Deixar de passar faixa para Lula pode ser último ataque de Bolsonaro à democracia
Gesto pode indicar decisão de manter país dividido; atual presidente planeja viajar aos EUA e não comparecer a posse
Se Jair Bolsonaro (PL) confirmar seu plano de não passar a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na cerimônia de posse no dia 1º de janeiro, ele fará com isso seu último ataque à democracia antes de deixar definitivamente o cargo de presidente da República.
Mas, ao contrário de outros momentos de seu mandato, quando suas declarações golpistas vinham carregadas de ameaças concretas, dessa vez o retrocesso seria no campo simbólico –o que não o torna desprezível.
É que nada obriga Bolsonaro a entregar a faixa a Lula. A presença de um presidente na posse de seu sucessor é irrelevante do ponto de vista jurídico; tudo que a Constituição determina (artigo 78) é que o eleito e seu vice participem de sessão solene no Congresso para jurar cumprir as leis.
Ainda assim, segundo a antropóloga Lilia Schwarcz, não se deve desprezar a importância do ritual, que representa um momento de união acima das discordâncias partidárias.
“Entregar a faixa significa que o poder está sendo transmitido, que as diferenças políticas estão sendo superadas em nome da democracia, bem como os atritos e as divergências nos planos de governo que possam ter ficado mais evidentes durante a campanha”, diz Schwarcz.
Não por acaso a cerimônia chamou tanta atenção em 1º de janeiro de 2003, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) vestiu o adereço em Lula. O gesto indicava a alternância pacífica de poder entre dois adversários políticos eleitos pelo voto direto. Era sinal de maturidade democrática.