Facebook dará transparência a anúncios sobre racismo e armas 2 meses antes de eleição
A regra passará a valer a menos de dois meses do período em que se inicia a campanha eleitoral, em 16 de agosto
Anúncios eleitorais e políticos no Facebook passaram a estar sob mais escrutínio público no Brasil em 2018, quando a empresa lançou uma biblioteca online reunindo as propagandas com informações sobre valor investido e alcance, além dos rótulos “pago por” e “propaganda eleitoral”.
Quase quatro anos depois, a empresa ampliou a medida, incluindo, além de política e eleições, temas sociais.
Com isso, a partir do final do próximo mês de junho, usuários de Facebook e Instagram que queiram impulsionar postagens sobre tais temas precisarão confirmar sua identidade e comprovar sua localização, que ficam então disponíveis na biblioteca.
A regra passará a valer a menos de dois meses do período em que se inicia a campanha eleitoral, em 16 de agosto.
Entre os temas que passarão a ter mais exigências no Brasil estão direitos civis e sociais, crime, armas, economia, educação, política ambiental, saúde, imigração, segurança e política externa, além de valores políticos e governança.
Um dos problemas na política de transparência, segundo pesquisadores, é entender os critérios para que um anúncio seja considerado político ou eleitoral pela empresa. Agora, tal dúvida se estenderá às publicações sobre temas sociais.
Nos Estados Unidos, o Facebook exige desde 2018 a transparência de anúncios sobre temas. Esses anúncios foram uma das principais armas da campanha de desinformação russa na eleição dos EUA de 2016.
Naquele ano, a Internet Research Agency, ligada ao Kremlin, comprou milhões de anúncios no Facebook e no Instagram sobre questões controversas como imigração, racismo, criminalidade e polícia.
Em muitos anúncios, os russos fingiam ser americanos. O objetivo era estimular divisão e causar instabilidade na sociedade americana.
Por exemplo, alguns anúncios convocavam para protestos contra a violência policial contra negros, e, outros, estimulavam a defesa de policiais. Em nenhum deles ficava claro quem estava pagando pelos anúncios e que público eles haviam alcançado.
Segundo a Meta, a empresa exige transparência sobre anúncios de temas sociais e políticos porque eles “podem influenciar opiniões públicas, o voto das pessoas e o resultado de uma eleição ou legislação”.
Na época, a empresa fez um mea culpa.
“Sabemos que demoramos para compreender as interferências externas nas eleições nos Estados Unidos em 2016. As atualizações de hoje são pensadas para evitar abusos futuros em eleições -e também para ajudar a garantir que você tenha as informações necessárias para avaliar anúncios políticos e anúncios sobre temas de relevância nacional.”
Conforme consta no site da empresa, regras de maior transparência e exigência de autorização já estão em vigor, além dos EUA, em países da União Europeia e outros como Austrália, Canadá, Chile, Índia, México, Mianmar, Nova Zelândia, Singapura, Taiwan e Reino Unido.
Segundo Debs Delbart, gerente de programas de resposta estratégica da Meta América Latina, o motivo para as regras de transparência só estrearem no Brasil no fim de junho é a complexidade envolvida na tarefa de aumentar a transparência.
“O que a gente faz? A gente vai lançando em países e vai testando e incorporando esses aprendizados para lançar em mais países.”
Nas Filipinas, as novas regras começaram pouco antes da eleição presidencial deste ano, que ocorreu em 9 de maio.
Já os anúncios que têm como foco principal a venda de um produto ou a promoção de um serviço ligado a temas sociais podem não exigir autorizações e um rótulo.
Nos Estados Unidos, a Meta proibiu anúncios sobre temas sociais e políticos logo após a eleição presidencial de 2020, em 3 de novembro, até o início de março de 2021, “com o objetivo de evitar confusão ou abuso depois do Dia da Eleição”.
Entre os anúncios proibidos pela empresa estavam aqueles que “deslegitimam qualquer método ou processo legal de votação ou tabulação de votação (incluindo votação pessoal em papel ou em máquinas”, os que afirmam que a eleição ou resultado foi “fraudulento” ou que alegam fraudes eleitorais.
No Brasil, a Meta ainda não se comprometeu a proibir os anúncios que tenham alegações infundadas de fraude eleitoral durante e após a eleição.
De acordo com a plataforma, conteúdos marcados como falsos por veículos de checagem parceiros da Meta não podem ser impulsionados.
Também afirma que anúncios podem ser verificados dentro do escopo da parceria. Um ponto geralmente criticado, no entanto, é que publicações de políticos não fazem parte do rol do que pode ser checado e marcado como enganoso.
Além disso, as regras de Facebook e Instagram preveem itens que podem ser removidos pelas empresas, entre eles estão informações incorretas sobre as eleições, como datas e horários, bem como postagens com apelo à violência eleitoral.
Não há regras claras, contudo, envolvendo postagens que aleguem fraudes sem comprovação ou que se recusem a aceitar o resultado eleitoral.
Com as novas regras, pode haver maior transparência sobre aqueles que estiverem financiando tais temas para atingirem um público maior.
De acordo com Delbart, posts sobre fraude eleitoral ou sobre urnas que não se encaixem nos critérios de anúncio político podem no guarda-chuva de temas sociais, no item “valores políticos e governança”.
Seguindo o procedimento da empresa, o próprio anunciante faz uma autodeclaração sobre se a postagem corresponde ou não a temas políticos, e futuramente, temas sociais. Paralelamente, a Meta afirma utilizar inteligência artificial para fazer essa identificação daquilo que pode não ter sido declarado.
“É hora de todos nós levantarmos e exigirmos direitos iguais para as mulheres” e “Como podemos lidar com o racismo sistêmicos” são exemplos de frases que, segundo a empresa se enquadrariam como temas sociais.
Por outro lado, não se enquadraria uma postagem na seguinte linha: “Em breve: um painel para discutir a evolução histórica do movimento pelos direitos dos negros no Brasil”.
Há também uma série de lacunas no que é disponibilizado atualmente. Não é possível saber, por exemplo, o público-alvo que cada um dos anúncios busca atingir.
A ferramenta permite saber apenas informações sobre a idade, o gênero e estado em que moram as pessoas que foram efetivamente alcançadas pelo post.
O ponto é relevante pois a internet e, em especial, as redes sociais permitiram às campanhas políticas procurar atingir grupos específicos com conteúdos personalizados para cada segmento de audiência. De acordo com a Meta, os usuários podem optar por não receber anúncios políticos.
Além disso, seguem não sendo informados o valor total investido por anúncio ou o total de pessoas alcançadas, o que permitiria análises mais precisas por pesquisadores que se debruçam sobre os dados. A plataforma informa apenas o total investido em anúncios por página.
Por PATRÍCIA CAMPOS MELLO E RENATA GALF