Lira defende lei das fake news moderada e evita embate com Telegram
Lira defendeu que o texto não deve ferir a liberdade de expressão dos usuários
Em meio à pressão para criar regras de atuação do Telegram no país, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu que o projeto das fake news seja moderado e não voltado ao caso específico do aplicativo. Ele também descartou tornar a controvérsia envolvendo o Telegram em “uma questão de disputa nacional”.
O aplicativo, amplamente usado pela militância bolsonarista, é criticado por ignorar decisões judiciais. Além disso, é alvo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e está na mira de ao menos duas apurações, uma na Polícia Federal e outra no Ministério Público Federal. O TSE recentemente também passou a discutir a possibilidade de banimento do aplicativo de mensagens.
Lira falou sobre o projeto das fake news, relatado em grupo de trabalho pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP), ao chegar à Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira (15/2).
O presidente da Câmara disse que Orlando Silva participou de almoço com líderes da base do governo para explicar os principais pontos do texto e tirar dúvidas. Lira disse que o requerimento de urgência do texto pode ser apreciado nesta terça ou na quarta-feira (16) e que, em uma semana, o deputado do PC do B teria um termômetro sobre a votação, depois de percorrer lideranças partidárias.
Ao ser perguntado sobre se houve alguma preocupação específica sobre o Telegram, Lira disse que não tornaria o caso “uma questão de disputa nacional”. Segundo ele, no almoço foi citado o exemplo da Alemanha, onde o aplicativo também se recusava a ter contato com autoridades locais até mudar de postura.
“E esse assunto vai ser tratado com naturalidade legislativamente. Nós não vamos fazer disso uma pauta nacional de um embate, como já existiram várias”, afirmou Lira.
“Legislativamente se resolve essa questão não só com relação ao que se está tentando fazer, mas com todas as variedades de posicionamentos que não sejam adequados para uma rede que precisa ter algum tipo de posicionamento, quando tiver que ter decisões judiciais de colegiados para serem cumpridas. Isso vai ser tratado com normalidade.”
Lira defendeu que o texto não deve ferir a liberdade de expressão dos usuários. “Tem temas ali sensíveis com relação a justamente à abstração entre liberdade de expressão, direito coletivo e direito individual”, disse. “Nós não vamos fazer uma lei para determinado caso, para determinada pessoa ou para determinado objetivo. Tem que ser uma lei moderada.”
“Essas questões de tecnologia, elas avançam sempre muito rapidamente. E elas têm que ter uma parte estruturante, questões que possam ser travadas com, como faz o Conar [de autorregulamentação publicitária], que regula ali o básico e as coisas vão evoluindo dentro de um critério de razoabilidade.”
O presidente da Câmara afirmou ainda que o tema será analisado com o Senado para que o texto seja conciliado.
Além da reunião com os líderes da base, Orlando Silva também procurou partidos de oposição para debater o tema. Com o PT, segundo o líder do partido, Reginaldo Lopes (MG), houve discussão sobre a questão da rastreabilidade, a remuneração dos conteúdos jornalísticos, a transparência do algoritmo e a extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais.
O projeto de fake news foi aprovado por um grupo de trabalho em dezembro do ano passado. O texto determina que os provedores deverão nomear representantes legais no Brasil e fornecer informações sobre os mesmos em seus endereços na internet.
O Telegram não tem representante legal no Brasil, não responde a comunicações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e descumpre sistematicamente determinações do Ministério Público.
O aplicativo ignora há cerca de seis meses uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) para retirar do ar publicação de Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
A decisão, do ministro Alexandre de Moraes, deu-se no inquérito que apura a responsabilidade do presidente no vazamento de dados sigilosos de investigação sobre um ataque hacker à Justiça Eleitoral.
O caso expõe na prática a dificuldade das autoridades brasileiras em lidar com o Telegram, que está na mira do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Orlando Silva falou sobre os pontos polêmicos do projeto e defendeu, em caso de não haver convergência, que eles sejam definidos no voto.
“Defendo, por exemplo, que as big techs que atuam na área de comunicação sigam as mesmas regras das empresas de comunicação offline que atuam no Brasil, inclusive com as repercussões contratuais, tributárias e outras”, afirmou o representante do PC do B. “Há quem seja a favor, há quem seja contra. Defendo que definamos isso no voto.”
Um ponto muito polêmico, apontou o relator do PL, tem a ver com a moderação de conteúdo. Ele lembrou que Bolsonaro encaminhou um outro projeto de Lei ao Congresso cujo destino ainda está sendo avaliado pelo presidente da Câmara.
Pelo texto do Planalto, frisou Silva, a meta é impedir que haja qualquer moderação por parte das plataformas sob o argumento de que isso atentaria contra a liberdade de expressão.
“São tão poucas as hipóteses de moderação [no texto do Planalto] que, na prática, as plataformas ficariam impedidas de fazê-la. Essa é uma posição extrema. Outra posição extrema é a visão de que somente as plataformas poderiam fazer a moderação de conteúdo.”
O congressista explicou que a proposta aprovada pelo grupo de trabalho da Câmara prevê que as plataformas façam a moderação de conteúdo -rotular, ocultar ou mesmo retirar uma publicação- segundo regras determinadas pelo poder público.
O parlamentar disse que essa ideia foi importada da Alemanha, país que criou mecanismos para o enfrentamento ao discurso de ódio nas redes sociais.
“É a autorregulação regulada, que concebe a ideia de que as próprias plataformas façam o controle. Os termos de uso são um mecanismo e deve haver neles a previsão de combate à desinformação. Então, em parte, a responsabilidade estará nas mãos das próprias plataformas.”
É regulada, explicou ele, porque as empresas seguirão regras previstas na Constituição Federal, na nova lei, em caso de sua aprovação, e também em diretrizes formuladas pelo Comitê Gestor da Internet, a quem caberá acompanhar a autorregulação.
Questionado sobre a polêmica em torno do Telegram, Silva disse que a lei não será feita para um aplicativo em específico ou para uma situação especial, caso das eleições.
Explicou que o texto do Senado prevê que as empresas tenham sede no Brasil, o que, na visão dele, seria opção “mais dura porque ter sede envolve implicações jurídicas maiores”.
“Agora, não podemos dispensar que haja uma representação no Brasil. Tendo uma representação, haverá com quem as autoridades brasileiras fazer uma interlocução; se houver uma notificação judicial, será feita à representação legal; se houver notificação administrativa, também.”
Por Danielle Brant e Marcelo Rocha