Governo oficializa mudanças na Rouanet e limita cachês de artistas a R$ 3.000
Isso significa uma diminuição de mais de 93% cachê permitido
O governo federal publicou no Diário Oficial da União desta terça-feira uma instrução normativa que oficializa um grande pacote de mudanças introduzidas na Lei Rouanet num decreto do meio do ano passado, como a inclusão de arte sacra no âmbito da lei.
Também foram contempladas na publicação desta terça novas medidas anunciadas anteriormente pelo Twitter do secretário de Fomento, André Porciuncula, a exemplo do limite de R$ 3.000 por apresentação, para artista ou modelo solo. Isso significa uma diminuição de mais de 93% no cachê que era permitido até então, de R$ 45 mil.
Segundo Porcincula, ex-PM que comanda a Rouanet na gestão de Mario Frias, o cachê de R$ 3.000 é “um valor excelente para artistas em início de carreira”, e “não haverá exceções para celebridades”.
Também ficaram definidos os cachês máximos de músicos -até R$ 3.500- e de maestros de orquestra -R$ 15 mil.
Produtores culturais reagiram à medida, afirmando que limitar os cachês é uma forma de castigar e desmerecer os artistas. Uma produtora com décadas de experiência que preferiu não ser identificada na reportagem afirma que R$ 3.000 é o que em geral um técnico recebe, não um músico. A Lei Rouanet não pode ser um mecanismo de nivelar por baixo, ela acrescenta, questionando se só músicos que cobrem até este valor poderão ser financiados pela lei.
A publicação da instrução normativa era esperada havia meses por produtores culturais e por gestores de grandes instituições culturais que usam verba incentivada pela Rouanet.
No decreto do ano passado, o governo incluiu arte sacra entre as áreas culturais no âmbito da lei, mas a arte sacra já podia receber verba incentivada anteriormente. O que a portaria e a instrução normativa fizeram é dar um enfoque maior à área.
Arte sacra é um gênero artístico, assim como arte erótica ou natureza-morta. Por isso, causou estranheza o fato de um gênero específico ganhar um segmento exclusivo, em vez da divisão se pautar por linguagens, como artes cênicas, música, audiovisual et cetera.
Outra ratificação desta terça foi a inclusão do termo belas artes entre as áreas destacadas para receberem incentivo, uma expressão que pesquisadores consideram datada e em desuso, além de não ser tão abrangente quanto o termo artes visuais, que inclui linguagens que vão de performance a gravura.
Há mais mudanças -a partir de agora, ações culturais realizadas por estados ou municípios com dinheiro da lei precisarão de aprovação prévia da pasta de Mario Frias. Isso pode atrapalhar os planos do governador João Doria, do PSDB, em relação à reinauguração do Museu do Ipiranga em setembro deste ano, dado que o governo federal quer para si os louros do projeto, devido às comemorações do bicentenário da independência do Brasil.
A ampliação do museu e a construção de seu novo anexo já captaram mais de R$ 86 milhões de reais -este é o projeto que mais recebeu verbas incentivadas na história da Rouanet. Também conhecida como Museu Paulista, a instituição tem telas e estátuas que contam a história de São Paulo com símbolos bandeirantes, caso de uma escultura de mármore que retrata Raposo Tavares e imagens de índios vistos como bárbaros ou submissos.
Poucas horas antes da publicação das novas medidas, o secretário especial da Cultura, Mario Frias, publicou uma foto em seu Twitter ao lado do presidente Jair Bolsonaro assinando o documento com as mudanças na Rouanet. Segundo ele, o mecanismo agora ficará mais justo e popular.
A instrução normativa também definiu limites de captação por projeto. O teto caiu de R$ 1 milhão para R$ 500 mil para os projetos de “tipicidade normal”, a exemplo do teatro não musical, que não poderá gastar mais de R$ 10 mil no aluguel do espaço da apresentação.
Exposições de artes e festivais, desfiles festivos e eventos literários podem captar até R$ 4 milhões.
Museus, projetos de bienais, óperas, teatro musical, concertos sinfônicos, projetos de internacionalização da cultura brasileira e eventos de datas comemorativas como Natal, Ano-Novo e Páscoa podem captar até R$ 6 milhões. O banco Santander, por exemplo, teve aprovado para captação R$ 5,9 milhões nesta semana, no projeto de um show cênico de Natal com a participação de bailarinos e crianças.
Outra alteração foi o prazo de captação, que caiu de 36 para 24 meses, já incluídas eventuais prorrogações. Cris Olivieri, advogada especializada em direitos culturais, afirma que dois anos é pouco tempo para a captação de um projeto, sobretudo na área de patrimônio -a exemplo da reforma de um museu ou da construção de um centro cultural. São “projetos maiores que precisam de muito tempo”, ela diz.
Ela também afirma que o teatro não musical “se lascou” com o teto de R$ 500 mil, pois esse dinheiro é pouco para produzir e viajar com um espetáculo.
Segundo o produtor cultural Danilo Cesar, integrante da Frente Ampla em Defesa da Cultura SP, a nova instrução normativa “precariza ainda mais a remuneração de projetos, artistas e produtores culturais em uma das principais leis de incentivo ao setor que movimenta de 3% a 4% do PIB nacional e mais de 6 milhões de trabalhadores”.
Ainda segundo ele, as novas medidas são “demagogia barata” por parte da Secretaria Especial da Cultura, visando a produção de memes para as milícias digitais pró-Bolsonaro ao invés de uma preocupação efetiva com o setor e os produtores culturais.
Por João Perassolo