Diretor autorizou R$ 1,6 bi para Covaxin apesar de pendências
Dias destravou o dinheiro em 22 de fevereiro deste ano, em um momento em que faltavam documentos básicos para o negócio, como contrato e regularidade fiscal na Índia
O diretor do Ministério da Saúde demitido após relato de que fez pedido de propina foi o responsável por aprovar e autorizar a reserva de R$ 1,61 bilhão para o pagamento pela vacina Covaxin. Roberto Ferreira Dias destravou o dinheiro em 22 de fevereiro deste ano, em um momento em que faltavam documentos básicos para o negócio, como contrato e regularidade fiscal na Índia.
Dias ocupou o cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde desde o início do governo Jair Bolsonaro (sem partido). Ele chegou à função em 8 de janeiro de 2019, por indicação atribuída ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. O congressista nega.
O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na terça (29) que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que Dias cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro. Dias foi exonerado do cargo. A demissão foi publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (30).
Ele mesmo foi citado pelo servidor Luis Ricardo Miranda, chefe de importação no ministério, como um dos responsáveis pela pressão atípica para liberar a Covaxin. Irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que era Dias que dava as cartas dentro do ministério. “Nada ali acontece se o Roberto não quiser”, disse.
Dias nega tanto ter pedido propina por vacinas quanto ter feito pressão indevida sobre o servidor da Saúde. Novos documentos obtidos pela reportagem mostram que foi o então diretor do Departamento de Logística o responsável por garantir a reserva de R$ 1,61 bilhão para pagar por 20 milhões de doses da vacina Covaxin, antes mesmo da assinatura do contrato e com pendências básicas no curso da negociação.
Um despacho de Dias, às 18h57 de 22 de fevereiro, confirmou a dispensa de licitação para a contratação da empresa indiana Bharat Biotech, com representação no Brasil feita pela Precisa Medicamentos, que assina o contrato. O mesmo despacho autorizou a emissão da nota de empenho “em favor da Bharat Biotech, representada pela empresa Precisa”.
A nota de empenho é a autorização do gasto. O documento reservou o valor integral previsto em contrato, R$ 1,61 bilhão, não pode ser usado com outra finalidade. Dias também assinou o documento com aprovação da nota de empenho, no mesmo dia 22 de fevereiro. O despacho referente à aprovação encaminhou a nota para assinatura pelo ordenador de despesas no Ministério da Saúde.
O Departamento de Logística em Saúde (a sigla é DLOG) aparece como emissor da nota de empenho, incluída no sistema às 17h41 de 22 de fevereiro. A favorecida, conforme o documento, é a Precisa.
Enquanto a reserva do dinheiro era providenciada, representantes da empresa eram comunicados sobre pendências básicas para a assinatura do contrato. Não havia no processo, naquele momento, documento que comprovasse a regularidade fiscal da Bharat Biotech na Índia. Nem mesmo o documento equivalente ao CNPJ havia sido providenciado, segundo um aviso da área técnica do ministério à Precisa.
Outras pendências no começo da noite de 22 de fevereiro eram a tradução juramentada desses documentos, o contrato social em vigor, o vínculo entre Bharat Biotech e Precisa, a procuração da Bharat para diretores da Precisa e a declaração de inexistência de fatos impeditivos. O contrato foi assinado em 25 de fevereiro. Dias assinou como um dos representantes do Ministério da Saúde. Diante das suspeitas que recaem sobre a contratação, o governo Bolsonaro decidiu suspender o contrato. A decisão foi anunciada nesta terça.
No mesmo dia, após a Folha de S.Paulo publicar a revelação de cobrança de propina, o ministério comunicou a demissão de Dias da direção do Departamento de Logística em Saúde. Depois da suspensão do contrato, o governo avalia anulá-lo, no momento em que avançam as investigações sobre possíveis irregularidades. A CPI aprovou a convocação para depoimento de todos os atores envolvidos nessas suspeitas. Entre eles estão Dias, Barros e Dominguetti, que depôs nesta quinta (1º) e confirmou as informações publicadas pela Folha de S.Paulo na quarta.
Em nota, a Precisa afirmou que foi transparente e seguiu a legislação ao negociar a Covaxin. Ela negou ter existido qualquer vantagem ou favorecimento.
“A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal.”
A Folha de S.Paulo revelou no dia 18 de junho a existência e o teor do depoimento dado ao MPF (Ministério Público Federal) pelo servidor Luis Ricardo Miranda.
Ele apontou pressão para garantir a importação de doses, apesar da falta de documentos básicos e de erros em faturas, com previsão não contratual de pagamento antecipado de US$ 45 milhões.
O caso da Covaxin cresceu, passou a ser o foco principal da CPI da Covid no Senado e deixou acuado o governo Bolsonaro.
Miranda foi ouvido pela CPI uma semana depois, com seu irmão, Luis Miranda. O servidor confirmou os mesmos termos do depoimento ao MPF. O congressista afirmou ter levado ao presidente da República as informações sobre o que ocorria na contratação da Precisa Medicamentos. Segundo o deputado, Bolsonaro disse que comunicaria a Polícia Federal sobre as suspeitas que havia escutado. Na mesma conversa, ainda segundo o congressista, o presidente disse que seu líder na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), estaria por trás das suspeitas.
O presidente não acionou a PF, e a oposição acusou o chefe do Executivo, no STF, de prevaricação.