Exército mudou status militar de Bolsonaro para permitir matrícula da filha

Presidente foi tratado como capitão da reserva; Força diz que direitos permanecem inalterados

O Exército tratou Jair Bolsonaro como capitão da reserva, e não como capitão reformado, para permitir a matrícula excepcional da filha do presidente no Colégio Militar de Brasília. Laura Bolsonaro, 11, ingressará na unidade de ensino, sem processo seletivo, no ano letivo de 2022.

Um militar da reserva pode, em tese, ser chamado para missões nas Forças Armadas. A reforma, por sua vez, significa uma aposentadoria, e ocorre por fatores como idade ou invalidez.

As fichas de remuneração dos militares, disponíveis no portal da transparência do governo federal, fazem uma distinção clara entre quem está na ativa, na reserva ou foi reformado.

Bolsonaro é um capitão reformado, como consta em sua ficha de remuneração. Boletins internos do Exército também tratam o presidente como capitão reformado.

O processo que envolve a matrícula excepcional da menina foi colocado em sigilo pelo Exército até o fim do mandato do presidente –ou até o fim de um eventual segundo mandato, caso ele se candidate e consiga a reeleição. A Força, no entanto, encaminhou à Folha as razões básicas levadas em conta para a concessão do benefício à filha de Bolsonaro, em uma resposta via LAI (Lei de Acesso à Informação).

O Exército afirmou que “foram satisfeitas as condições estabelecidas” na legislação vigente, “considerando que o requerente é capitão da reserva do Exército brasileiro, foi diplomado e empossado como presidente da República do Brasil, tendo fixado residência na cidade de Brasília”.

As duas portarias que definem as regras para ingresso nos colégios militares do Exército não fazem menção explícita a dependentes de militares reformados como Bolsonaro.

Em nota, o Exército confirmou que o presidente é um militar reformado. Segundo a Força, os direitos de um militar da reserva, quando reformado por limite de idade, permanecem inalterados, conforme o Estatuto dos Militares.

“A condição de militar da reserva ou reformado em nada altera os direitos previstos no Regulamento dos Colégios Militares (R-69)”, afirmou.

O regulamento dos colégios, chamado R-69, estabelece condições especiais para ingresso de dependentes de militares sem participação no processo seletivo. É uma portaria de 2008, que cita possibilidades de ingresso de “órfão filho de militar de carreira ou da reserva remunerada do Exército” e de dependente de militares da carreira em situações específicas.

Entre essas situações está mudança de sede, missão no exterior e transferência para a “reserva remunerada, uma vez comprovadas a mudança de sede e a fixação de residência em localidade assistida por colégio militar”.

Bolsonaro foi para a reserva em 1988, ano em que foi eleito para seu primeiro cargo público: vereador na cidade do Rio de Janeiro. Desde então, ele virou um político profissional, com sete mandatos consecutivos de deputado federal, sem atuação militar. A mudança de reserva para reforma só viria a ocorrer décadas depois.

Outra possibilidade prevista no R-69 abrange “dependente de militar de carreira ou da reserva remunerada do Exército, se o responsável for reformado por invalidez, nos termos do Estatuto dos Militares”. Bolsonaro não foi reformado por invalidez, mas por idade.

Entre documentos a serem apresentados para requerimento de matrícula está a “folha do Diário Oficial da União que publicou a transferência para a reserva remunerada, se for o caso”, conforme portaria de 2018 que estabeleceu regulamentação de normas de matrícula e transferência no sistema de colégios militares.

As duas portarias foram citadas pelo Exército para autorizar a matrícula excepcional da filha do presidente.

A Força levou em conta ainda o fato de o presidente ser o comandante supremo das Forças Armadas, como estabelecido na Constituição, e a “garantia da patente em toda a sua plenitude”, prevista no Estatuto dos Militares, uma lei de 1980.

Por fim, a decisão favorável ao ingresso no colégio sem processo seletivo usou o artigo 92 do R-69, que estabelece que casos considerados especiais poderão ser julgados pelo comandante do Exército. A decisão favorável ao pedido do presidente foi proferida pelo comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

O mesmo artigo foi usado pelo antecessor de Oliveira, general Edson Leal Pujol, para autorizar matrícula excepcional do filho da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) no Colégio Militar de Brasília. O menino de 11 anos foi matriculado em 2020, sem processo seletivo, para cursar o sexto ano.

Zambelli, uma das principais aliadas de Bolsonaro na Câmara, argumentou questões de segurança para pedir a benesse ao comando do Exército.

A Força usou o mesmo argumento para decretar sigilo no processo referente à filha do presidente. Bolsonaro e Laura correm riscos se documentos que integram o processo vierem a público, afirmou o Exército em resposta a pedido da Folha, via LAI, para obtenção desses documentos. A entrega dos documentos foi negada pela Força.

Vagas em colégios militares são abertas por processo seletivo e são preenchidas mediante um rigoroso concurso, que inclui provas de matemática, português e redação, além da necessidade de apresentação de uma bateria de exames médicos e de uma “biografia” dos meninos e meninas cujos pais estão interessados no ensino militar.

O exame intelectual consiste em 12 questões de matemática, 12 de língua portuguesa e uma redação de 15 a 30 linhas.

Já os exames médicos, para os classificados, incluem: radiografia do tórax, glicose, hemograma completo, sumário de urina, parasitologia de fezes, eletrocardiograma e exame clínico e odontológico. A biografia consiste na análise do histórico escolar.

Neste ano, o Colégio Militar de Brasília abriu para disputa apenas 15 vagas para o sexto ano do ensino fundamental. A concorrência costuma superar 50 meninos e meninas disputando uma vaga. A filha de Bolsonaro terá uma matrícula expressa.

Por Vinícius Sassine

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