Decisão de Moraes de julgar militares no STF é correta, diz futuro presidente do STM
Ex-piloto de Lula e Dilma, ministro-brigadeiro Joseli Camelo afirmou à Folha que brecha para busca e apreensão em áreas militares não é problema
Futuro presidente do STM (Superior Tribunal Militar), o ministro-brigadeiro Joseli Parente Camelo não vê com desolação a decisão do ministro Alexandre de Moraes de levar para o STF (Supremo Tribunal Federal) o julgamento de militares envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Mesmo a brecha que se abre para possíveis buscas e apreensões em organizações militares não preocupa o brigadeiro. “Decisão da Justiça precisa ser cumprida em qualquer situação, não é?”, questiona de forma retórica.
Prestes a assumir a presidência do tribunal, Joseli evitava dar entrevistas antes de ascender ao cargo, para evitar que declarações públicas fossem entendidas como uma afronta ao atual presidente, ministro-general Lúcio Mário Góes.
Joseli Parente Camelo foi piloto oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), designado pela Aeronáutica. Calcula ter pilotado cerca de 10 mil horas nos 12 anos na Presidência.
A lista dos 92 países aos quais Joseli levou Dilma e Lula está pregada na parede que divide o gabinete do ministro e o corredor do 4º andar do STM.
O que o senhor achou da decisão do ministro Alexandre de Moraes? Todos nós estávamos nessa expectativa da decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ontem [segunda] eu levei a decisão para casa e li duas, três vezes, para entendê-la. Ele levou em conta dois pontos que são muito importantes.
Primeiro é a garantia do devido processo legal. Ele procurou ver de quem é a competência, porque as pessoas têm que entender onde elas serão julgadas. Se for crime militar, naturalmente o caminho seria a Justiça Militar. Mas, neste caso, nós julgamos os crimes militares definidos em lei.
A lei 13.491 ampliou a nossa competência. Nós julgamos os crimes militares definidos em lei e o previsto na legislação comum, desde que o militar esteja em atividade e o crime seja contra o patrimônio sob administração do militar ou a ordem administrativa militar. E, neste caso, o ministro Alexandre de Moraes identificou que não havia isso.
Então eu entendo que a decisão do ministro foi uma decisão, para mim, correta. Isso não quer dizer que, ao longo do processo, das investigações, venham a ser identificados que um ou outro são crimes militares. Neste caso, eu entendo que esses que forem entendidos como crimes militares seriam encaminhados para Justiça Militar. Mas neste primeiro momento o entendimento é o de que não houve crime militar.
Por que a atuação do BGP [Batalhão da Guarda Presidencial], responsável pela segurança do palácio, não configura crime militar? Nós temos no Palácio do Planalto uma Secretaria de Segurança Presidencial [ligada ao Gabinete de Segurança Institucional], que faz a segurança do presidente e das instalações. Ela é feita, a princípio, com aqueles elementos com o apoio do BGP. O BGP é uma unidade militar, o Palácio do Planalto não é uma unidade militar.
Naturalmente, há margem a interpretações. Mas a interpretação dada pelo ministro Alexandre de Moraes —que ao meu entender está correta, ele é o juiz dessa matéria— é que não houve nada contra o patrimônio sob a administração militar.
Outra coisa: decisões do Supremo têm de ser respeitadas e cumpridas. Isso é ponto pacífico. Eu entendo que não há nada para que a gente fique preocupado. O importante do julgamento é que seja seguido todo o processo legal, quer seja julgado lá pelo Supremo, quer seja julgado pela Justiça Militar, se dê todas as condições da ampla defesa, do contraditório, e que ao final seja a um julgamento justo: havendo provas, condena; não havendo, absolve.
Esse entendimento abre brecha para que a Justiça comum determine busca e apreensão contra organizações militares, como o Comando Militar do Planalto neste caso. Como o senhor vê isso? Eu não vejo nenhum problema nisso. Decisão da Justiça precisa ser cumprida em qualquer situação, não é? Decisão da Justiça cumpre-se. Se for para esclarecer alguma coisa dentro de um inquérito, isso é perfeitamente normal. Não vejo problema.
