Lira defende aprovação de projeto que congela ICMS antes de avançar em PEC dos combustíveis
Debate tem gerado divisão dentro do próprio governo e também no Congresso Nacional
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), defende a aprovação do projeto que congela a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis antes de o Congresso avançar na discussão da PEC (proposta de emenda à Constituição) que mexe nos tributos federais.
O debate sobre o rumo da PEC dos combustíveis tem gerado divisão dentro do próprio governo e também no Congresso Nacional.
Dois textos com alcances diferentes foram apresentados por parlamentares da Câmara e do Senado. Enquanto o primeiro foi redigido na Casa Civil, o segundo recebeu a assinatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A equipe econômica é contra as duas propostas e entrou em alerta com o risco de a versão encampada pelos senadores causar um impacto superior a R$ 100 bilhões.
“A gente deveria focar no texto do PLP 11, que a Câmara votou e está no Senado, para que a gente module o congelamento dos preços do ICMS em um valor que seja justo para a população”, disse Lira à reportagem. “Depois a gente segue numa discussão mais racional das PECs.”
O projeto de lei que trata do imposto estadual pode ser votado no próximo dia 15 no plenário do Senado, mas deve sofrer ajustes para evitar o congelamento do ICMS em patamar elevado. Nesse cenário, o texto precisará ser apreciado novamente pela Câmara.
A versão aprovada pelos deputados prevê uma cobrança fixa de ICMS por litro de combustível, cujo teto seria o valor obtido a partir da alíquota atual sobre a média de preços dos dois anos anteriores.
A ideia era captar os preços mais baixos praticados em 2019 e 2020. Com a virada do ano, porém, a redação adotada faz com que a base de cálculo seja a média de preços em 2020 e 2021, já mais elevada. Sem ajustes, o ganho para o consumidor seria pequeno ou nulo.
“O Senado poderia alterar o texto da Câmara para encontrar um delta (base de cálculo) mais confortável, o texto voltar e a gente manter no acordo”, disse Lira.
A aprovação do PLP que muda a cobrança do ICMS também é defendida pela equipe de Paulo Guedes, que acabou sendo atropelada na discussão das PECs.
O ministro da Economia até aceita zerar alíquotas de PIS/Cofins sobre o diesel para amenizar o impacto da alta do combustível no custo do frete e, consequentemente, no bolso dos consumidores. A medida custaria cerca de R$ 17 bilhões.
No entanto, a Economia foi atropelada pelas PECs mais amplas e ainda busca traçar uma estratégia que evite o colapso das contas públicas, enquanto outros integrantes do governo se dividem entre as propostas.
De um lado, ministros palacianos têm preferência pelo texto apresentado pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), que foi gestado na Casa Civil e permite a redução de alíquotas de tributos cobrados por União, estados e municípios sobre combustíveis como o diesel, gasolina e gás.
De outro, ministros da área política apoiam a proposta do senador Carlos Fávaro (PSD-MG), que não só desonera tributos, mas também permite criar um auxílio-diesel de R$ 1,2 mil mensais, ampliar o auxílio-gás para famílias que recebem o Auxílio Brasil (programa que substituiu o Bolsa Família, marca das gestões petistas) e repassar R$ 5 bilhões a prefeituras para evitar um tarifaço nas linhas de ônibus urbano.
A proposta do Senado foi apelidada de “PEC kamikaze” pela equipe econômica, devido ao dano potencial às contas públicas. A avaliação é que a deterioração levaria ao aumento do dólar e dos juros, anulando qualquer eventual benefício da iniciativa.
A PEC da Câmara, embora mais enxuta, também teria um impacto considerável: R$ 54 bilhões, podendo chegar a R$ 75 bilhões caso seja incluída a desoneração da energia elétrica.
Desde a divulgação dos números, o autor da PEC da Câmara tem buscado se afastar do selo de irresponsabilidade fiscal.
Áureo tem procurado bancadas de diferentes partidos para coletar as 171 assinaturas necessárias para a PEC tramitar na Casa. Nessas conversas, ele ressalta que, embora a autorização para cortar tributos seja ampla, o governo poderá escolher quais botões acionar, de acordo com o espaço nas contas.
Na prática, o Executivo poderia restringir a desoneração ao diesel, por exemplo –como era o desejo de Guedes.
Na Câmara, uma ala defende que as medidas de cortes de tributos se restrinjam ao diesel e ao gás de cozinha, para evitar que a piora dramática das contas públicas se volte contra os próprios consumidores.
Nesta terça-feira (8), o Banco Central deu um duro recado nessa direção. Sem mencionar diretamente a PEC dos combustíveis, a autoridade monetária alertou para o risco de políticas idealizadas para baixar preços no curto prazo acabarem gerando mais inflação.
“Mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação”, disse o BC na ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) que elevou a taxa básica de juros a 10,75% ao ano.
Entre parlamentares, ainda não há consenso sobre qual PEC –da Câmara ou do Senado– deve avançar primeiro, e há a percepção de que os textos podem sofrer modificações.
Embora a proposta dos senadores já tenha alcançado as assinaturas necessárias para tramitar, aliados do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avaliam que ele não vai apressar a discussão, sob pena de colocar sua digital em algo que pode receber o carimbo de bomba fiscal.
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), diz que a PEC apresentada por Fávaro ainda é recente e está sendo analisada pelos senadores.
“A informação é que o governo está apostando na PEC da Câmara”, diz ele, defendendo a adoção de alguma medida. “Não dá para estados, municípios e governo federal continuarem tendo recorde de arrecadação enquanto o preço dos combustíveis explode”, afirma.
Na Câmara, o líder do DEM, Efraim Filho (PB), afirma que os parlamentares querem aprovar uma medida que signifique redução no custo de vida para a população, mas o desafio é chegar ao “texto adequado”.
O deputado destaca que os parlamentares retornaram às suas bases no fim do ano e “ouviram a realidade” de seus eleitores. “É o preço da carne, do botijão, da energia. Essa realidade tem pesado e sensibilizado”, diz.
Segundo Efraim Filho, ainda há indefinição sobre qual PEC ganhará força. “Pode até surgir um terceiro texto, mais consensual”, afirma.
Por Idiana Tomazelli e Renato Machado