Defensores de impeachment de ministros do Supremo criticam Bolsonaro e rejeitam comparações
Também reclamam de estarem sendo "plagiados" pelo presidente
Ao defender o impeachment de ministros do Supremo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) repete uma prática popularizada nos últimos anos por parlamentares, profissionais do direito e cidadãos em geral.
Apesar disso, autores de pedidos anteriores ouvidos pela reportagem rejeitam comparações com as ações anunciadas pelo presidente contra os titulares da corte. Dizem que seus requerimentos se diferenciam por terem sólido embasamento jurídico e rejeitam que tenham sido um precedente para os de Bolsonaro.
Também reclamam de estarem sendo “plagiados” pelo presidente. “A primazia do pedido de impeachment contra o Alexandre de Moraes foi minha. Modéstia à parte, com embasamento melhor do que o do presidente. Não é opinião apenas minha, mas de grandes juristas”, diz o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO).
Ele é coautor de um pedido de impeachment de Moraes apresentado em fevereiro deste ano, com uma série de acusações à conduta do ministro.
Entre elas, não se comportar imparcialmente, atuar politicamente e perseguir apoiadores de Bolsonaro, em inquéritos para combater fake news e a atos antidemocráticos.
O pedido, subscrito também por Lasier Martins (Podemos-RS), Eduardo Girão (Podemos-CE) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), ainda segue na gaveta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Seus argumentos são parecidos com os elencados por Bolsonaro no seu próprio pedido de impeachment contra Moraes, protocolado em 20 de agosto e já recusado por Pacheco.
Ao justificar a medida, o presidente afirmou que o ministro cometeu crime de responsabilidade no âmbito do inquérito das fake news.
Segundo o pedido, os atos praticados pelo ministro “transbordam os limites republicanos aceitáveis”, e Moraes não teria “a indispensável imparcialidade para o julgamento dos atos” do presidente, que foi incluído no inquérito.
Bolsonaro também chegou a anunciar que pediria o impeachment de outro ministro da corte, Luís Roberto Barroso, por sua ação contra a adoção do voto impresso. Por enquanto, isso está só na ameaça, contudo.
“O pedido feito pelo presidente veio num momento fora da curva, com argumentos políticos, de retaliação entre os Poderes. Tem que esperar a hora certa”, afirma Kajuru.
Segundo o artigo 52 da Constituição, compete ao Senado processar e julgar os ministros do STF. Nos últimos cinco anos, 84 pedidos de impeachment contra membros da corte foram protocolados na Casa, mas nenhum prosperou.
Um dos líderes neste ranking é o advogado e professor aposentado da USP Modesto Carvalhosa, autor de sete pedidos de impeachment de ministros do STF desde 2018: 2 cada contra Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski e 1 para Moraes.
Os motivos são variados, desde conflitos de interesses até ações contra a Lava Jato e censura contra a revista Crusoé no inquérito das fake news.
“O pedido de impeachment é um instrumento legítimo de controle dos ministros dos STF. Muitas vezes eles agem pela impunidade dos corruptos no Brasil”, afirma Carvalhosa.
O professor afirma que seus pedidos são “completamente diferentes” do apresentado por Bolsonaro. “Este é um país da arbitrariedade generalizada. Impeachment depende dos fatos que são alegados, se são consistentes ou não. Não pode ser algo qualquer”, diz.
Muitos dos pedidos apresentados por Carvalhosa foram apoiados por senadores. Um dos mais efusivos em diversas ocasiões foi Alvaro Dias (Podemos-PR).
Ele também critica o pedido apresentado pelo presidente. “O Bolsonaro chegou atrasado em matéria de impeachment. Já houve um momento mais adequado para essa discussão”, afirma Dias.
O senador ensaia um mea culpa sobre o efeito que pedidos anteriores tiveram na estratégia de buscar enfraquecer o STF, hoje utilizada claramente por Bolsonaro e apoiadores.
“De forma indireta, sim, isso criou-se um precedente. Hoje eu penso diferente, entendo que o mais importante é mudar o sistema de escolha dos ministros, para que ocorra por meritocracia, e não apadrinhamento”, declarou.
Ele defende a formação de uma lista tríplice, a partir de nomes indicados por entidades e pelo Ministério Público, para ser levada ao presidente.
O procurador de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, também enxerga diferenças entre o pedido apresentado por Bolsonaro e outros feitos no passado, que ele apoiou.
“É totalmente diferente o pedido de um jurista com relação ao de um presidente da República”, afirma.
Em 2017, ele defendeu publicamente o impeachment do ministro Gilmar Mendes, articulado por uma petição online. O argumento principal era que Gilmar “proferiu diversas vezes decisões que contrariam a lei e a ordem constitucional”, como a soltura do empresário Eike Batista e do ex-ministro José Dirceu.
Agora, afirma que o pedido feito por Bolsonaro é frágil e vê uma tentativa de cercear o STF.
“Esse pedido é um compilado de contestações de decisões judiciais de um magistrado [Moraes]. Significa querer abalar um dos elementos mais importantes do Estado de Direito, que é a independência judicial”, diz.
Autor de um pedido de impeachment contra os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes em 2019, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), afirma que a ofensiva de Bolsonaro sobre a corte é apenas uma estratégia política.
“Quando o Bolsonaro pede esse impeachment, ele está fazendo um teatro. Apenas quer mobilizar sua base e terceirizar as responsabilidades de seu governo para o Judiciário”, afirma.
Vieira baseou seus pedidos de impeachment no inquérito das fake news, aberto de ofício por Toffoli quando presidia a corte, sem provocação inicial do Ministério Público, como é a praxe. Também de maneira unilateral, o então chefe da corte designou Moraes para a relatoria, função que exerce até hoje.
Desde então, reconhece o próprio senador, seu pedido de afastamento dos ministros não se justifica mais.
“De lá para cá, o Supremo, em decisão de seu plenário quase unânime, considerou que o inquérito é legal. Então esse meu pedido perdeu o sentido, se a própria corte constitucional disse que era legal”, afirma.
Ele não pretende retirar o pedido, no entanto, que segue na gaveta de Pacheco. O presidente do Senado não tem prazo para decidir sobre ações de impeachment que sejam protocoladas.