Governo rejeita restrição a voos no Santos Dumont, diz secretário

Governo estadual do Rio de Janeiro e a prefeitura carioca são favoráveis à concessão do aeroporto

O governo federal está aberto a novos ajustes no edital de concessão do aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro, mas rejeita adotar “restrições artificiais” a voos, afirma o secretário nacional de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann.

“Alguns ajustes podem ser feitos? Claro. Estamos abertos a contribuições, mas não existe um grande coelho na cartola”, diz.

O governo estadual do Rio de Janeiro e a prefeitura carioca são favoráveis à concessão do Santos Dumont, mas contestam o modelo de repasse à iniciativa privada.

Para líderes locais, um grande aumento na oferta de voos no terminal, após o leilão, poderia gerar uma competição predatória com o aeroporto internacional do Galeão, também localizado no Rio. Por isso, a avaliação é que seria necessário algum nível de restrições à ampliação do fluxo no Santos Dumont.

Em uma tentativa de acalmar os ânimos, o Ministério da Infraestrutura anunciou na segunda-feira (31) que o Santos Dumont será leiloado de maneira isolada, e não em um bloco com três terminais mineiros (Montes Claros, Uberlândia e Uberaba).

O aeroporto de Jacarepaguá (RJ) também faria parte do grupo, mas foi transferido para um novo lote, voltado à aviação executiva.

Segundo Glanzmann, o isolamento do Santos Dumont foi motivado por duas razões. A primeira atende a pedidos do Rio para a retirada dos aeroportos mineiros, já que o entendimento local era de que o Santos Dumont poderia ser prejudicado por carregar terminais menos atrativos, o que o governo federal contesta.

A segunda motivação tem viés jurídico. Ao separar o ativo que gera controvérsia, o governo tenta evitar que a tensão contamine o interesse privado pelos outros terminais que devem ir a leilão na sétima rodada de concessões aeroportuárias, prevista para o primeiro semestre deste ano.

Glanzmann reconhece o risco de judicialização no caso do Santos Dumont, mas sinaliza que o Ministério da Infraestrutura pretende resolver o imbróglio no grupo de trabalho criado neste mês para discutir o edital.

“Há uma estratégia de isolar o ativo que ficou mais estressado”, diz o secretário. Segundo ele, “no limite”, o que pode ocorrer é a sétima rodada de concessões aeroportuárias ser feita sem o Santos Dumont.

O fim das atividades do grupo de trabalho que avalia possíveis ajustes no modelo do aeroporto está previsto para 18 de fevereiro. O grupo começou as atividades com representantes do governo federal e do estado do Rio.

A prefeitura da capital fluminense, que disse ter sido excluída da fase inicial, passou a integrar os trabalhos nesta semana.

O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Rio, Chicão Bulhões, avalia que a concessão do Santos Dumont precisa ser desenhada olhando para o sistema multiaeroportos da cidade. Ou seja, para uma operação coordenada com o Galeão, e não predatória.

Segundo a prefeitura, isso não foi levado em conta pelo governo federal, que rebate a afirmação.

Bulhões avalia como positiva a separação do Santos Dumont no edital, mas acredita que é preciso ir além. “Isso é positivo, mas não vai adiantar nada sem ajuste na modelagem”, afirma.

Conforme Bulhões, os terminais cariocas já sofrem com problemas de regulação, que poderiam ser aprofundados após o leilão do Santos Dumont.

Na visão da prefeitura, a oferta de voos no terminal deveria ficar centrada, pelo menos inicialmente, em viagens de duração menor, como a ponte aérea com São Paulo e deslocamentos a Brasília. A medida ajudaria na retomada do Galeão, entende a administração municipal.

A sugestão encontra resistências no governo federal. De acordo com Glanzmann, um dos ajustes possíveis é alongar a fase para investimentos no Santos Dumont após a concessão, o que poderia dar mais tempo para a retomada do Galeão.

Rever a possibilidade de voos internacionais no aeroporto a ser leiloado é outra questão em análise, embora as limitações estruturais do terminal por si só já dificultem a atração dessas rotas, diz o secretário. Hoje, o Santos Dumont só opera voos nacionais.

Conforme Bulhões, a prefeitura do Rio também pretende superar divergências ao longo das atividades do grupo de trabalho, mas não descarta recorrer à Justiça caso não haja um acordo entre as partes.

Antes das mudanças nos blocos dos aeroportos que irão a leilão, a prefeitura carioca chegou a entrar com uma ação no TCU (Tribunal de Contas da União) para questionar o modelo do Santos Dumont.

A DISPUTA

Ao lado do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o terminal carioca é considerado uma das joias da coroa da sétima rodada de concessões aeroportuárias. O Ministério da Infraestrutura projeta investimentos na casa dos R$ 8,63 bilhões com o repasse dos 16 ativos em disputa.

Antes de anunciar o isolamento do Santos Dumont, os aeroportos seriam distribuídos em três lotes. Com a mudança, serão quatro.

O ministério também passou a prever quatro editais, um para cada bloco, em vez de apenas um documento. A medida busca evitar que a tensão envolvendo o Santos Dumont alcance os demais ativos.

Congonhas estava em um lote com Campo de Marte, também localizado na capital paulista, e terminais do Mato Grosso do Sul e do Pará. Com a separação do Santos Dumont, os aeródromos mineiros de Uberlândia, Uberaba e Montes Claros também passaram a fazer parte do bloco com a liderança paulista.

Campo de Marte, por sua vez, deixou o grupo e foi incorporado a um novo, voltado à aviação executiva. O novo lote tem ainda a presença de Jacarepaguá, que antes acompanhava o Santos Dumont.

O bloco de Congonhas conta com o maior investimento previsto: R$ 5,889 bilhões. O valor da outorga inicial –quantia mínima que deve ser oferecida pelos investidores para levar o grupo de ativos– é de R$ 255 milhões.

Já o Santos Dumont tem investimento previsto em R$ 1,3 bilhão. A outorga inicial é a mais elevada do leilão, fixada em R$ 731 milhões. O valor mais alto está relacionado ao fato de o aeroporto carioca não abrigar terminais com menos capacidade financeira, como é o caso de Congonhas.

O bloco de aviação executiva, constituído por Campo de Marte e Jacarepaguá, tem investimento estimado em R$ 560 milhões. A outorga inicial é de R$ 138 milhões.

O outro lote em disputa é denominado Norte II. Não houve alterações nesse grupo após a separação do Santos Dumont. Ele é formado pelos terminais de Belém (PA) e Macapá (AP). A previsão é de investimento de R$ 875 milhões, e a outorga inicial está em R$ 57 milhões.

Os contratos têm previsão de 30 anos.

OUTROS REFLEXOS

O impasse sobre o Santos Dumont não fica restrito ao governo federal e a representantes do Rio. Sinal disso é que concessionárias de aeroportos já sinalizaram preocupação com uma eventual proteção ao Galeão.

Companhias como a GRU Airport, que administra o aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos (SP), pediram para participar do grupo de trabalho, mas não puderam integrar as discussões devido à oposição de representantes do Rio.

Menos de 20 quilômetros separam o Santos Dumont do Galeão. Políticos e empresários fluminenses avaliam que o Santos Dumont tem potencial para atrair voos domésticos, mas sofre com limitações geográficas no centro do Rio.

O Galeão fica na Ilha do Governador, distante dos demais bairros da região metropolitana cuja ligação viária é a Linha Vermelha, local frequente de tiroteios. O terminal foi planejado para receber aeronaves de grande porte. Exerce papel relevante na logística de cargas no estado.

Por Leonardo Vieceli 

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