Ministério Público no TCU pede suspensão de contratos com 'ONGs de prateleira' – Mais Brasília
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Ministério Público no TCU pede suspensão de contratos com ‘ONGs de prateleira’

Entidades tiveram projetos aprovados no ano passado para realização de cursos de esportes, mesmo sem ter nenhuma experiência prévia

TCU
Foto: Divulgação

O Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que o órgão investigue e interrompa, como medida cautelar, o repasse do governo federal de R$ 6,2 milhões a duas ‘ONGs de prateleira’ do ex-jogador Emerson Sheik e de Daniel Alves, lateral-direito da seleção brasileira de futebol.

Como o jornal Folha de S.Paulo revelou na terça-feira (5/4), as entidades tiveram projetos aprovados no ano passado para realização de cursos de esportes, mesmo sem ter nenhuma experiência prévia.

A assinatura dos dois convênios só foi possível porque os atletas driblaram exigências legais usando o CNPJ de ONGs inativas.

Ambas foram beneficiadas com emendas parlamentares a pedido de deputados da base do governo. A verba foi empenhada (reservada no Orçamento), mas não chegou a ser paga. O Ministério da Cidadania disse não haver ilegalidades e após a revelação do caso, afirmou que Sheik desistiu do convênio.

No documento do TCU, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado pede ao Ministério da Cidadania que suspenda repasses ao Instituto Emerson Sheik e ao Instituto DNA, de Daniel Alves.

O objetivo é que se analise possível descumprimento das exigências legais e ao regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil.

“Se confirmando os indícios de irregularidades supramencionados, que proceda a abertura de responsabilização dos agentes envolvidos, sem prejuízo de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal para apuração dos fatos na esfera penal”, diz o procurador.

A lei de trata das parcerias entre entidades governamentais e organizações da sociedade civil afirma que, para celebrar as parcerias, as organizações da sociedade civil devem possuir no mínimo três anos de existência com cadastro ativo.

“Independentemente de o Ministério da Cidadania argumentar que não havia ilegalidade na celebração das parcerias, há de se perceber o espírito da lei do marco das ONGs. Interpretações legislativas e burlas nas exigências legais, se não descumprem ao princípio da legalidade, descumprem ao princípio da moralidade”, diz Furtado.

O subprocurador também ressalta que, além do arcabouço jurídico-administrativo, a lei também diz que as parcerias com organizações da sociedade civil têm como fundamentos os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia.

“Aparentemente, a se confirmar as noticiadas supracitadas, parece-me que a moralidade, a transparência na aplicação dos recursos públicos e a impessoalidade estão sendo desprezadas para agradar, por meio de emendas parlamentares, pedidos de deputados da base do governo”, diz o subprocurador.

Membros do Ministério Público e parlamentares ouvidos pela reportagem afirmam que “ONGs de prateleiras” têm sido usadas para escapar da regra que estabelece a necessidade de as entidades da sociedade civil existirem há pelo menos três anos para firmar acordos com o governo federal.

Os dois atletas assumiram os institutos meses antes de apresentarem proposta de convênio ao governo federal. Para comprovar a capacidade técnica necessária para a execução dos projetos, ambos listaram, principalmente, feitos da carreira como jogador e imagens suas durante partidas de futebol.

Emerson Sheik assumiu em dezembro de 2019 o Instituto Qualivida, fundado há 26 anos, mas que nunca realizou projetos sociais voltados aos esportes. Logo em seguida, o ex-jogador alterou o estatuto, os membros e o nome da entidade.

O Instituto Emerson Sheik, novo nome da ONG, apresentou em julho do ano passado seu primeiro projeto ao governo federal. Em dezembro, foi assinado o convênio para a instalação de três núcleos esportivos em Mangaratiba (RJ) e Queimados (RJ) por R$ 2,7 milhões.

A verba foi alocada a partir de uma emenda parlamentar da bancada do Rio de Janeiro a pedido do deputado Hélio Lopes (PL -RJ), um dos parlamentares mais próximos de Bolsonaro.

Já o Instituto DNA, de Daniel Alves, firmou contrato de R$ 3,5 milhões em dezembro com a secretaria para instalar três núcleos de basquete 3×3 na Bahia, Pernambuco e Distrito Federal.

A entidade chamava-se Instituto Liderança até maio do ano passado e tinha como responsável Leandro Costa de Almeida, ex-treinador de basquete. Ele afirma que a ONG estava inativa havia cinco anos, após ter realizado alguns projetos sociais bancados por apoios privados.

Nesta quarta-feira (6), a Folha de S.Paulo também relevou que uma empresa ligada a um secretário da pasta do Esporte do governo Jair Bolsonaro (PL) prestou consultoria ao Instituto Emerson Sheik.

Leonardo Castro ocupava o cargo na época, ao mesmo tempo em que a IRJ Sports, consultoria especializada em projetos esportivos fundada por ele, atuava com burocracias do projeto do ex-jogador nas tratativas com o governo.

A pasta tocada por Castro também autorizou que o instituto de Sheik captasse R$ 11,5 milhões por meio da lei de incentivo ao esporte, em oito projetos apresentados ao governo federal. O ex-secretário diz que não sabia da atuação da IRJ Sports no caso, mas que não vê impedimentos.

Por Constança Rezende e Italo Nogueira