Governo já decidiu furar o teto de gastos, só está decidindo como fará, diz vice da Câmara
Para Ramos, o ambiente político conturbado torna improvável a aprovação da PEC
O vice-presidente da Câmara, deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), disse nesta segunda-feira (23) que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) já decidiu furar o teto dos gastos -regra que limita o crescimento de despesas à variação da inflação no ano anterior- para acomodar a ampliação do programa Bolsa Família.
“A discussão já não é mais se vai [furar o teto], mas como o governo vai fazer isso”, afirmou.
Ramos participou, ao lado do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), da abertura de uma convenção organizada pelo Secovi-SP (sindicato da habitação) na capital paulista.
Uma proposta de emenda à Constituição elaborada pelo Ministério da Economia altera a regra de pagamento de precatórios, as dívidas judiciais da União. A intenção do governo é evitar o pagamento à vista de condenações superiores a R$ 455 mil.
Para Ramos, o ambiente político conturbado torna improvável a aprovação da PEC, que depende de 308 votos favoráveis. “Mas eu não tenho dúvidas de que, se não for a PEC dos Precatórios, algum outro recurso o governo vai encontrar para aumentar o programa de transferência de renda que é o Bolsa Família.”
O vice da Câmara defendeu ainda que o governo deveria “acreditar mais na capacidade do setor privado, dos empreendedores” de gerar empregos e reduzir a pressão sobre os programas sociais. Para ele, a gestão federal corre o risco de acabar como uma “soma zero” ao mexer no Bolsa Família. “Vão dar um aumento que será corroído pela inflação, por câmbio e pelos juros.”
Ramos disse também que o mercado -empresas e investidores- já começaram a refazer suas expectativas de crescimento para o ano que vem, em reação ao clima de instabilidade, que afasta investimentos.
“Precisamos resgatar a confiança. Tivemos a saída de US$ 44 bilhões em investimentos estrangeiros da economia do país. Precisamos estancar essa sangria. E não vai ser com crises institucionais, com ameaças de fechar o STF [Supremo Tribunal Federal], ameaça de desobedecer o STF, com gente dizendo que vai invadir a Câmara, que nós vamos dar a segurança necessária para investir no país”, afirmou.
A saída de capital estrangeiro foi citada também pelo anfitrião do encontro, o presidente do Secovi-SP, Basílio Jafet, para quem o país vive uma deterioração de sua imagem, “empoçando” investimentos à espera de condições menos voláteis.
Sem citar nominalmente a gestão Bolsonaro, Jafet disse que o governo foi eleito com uma “plataforma que se prometia liberalizante”, mas que gerou crises políticas de grandes proporções. “Não queremos tensionar ainda mais as instituições. O Brasil real quer trabalhar.”
Jafet também fez críticas ao texto da reforma do Imposto de Renda, em discussão na Câmara. Em julho, o presidente do Secovi-SP e outros empresários do setor de construção civil estiveram com o ministro Paulo Guedes, da Economia, de quem ouviram a promessa de uma melhor calibragem na tributação para pessoas jurídicas.
Marcelo Ramos, vice na Câmara, disse que a proposta em discussão tem “desequilíbrio enorme” e, sob pressão dos setores, ainda não tem uma forma final. “O relator vai mudando e você nem sabe o que chega ao final do dia.”
Para o presidente da Cosan, Luiz Henrique Guimarães, o Brasil precisa deixar o que chamou de “ciclo de instabilidade regulatória” para crescer. Ele defendeu a necessidade de o país fazer novas reformas, como a administrativa, privatizar mais e aproveitar seu potencial verde no mercado de carbono.
Para atrair o mercado de capitais -Guimarães é presidente da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas)-, o executivo defendeu a necessidade de reformar e simplificar o sistema tributário.
“Todos gastamos um tempo enorme com planejamento tributário e temos que lidar com um contencioso enorme.”
O projeto de lei que mexe no Imposto de Renda foi alvo de críticas também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Uma reforma ampla, disse, já tinha sido materializada na PEC 110, em discussão na casa legislativa há mais de um ano.
“Projetos de lei, a essa altura, que não desburocratizam [o sistema] nem reduzem impostos, não podem ser chamados de reforma”, disse.
Texto: FERNANDA BRIGATTI