Gonet escala equipe de procuradores com atuação no mensalão e na Lava Jato
Gonet afirmou em seu discurso inaugural que o momento é de "reviver na instituição os altos valores constitucionais" e que o órgão deve estar atento aos limites da sua atuação
O novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, escolheu para atuar em seu gabinete nomes do MPF (Ministério Público Federal) com histórico de atuação em ações de combate à corrupção envolvendo políticos, em especial nos casos do mensalão e da Lava Jato.
As escolhas foram anunciadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) poucas horas depois da participação de Lula (PT) na posse de Gonet, ocasião em que o presidente mandou recados à instituição que à época da Lava Jato conduziu as acusações que o levaram à prisão.
Lula criticou acusações levianas, defendeu políticos e pediu ao escolhido que não permita que denúncias sejam publicizadas antes de se provar a veracidade delas, em uma cobrança para que o modelo da Lava Jato não fosse repetido.
Gonet afirmou em seu discurso inaugural que o momento é de “reviver na instituição os altos valores constitucionais” e que o órgão deve estar atento aos limites da sua atuação. Também afirmou que o Ministério Público não busca “palco nem holofote” e deve agir tecnicamente.
O procurador Alexandre Espinosa foi designado para desempenhar o posto de vice-procurador-geral eleitoral, função ocupada até poucos dias atrás pelo próprio Gonet.
Espinosa auxiliou os ex-PGRs Antonio Fernando de Souza e Raquel Dodge nas investigações tanto do mensalão como da Lava Jato, respectivamente. Ambos os casos atingiram líderes do PT e de partidos aliados.
Ele também representou o MPF junto às CPIs criadas para apurar o mensalão, esquema de compra de votos no Congresso durante o primeiro mandato de Lula e que foi julgado no STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.
Outro nome da equipe do novo chefe da Procuradoria é Raquel Branquinho, também responsável por apurações do mensalão e de propina envolvendo diretores dos Correios. Ela foi escolhida por Gonet para o cargo de diretora-geral da ESPMU (Escola Superior do Ministério Público da União).
Com Michel Temer (MDB) no Palácio do Planalto, Branquinho auxiliou Dodge em matéria penal junto ao STF. O então mandatário foi alvo de denúncias sob a suspeita de envolvimento com esquema de corrupção atribuído pelo MPF aos irmãos Joesley e Wesley Batista, do conglomerado J&F.
A Secretaria de Cooperação Internacional terá Anamara Osório no comando. Ela foi coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo.
Com uma trajetória jurídica e acadêmica dedicada ao direito constitucional e direitos fundamentais, Gonet vinha oferecendo poucas pistas sobre suas opiniões na área criminal. Os nomes selecionados pelo novo chefe do MPF indicam que ele quer se cercar de profissionais que ampla experiência justamente nessa área.
Procurada pela Folha de S.Paulo, a PGR informou nesta terça-feira (19) que o novo procurador-geral avalia como pretende estruturar seu gabinete para cuidar de matéria penal. Compete ao ocupante do cargo investigar e denunciar políticos com foro no STF, incluindo o presidente da República.
Gonet escolheu como vice-procurador-geral, o número 2 da instituição, Hindemburgo Chateaubriand Filho.
Em 2019, diálogos no aplicativo Telegram obtidos pelo site The Intercept Brasil e analisados em conjunto com a Folha de S.Paulo mostraram que Chateaubriand, quando era corregedor-geral do MPF, criticou informalmente a conduta do então procurador Deltan Dallagnol na divulgação de palestra sobre a Lava Jato, ressaltando a gravidade da situação, mas deixou de abrir apuração oficial sobre o caso.
A gestão anterior na PGR, sob o comando de Augusto Aras, teve uma imagem amplamente difundida de leniência com abusos antidemocráticos de Jair Bolsonaro (PL) e com a resposta errática do ex-presidente à pandemia da Covid-19.
Aras delegou a colegas a responsabilidade pela área criminal junto ao Supremo e, sob cobranças e críticas de omissão, citava a independência funcional de seus designados para dizer que não poderia ser imputada a ele a falta de apurações.
Além das investigações que tramitam no STF contra políticos, há também as apurações relacionadas aos ataques do 8 de janeiro, incluindo as autoridades suspeitas de omissão, como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a PGR avalia ter elementos para denunciar Bolsonaro por incitação ao crime em decorrência dos ataques golpistas às sedes dos três Poderes.
Faltava uma prova que a Meta, dona do Facebook, afirmou não ter mais disponível. Trata-se de um vídeo produzido por terceiro -e publicado por Bolsonaro em seu perfil dois dias após os atos- em que o autor questionava a lisura das urnas eletrônicas. O ex-presidente apagou o conteúdo pouco depois. A Procuradoria afirmou nesta semana que recuperou o material.
Coordenador do grupo criado por Aras para identificar e responsabilizar os responsáveis pela invasão e depredação às sedes dos três Poderes, Carlos Frederico Santos pediu seu desligamento da função. Gonet agora avalia não delegar essa função a um subordinado para concentrar esses procedimentos criminais em seu gabinete.
As apurações que correm no STF sobre o 8 de janeiro estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, um dos fiadores do nome de Gonet.
Na semana passada, os dois trocaram elogios em sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O novo chefe do MPF afirmou que a atuação do magistrado servirá de guia para a condução do órgão que chefiará pelos próximos dois anos.
“Se eu tenho uma boa experiência para me servir de guia na Procuradoria-Geral da República, eu recebi essa experiência daqui, da Justiça Eleitoral, especialmente de vossa excelência, ministro-presidente [Moraes]”, afirmou Gonet em sessão do TSE.
Na seara administrativa, Gonet decidiu manter Eliane Torelly à frente da Secretaria-Geral da União. Ela já desempenhava a função na gestão Aras, o que sinaliza que a nova cúpula pretende dar continuidade à gestão interna.
Criticado por seus pares, inclusive com manifestações públicas, por abdicar do papel de investigar as autoridades, o ex-procurador-geral agradou internamente ao abrir espaço no orçamento da instituição para pagar adicionais devidos à categoria, inclusive durante a pandemia.
A gestão Aras ampliou a despesa com o pagamento de verbas indenizatórias, como mostrou a Folha de S.Paulo. São penduricalhos não sujeitos a teto constitucional.
Foram quase três meses entre o término do mandato de Aras, concluído no final de setembro, e a posse de Gonet, no início da semana. No período, a PGR foi conduzida por Elizeta Ramos, que assumiu o posto por ser vice-presidente do Conselho Superior do MPF.
Por Marcelo Rocha