No contexto dessa decisão, há uma crítica por uma suposta demora ou até leniência da Justiça Militar com militares, por possível corporativismo. Esses argumentos fazem sentido para o senhor? Eu acho que é justamente o contrário. Nós somos a Justiça mais célere que já tivemos em nosso país. Nós somos uma Justiça Militar que é referência no mundo.
Nós temos um órgão de acusação, o Ministério Público, concursado, o civil faz a prova. [Parte dos] nossos juízes são civis. Durante o julgamento, estamos em forma de escabinato, onde os juízes togados entram com seu conhecimento jurídicos e os juízes militares entram com sua percepção de como funciona a Justiça Militar.
Então tem momentos que nós somos mais severos. Por exemplo, com drogas. Nós temos a nossa legislação penal, nosso código penal, e seguimos à risca. Não vamos seguir a lógica da lei antidrogas, porque ela é muito lenta para nós.
Outra coisa: julgamento num plenário de 15 ministros, sendo 5 civis e 10 militares, isso traz uma justiça muito grande para o jurisdicionado.
A PGR já denunciou mais de 900 pessoas, e não há nenhuma denúncia na Justiça Militar. Não há demora? Isso não depende do Superior Tribunal Militar, da Justiça Militar, do Ministério Público, porque nós somos provocados. Alguém vai oferecer a denúncia e alguém vai receber. O Ministério Público vai tomar as providências para decidir se a denúncia procede ou não. Havendo justa causa, ele vai oferecer a denúncia.
Mas isso tem que chegar ao Ministério Público e só depois então é que vai chegar na Justiça Militar, quer seja na primeira instância, se for oficial-general pode chegar diretamente ao STM. Mas isso nós somos provocados, não é porque não queremos julgar.
Não tem militar porque o Ministério Público está trabalhando em cima das denúncias que foram oferecidas. Isso é o que nós temos em mente. Não é culpa da Justiça Militar ou do Ministério Público Militar a gente não ter nenhuma decisão sobre os militares.
Mas oferecer denúncia é trabalho do Ministério Público. Eles precisam fazer todas as diligências para que se chegue a uma decisão se é o caso ou não [de apresentar a denúncia]. Muitas vezes eles estão lá, buscando os dados. Nós temos menos de dois meses [dos ataques], não adianta fazer as coisas precipitadas porque você acaba causando uma injustiça.
As coisas estão caminhando dentro do devido processo legal. Nós temos que ouvir as pessoas, ver as provas, temos prazos. Essa precipitação não funciona assim.
O Exército abriu três inquéritos para investigar, entre outras coisas, a atuação do próprio Exército, através do BGP, no dia 8 de janeiro. Quem conduz o inquérito é o chefe do comandante do BGP. Não há uma distorção nesse processo? Não, porque a palavra final vai ser do Ministério Público. Ele vai receber o inquérito, vai analisar e pode pedir novas diligências. Tudo isso é feito. Não há essa ideia de que agora vai haver um corporativismo. Não existe e é visão distorcida sobre o devido processo legal feito aqui pela Justiça Militar.
A avaliação do senhor é majoritária no STM? Não conversei com ninguém porque a minha preocupação foi imprimir e levar a decisão para ler em casa. E hoje [terça-feira] de manhã eu tive um compromisso no Ministério Público do Trabalho e, quando eu estava entrando aqui, você me pediu a entrevista. Seria leviano falar que ninguém achou de mais ou de menos porque eu não falei com ninguém.
O senhor assume a presidência do STM em março. Quais são os seus planos? Naturalmente a gente se prepara, mas eu só posso falar depois que assumir. Eu estou me preparando muito para ver porque dois anos é pouco tempo.
Estou te dando uma opinião pessoal, não estou falando como presidente ou futuro presidente. Estou falando de acordo com os meus conhecimentos como ministro do Superior Tribunal Militar.