Ex-deputado usa cachês de igreja para negar acusação de ‘rachadinha’
Omissão foi usada para explicar parte do patrimônio considerado sem origem conhecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro
O ex-deputado Márcio Pacheco afirmou à Justiça que não declarou para a Receita Federal o valor de R$ 100,5 mil que disse ter recebido em dinheiro de instituições religiosas por shows gospels realizados em 2015 e 2016.
A omissão foi usada para explicar parte do patrimônio considerado sem origem conhecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na denúncia contra ele sob acusação de comandar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa.
A informação consta na resposta à acusação da defesa de Pacheco apresentada em agosto de 2020. A denúncia, oferecida em junho daquele ano, até hoje não foi analisada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça.
Ele foi o primeiro deputado a ser denunciado pelo Ministério Público estadual no caso das “rachadinhas”. A apuração foi originada no mesmo relatório do Coaf (órgão federal) que identificou as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Pacheco deixou a Assembleia em junho deste ano para assumir o cargo de conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), após uma disputa em que contou com apoio do governador Cláudio Castro (PL), seu ex-chefe de gabinete.
O agora conselheiro é acusado pelo MP-RJ de desviar R$ 1 milhão dos cofres da Assembleia, ao se apropriar de salário de ex-assessores para o pagamento de despesas pessoais.
De acordo com a denúncia, o ex-chefe do gabinete do ex-deputado, André Santolia, usou o dinheiro que recolhia para quitar parcelas de imóvel, aluguel, cotas de condomínio, mensalidades escolares e seguro de carro de Pacheco.
Os procuradores responsáveis pela denúncia afirmam ainda que as declarações de imposto de renda do ex-deputado dos anos de 2015, 2016 e 2017 apresentam um aumento patrimonial de quase R$ 700 mil sem lastro nos rendimentos informados à Receita Federal.
À Justiça o ex-deputado negou as acusações do MP-RJ. Ele afirma que a quebra de sigilo bancário e fiscal não identificou qualquer movimentação suspeita em sua conta, motivo pelo qual não deveria responder ao processo.
Para explicar o patrimônio considerado a descoberto pelo MP-RJ, o agora conselheiro do TCE-RJ afirma que os procuradores não consideraram o fato de ele ser casado em comunhão de bens. A defesa afirma que isso reduziria à metade a variação sem origem conhecida.
Ele também afirma que não era responsável pelo pagamento do aluguel cujo contrato estava em seu nome. O ex-deputado disse que o real morador do apartamento é um amigo advogado.
Por fim, o ex-deputado afirma que não declarou à Receita uma renda de R$ 100,5 mil auferida em shows feitos para instituições religiosas.
“Em razão da maioria dos eventos serem pagos por instituições religiosas, com imunidade tributária –e em espécie, logo após seu término– seu contador não realizava tais lançamentos nas DIRPFs [declarações de imposto de renda], ao que restaram omitidos R$ 35.200,00 de rendimentos com essa atividade no ano-calendário 2015; e R$ 65.350,00, no ano-calendário 2016”, afirmou a defesa de Pacheco.
“Inclusive, este denunciado já se preparava para realizar a retificação das respectivas declarações antes de ser surpreendido pelo oferecimento da denúncia, tendo preferido apresentar esta resposta preliminar, com todos os fatos, provas e argumentos, para que o órgão ministerial não questione futuramente como ato de simulação.”
A carreira de sucesso como cantor gospel ocupa 10 das 41 páginas da defesa preliminar do ex-deputado. Ele também anexou um relatório de 420 páginas descrevendo sua agenda como artista religioso.
Pacheco é egresso da Renovação Carismática, movimento da Igreja Católica que adotou elementos de cultos evangélicos, como o show gospel. Na peça apresentada à Justiça, ele se queixou da queda brusca de apresentações desde a divulgação do envolvimento de seu nome no caso das “rachadinhas”.
“Como se percebe, após dezembro/2018, momento em que informações do inquérito foram vazadas para a imprensa, o denunciado teve reduzida em 96% sua participação em eventos, no ano de 2019; e 100%, no ano de 2020”, afirma a defesa.
“Além do prejuízo financeiro, o denunciado também é vítima de prejuízo moral inconteste, visto que após a publicização da investigação sigilosa, a quase totalidade das paróquias deixaram de contatá-lo, ao ponto de que um único padre manifestou pesar pelo falecimento de sua mãe que, inclusive, teve uma crise e foi internada justamente no dia em que a denúncia oferecida pelo Parquet foi vazada para a imprensa.”
De acordo com gráfico apresentado por Pacheco, os anos em que ele mais participou de eventos foram 2018 (101) e 2014 (87), ambos período de eleição. Em 2015, após ser reeleito deputado, o número de shows caiu para 28, tendo subido para 57 no ano seguinte e 65 em 2017.
Em 2019, após a divulgação dos dados do relatório do Coaf, foram apenas 4 apresentações, segundo a defesa de Pacheco.
Foi no movimento da Renovação Carismática que Pacheco conheceu o atual governador. Castro trabalhou com o ex-deputado por 12 anos até ser eleito vereador em 2016. O governador não foi investigado no caso e seu nome não é mencionado no relatório do Coaf que levou à abertura da apuração.
Procurado para comentar as informações da resposta à acusação, a defesa e a assessoria do conselheiro do TCE-RJ não se pronunciaram.
Por Italo Nogueira