Governistas manobram, e PEC do voto impresso ganha sobrevida em comissão da Câmara

A principal estratégia do presidente é questionar a segurança das urnas eletrônicas

DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Bandeira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o voto impresso ganhou sobrevida nesta sexta-feira (16) na comissão especial da Câmara dos Deputados responsável por analisar o mérito da proposta.

Com apoio do presidente da comissão, o governista Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), o bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR) recuou e pediu mais tempo para reformular seu parecer e, supostamente, contemplar sugestões de deputados contrários a seu relatório, que é favorável à impressão em papel de comprovante do voto dado na urna eletrônica.

De acordo com o regimento da Câmara, após a leitura do parecer, o que ocorreu em 28 de junho, e depois do pedido de vista conjunta, o texto poderia ser submetido a discussão. Depois dessa etapa, o relator teve direito à réplica por 20 minutos. Discussão e réplica ocorreram em 5 de julho. A partir daí, o parecer já poderia ser votado.

A decisão de Martins, portanto, viola o regimento da Câmara, pois não haveria mais possibilidade de apresentação de novo parecer, argumentam deputados contrários ao texto.

“A base governista deu um golpe e encerrou a reunião da comissão especial que discutia o voto impresso hoje na Câmara dos Deputados. Além de todo o autoritarismo e desrespeito aos parlamentares, a extrema direita fez uma molecagem sem tamanho. Eles sabiam que iam perder e resolveram acabar a deliberação no tapetão\”, critica a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

“Práticas assim são péssimas para as liberdades democráticas e encaminham nosso país para cada vez mais próximo do obscurantismo. O PSOL e a oposição no Congresso Nacional já estudam como reverter esta situação absurda.”

Deputados contrários pressionaram pela realização de nova reunião ainda nesta sexta-feira, mas Martins não acatou o pedido. Em uma rede social, ele escreveu que, em “acordo com os membros da Comissão da PEC 135, tanto de oposição quanto de situação, firmamos que votaremos o parecer no dia 05/08, impreterivelmente. É o meu compromisso.”

Foi mais uma manobra de aliados do presidente Jair Bolsonaro para boicotar a reunião desta sexta-feira, marcada por autoconvocação pela maioria do colegiado. Eles tomaram a decisão após Martins suspender o encontro marcado para quinta-feira (15) e adiar a deliberação para agosto.

Mesmo que avance nessa comissão, para aprovar uma PEC, são necessários ao menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em votação em dois turnos. Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro.

Ou seja, ainda que bolsonaristas e outros defensores da medida votem a favor da PEC em plenário, a proposta, hoje, teria poucas chances de passar.
Na madrugada desta sexta, em um último esforço, os bolsonaristas ainda tentaram impedir a realização da reunião, ao apresentar um requerimento no plenário da Câmara dos Deputados para proibir a realização de sessões de comissões especiais entre 16 e 20 de julho.

A proposta foi apresentada pelo deputado Cacá Leão (PP-BA), mas não obteve quórum mínimo para ser validada -foram contabilizados 255 votos, dois a menos que o mínimo de 257 exigido.

Com a expectativa de uma derrota na comissão especial, os bolsonaristas tentaram obstruir a reunião, mas sofreram uma série de reveses. O pedido de inversão de alteração da ordem dos trabalhos, para acelerar a votação do parecer, foi aprovado por 19 votos a 10.
A seguir, os governistas tentaram adiar a votação, apresentando requerimento de retirada de pauta. Foram derrotados por 22 votos a 12. Apenas PSL, Republicanos, PTB, Novo e Podemos votaram favoravelmente à medida.

Em uma instabilidade incomum, o encontro desta sexta-feira foi marcado por várias interrupções na videoconferência. Deputados da oposição, como Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Ivan Valente (PSOL-SP), ironizaram e disseram que nunca viram tantas quedas em uma reunião virtual.

Em resposta, o presidente da comissão informou que o sistema estava sendo invadido por uma pessoa que conseguiu a senha, mas que o autor havia sido identificado e o problema, resolvido. Ainda para adiar a votação, deu espaço para que o relator se pronunciasse.
Para evitar uma derrota, Barros disse, então, que pretendia rever seu parecer, com base nos apontamentos do voto em separado do PT e em reuniões com especialistas.

“Eu concedo o prazo o relator fazer a revisão do seu texto até a próxima sessão ordinária. Essa não é uma prerrogativa do presidente, é uma prerrogativa do relator”, afirmou Martins. Com isso, a votação deve ocorrer só em agosto, na volta do recesso parlamentar.

O desgaste com o tema ocorreu após uma escalada das ameaças do presidente Bolsonaro contra as eleições de 2022.
“Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, declarou Bolsonaro a apoiadores no dia 8, em frente ao Palácio da Alvorada.

Bolsonaro tem feito recorrentes afirmações falsas sobre as eleições no Brasil, com acusações infundadas de que pleitos passados foram fraudados e que ele só será derrotado em 2022 caso haja irregularidade semelhante – pesquisas recentes apontam o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A principal estratégia do presidente é questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.

O próprio Bolsonaro foi eleito para o Legislativo usando o sistema em diferentes ocasiões, assim como venceu o pleito para o Palácio do Planalto em 2018 da mesma forma.

No final de junho, 11 partidos discutiram o sistema eleitoral e se colocaram contra a proposta de mudança para voto impresso. Estiveram presentes os presidentes do PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante.

Em seu relatório inicial, Barros sugeria que os registros impressos de voto tivessem mecanismos tecnológicos que assegurem sua autenticidade. Os votos deverão ser conferidos pelo eleitor e depositados, “de forma automática e sem contato manual, nas urnas indevassáveis.”

Para evitar o risco de identificação dos votos pela configuração das escolhas no conjunto de cargos, o parecer dizia que os votos impressos devem ser depositados na urna de forma separada para cada cargo.

O deputado aborda o impacto orçamentário da adoção da medida, estimado por Barroso em R$ 2 bilhões. Ele defende que a implementação gradual do voto impresso possibilitará a diluição desse custo em três anos, para uma média de R$ 660 milhões anuais.

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