Decisão do TCU facilita plano de Guedes para vender imóveis públicos
A deliberação ocorreu após uma consulta formulada pelo Ministério da Economia sobre como registrar a operação
O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) liberou o governo federal a transferir imóveis públicos de propriedade da União para um fundo privado sem que essa operação precise ser registrada no Orçamento.
A decisão, tomada pelos ministros de forma unânime, facilita o plano do ministro Paulo Guedes (Economia) de impulsionar a venda desses imóveis sem grandes amarras.
A liberação abriu divergências internas entre técnicos do próprio tribunal. A defesa de uma das secretarias do TCU era de que as operações fossem incluídas no Orçamento, inclusive para que os aportes passassem pelo crivo do Legislativo. Outra área argumentou que o registro não era necessário -posição que acabou prevalecendo.
A deliberação ocorreu após uma consulta formulada pelo Ministério da Economia sobre como registrar a operação, que consiste no uso dos imóveis para a integralização de cotas de um FII (Fundo de Investimento Imobiliário) -na prática, repassar os bens para o fundo.
Um dos temores entre os defensores da medida era o de que a integralização das cotas precisaria disputar espaço dentro do teto de gastos (regra que limita o avanço das despesas federais à inflação). Sem passar pelo Orçamento, não haverá esse risco.
A criação do fundo é prevista na lei 13.240, de 2015, mas até hoje não foi executada em meio a dúvidas sobre o procedimento.
A Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, ligada ao Ministério da Economia e favorável à iniciativa, estima que R$ 20 bilhões em imóveis poderão ser aportados no fundo nos próximos anos. Esses ativos ficariam disponíveis para venda ou aluguel.
A ideia é que isso seja feito de forma gradual, para ir testando o novo modelo. A inclinação da pasta é criar diferentes fundos, cada um com imóveis de perfis específicos.
Os imóveis elegíveis são aqueles que não têm fim específico, sejam eles terrenos, galpões ou prédios desocupados. As destinações possíveis variam entre logística, desenvolvimento de empreendimentos residenciais e comerciais.
O relatório do processo no TCU cita que esse universo soma quase R$ 90 bilhões -bem longe do R$ 1 trilhão em imóveis já citados por Guedes no início do governo como potencial de venda.
O catálogo de ativos a serem remetidos ao fundo, porém, ainda não é público. Segundo fontes do governo, técnicos estão trabalhando para regularizar a documentação dos imóveis elegíveis e disponibilizá-los para a operação. Há um pedido para que a tarefa seja concluída até o fim deste mês.
O processo no TCU foi relatado pelo ministro Jorge Oliveira, que já foi ministro-chefe da Secretaria-Geral do governo de Jair Bolsonaro (PL). Ele era próximo ao presidente, que o indicou para ocupar uma cadeira no tribunal.
Embora a consulta tenha partido do Ministério da Economia, parte dos representantes da área fiscal do governo era contra a autorização para contornar o Orçamento.
O governo chegou a pleitear essa dispensa no envio da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, mas o dispositivo acabou sendo retirado do texto pelos parlamentares.
Técnicos que acompanharam de perto as manobras fiscais realizadas no governo Dilma Rousseff (PT), que serviram de base para o processo de impeachment da ex-presidente, consideram a decisão de excluir o registro do Orçamento uma espécie de “contabilidade criativa”.
No governo Dilma, a União usou ações de bancos públicos para fazer aportes em fundos sem que as operações passassem pelo Orçamento, incluindo o FGeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo), o FGO (Fundo de Garantia de Operações) e o FGE (Fundo de Garantia à Exportação).
O TCU já criticou essas operações e avisou que elas precisam passar pelo Orçamento, que dá transparência ao que é feito com os recursos públicos.
Apesar desse precedente, há o entendimento na corte de que os casos concretos são distintos, uma vez que as novas operações envolvem imóveis, não ações de empresas.
Além disso, os ministros consignaram no acórdão que a obrigatoriedade do registro orçamentário permanece sempre que houver aporte de recursos financeiros, ou quando a União receber os rendimentos pagos pelo fundo ou os vencimentos relativos às cotas de participação. Na prática, só nesse momento é que surgirão as receitas no Orçamento.
A Semag (Secretaria de Macroavaliação Governamental), que opina sobre temas fiscais e orçamentários, reconheceu que a integralização é uma transação “sui generis”, ou seja, singular. No entanto, o órgão argumentou que o mais adequado seria registrá-la no Orçamento.
A Semag ressaltou que a Constituição veda o início de programas ou projetos não incluídos na LOA (Lei Orçamentária Anual). Segundo a Semag, a exclusão da operação do Orçamento significa “perda de poder decisório sobre o patrimônio público”, uma vez que os FIIs são administrados de forma privada.
A SecexAdmin (Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado), outra área técnica do TCU, se manifestou de forma divergente. Para essa ala, a integralização das cotas com imóveis não deve ser registrada no Orçamento.
“Há uma simples alteração patrimonial, um câmbio de ativos não financeiros que deve ser contabilmente registrado, todavia, sem reflexo na peça orçamentária”, disse.
Guedes continua com seu plano de vender imóveis da União. No fim do ano passado, ele sugeriu até mesmo a criação de um ministério para gerir e vender o patrimônio federal. Ele reiterou na ocasião sua proposta para os ativos estatais serem transformados em recursos para um fundo contra a pobreza.
“Eu já falei com o presidente. Estou propondo que, para o novo governo, tem que existir o Ministério do Patrimônio da União”, afirmou na época. “O Estado tem R$ 4 trilhões [em ativos], uma fortuna incalculável, e o povo pobre e miserável”, disse.
Por Idiana Tomazelli