âmbito mais abrangente dos referidos procedimentos envolvendo investigados com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte”.
“Ressalte-se, inclusive, que alguns detentores de prerrogativas de foro no STF já foram identificados e estão sendo investigados, notadamente os deputados federais Clarissa Tércio, André Fernandes, Silvia Waiãpi e Coronel Fernanda, investigados nos mencionados Inqs. 4.917, 4.918 e 4.919, a pedido da PGR, bem como o deputado federal cabo Gilberto Silva, investigado na Pet 10.836/DF”, afirmou o ministro.
Em 11 de janeiro, o MPF (Ministério Público Federal) havia enviado ao STF pedidos de abertura de inquérito contra os três primeiros parlamentares citados por Moraes pelos crimes de incitação aos atos de violência e vandalismo.
De acordo com o órgão, publicações feitas por eles em redes sociais antes e durante as invasões poderiam configurar incitação pública à prática de crime e tentativa de abolir, mediante violência ou grave ameaça, o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais.
De acordo com as petições, no dia 8 de janeiro, a deputada federal Clarissa Tércio divulgou no Instagram um vídeo fomentando atos de invasão e vandalismo. Na postagem, ela disse: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.
Já André Fernandes publicou, no dia 6 de janeiro, vídeo e comentário no Twitter afirmando que no fim de semana ocorreria o primeiro ato contra o governo Lula. Depois da invasão, ele postou foto da porta do gabinete do ministro Alexandre de Moraes vandalizada pelos invasores.
No caso de Silvia Waiãpi, o documento com a requisição de inquérito informa que ela divulgou vídeo das invasões no Instagram no dia 8 de janeiro com legendas que endossavam o conteúdo das mídias, fomentando os atos. “Povo toma a Esplanada dos Ministérios nesse domingo! Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho”, afirmavam as mensagens.
A PGR, no entanto, considerou que foram afastados os indícios inicialmente apontados de que as deputadas Clarissa Tércio e Silvia Waiãpi tenham concorrido, ainda que por incitação, para os crimes executados no dia.
Também alegou que não há justa causa para o prosseguimento das investigações ou para a instauração de ação penal por eventual autoria dos atos atentatórios ao Estado democrático de Direito.
Já sobre André Fernandes, a Procuradoria diz que, “em simples análise do caso em questão já se pode, com compreender do titular da ação penal, afastar a moldura de responsabilidade penal da participação, sob a forma de instigação, pelo mesmo crime”.
O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), por sua vez, foi alvo de uma representação do PSOL. Nela, o partido da base do presidente Lula afirmou que o aliado de Bolsonaro fez publicações em uma rede social que configuraria a “incitação ao terrorismo”.
Para a PGR, no entanto, embora as postagens de Silva tivessem “conteúdo crítico, inclusive dirigidas ao Supremo Tribunal Federal (‘guardião da Constituição Federal’) e ao presidente do Congresso Nacional, não se identifica, em nenhuma delas, a prática de crime. ()”.
“[Não] há indícios mínimos que revelem a prática de alguma conduta típica, razão pela qual não há justa causa para o prosseguimento da investigação em face de Gilberto Gomes da Silva”, afirmou o órgão. Em setembro, Moraes acatou os argumentos da Procuradoria e determinou o arquivamento.
Por Constança Rezende e Marcelo Rocha