Crise sobre MPs tem drible de Lira na Constituição e disputa de poder com Pacheco

Presidentes da Câmara e do Senado se enfrentam sobre retomada de comissões que analisam medidas provisórias COMPARTILHAMENTO ESPECIAL Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para conteúdos da Folha ASSINE ou FAÇA LOGIN Salvar para ler depoisSALVAR ARTIGOS Recurso exclusivo para assinantes ASSINE ou FAÇA LOGIN

A crise entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), escalou nos últimos dias com a instalação “imediata” das comissões mistas para MPs (medidas provisórias).

O impasse envolve um drible na Constituição —uma vez que as comissões mistas estão no texto constitucional— em meio a uma disputa entre senadores e deputados por influência na tramitação das MPs.

Apesar de ser uma questão interna do Legislativo, o impasse já trava há mais de 50 dias a agenda do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso. Uma das MPs que espera aprovação é a que reestruturou e criou ministérios, como o dos Povos Indígenas e das Cidades.

Outro texto aguardado pelo governo é o que estabelece o voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Financeiros). Além disso, programas essenciais para o Palácio do Planalto, como o Minha Casa, Minha Vida, também foram recriados via medida provisória.

Após semanas sem acordo, o tom do embate subiu na quinta-feira (23). De um lado, Pacheco acolheu questão de ordem proposta pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), desafeto público de Lira, e decidiu retomar o rito das comissões mistas, que está na Constituição.

Lira respondeu afirmando que a questão de ordem “não vai andar um milímetro” na Câmara dos Deputados e que “o maior interessado na vigência das MPs” é o Senado porque “eles que indicaram ministros, eles que têm ministérios”.

Numa tentativa de amenizar as declarações dadas por Lira, a presidência da Casa divulgou nota no mesmo dia, assinada por sua assessoria de imprensa, sinalizando uma tentativa de diálogo com o Senado.

Na sexta (24), houve nova investida de Lira contra Pacheco. Em um ofício, o presidente da Câmara disse que há falta de coerência de Pacheco no tratamento de MPs editadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e por Lula e pediu uma sessão conjunta do Congresso para solucionar a questão.

Pouco depois, houve reunião com Lula no Palácio da Alvorada para tratar do tema.

ENTENDA A ORIGEM DA CRISE E O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO

O que diz a Constituição

O parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição determina que “caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”.

No parágrafo 8º do mesmo artigo, o texto prevê que as MPs terão sua “votação iniciada na Câmara dos Deputados”.

O rito entrou na Constituição em 2001 após a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema. Antes, o artigo 62 não definia regras específicas para a tramitação das medidas provisórias.

Como funcionam as comissões mistas para MPs

A comissão mista é formada por 12 deputados federais e 12 senadores definidos pelos líderes. Caso isso não seja feito, o presidente do Congresso (no caso, Pacheco) pode designar os próprios líderes e vice-líderes para compor a comissão.

O número pode chegar a 13 parlamentares de cada Casa porque o regimento diz que partidos com bancadas pequenas —que não têm direito à participação pelo cálculo da proporcionalidade— podem se revezar e integrar as comissões mistas (não só a de MPs).

Deputados e senadores se revezam na relatoria e na presidência do grupo. Assim, quando um deputado for o relator da MP, um senador deve ser o presidente da comissão. A posição se inverte na medida provisória seguinte.

O colegiado realiza discussões, sugere emendas à proposta do governo e aprova o relatório. Depois disso, o texto vai ao plenário da Câmara em regime de urgência e, na sequência, ao plenário do Senado.

Se aprovada nas duas Casas, a proposta é levada à sanção presidencial e a decisão do governo se torna lei. Se a MP for rejeitada ou o Congresso deixar expirar o prazo de 120 dias para a aprovação, ela perde a validade.

Como foi na pandemia

Em 31 de março de 2020, com a pandemia da Covid-19, as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado assinaram um ato conjunto. A norma previa que, “durante a vigência da Emergência em Saúde Pública e do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19”, as comissões mistas que analisam as MPs não seriam instaladas.

“As medidas provisórias serão instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental”, diz o texto.

O ato ainda dizia que a Câmara deveria concluir a análise das MPs até o nono dia de vigência da medida provisória. O prazo para o Senado seria até o décimo quarto dia.

Como começou o impasse entre Pacheco e Lira

O impasse entre Pacheco e Lira começou depois que a Mesa Diretora do Senado —formada pelo presidente e outros seis senadores— decidiu em 7 de fevereiro retomar o rito constitucional para análise das MPs.

O presidente do Senado acumula a presidência do Congresso e poderia determinar a volta das comissões mistas sozinho. O texto inicial do ato redigido pelo Senado, ao qual a Folha teve acesso, trazia apenas a autorização de Pacheco.

Para não gerar mal-estar com os deputados federais, no entanto, o senador decidiu pedir a assinatura da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e definir conjuntamente a melhor data para a instalação das comissões mistas.

Lira se recusou a assinar o documento e não escondeu sua irritação. Em sessão da Câmara no dia seguinte, o deputado afirmou que as duas Casas ainda iriam se reunir para definir “se” e “quando” haveria mudança.

A reclamação dos senadores

Como o Congresso tem até 120 dias para aprovar uma MP, senadores afirmam que os deputados consomem quase todo o tempo e não deixam margem para que o Senado modifique o texto, sob risco de enterrar a medida.

Sem as comissões mistas, o Senado também deixa de participar das discussões iniciais —quando o parlamentar negocia com o governo a maior parte das mudanças. O formato atual ainda dá mais poder ao presidente da Câmara, que fica responsável por designar os relatores das MPs e decidir quando o texto será votado.

A reclamação dos deputados

As lideranças da Câmara afirmam que as comissões mistas não respeitavam a proporcionalidade das Casas, já que tinham números iguais de senadores e deputados. Elas ainda destacam que havia dificuldade de alcançar o quórum mínimo para as votações, que acabavam sendo adiadas.

Um cálculo feito por deputados para sustentar a argumentação da inviabilidade das comissões mistas destaca que a existência de 15 MPs exigiria a atuação de 180 senadores —o que é impossível, já que são somente 81 senadores, que precisariam acumular cadeiras nas comissões mistas.

O que Lira quer

Inicialmente, Lira propôs um acordo a interlocutores do Senado para acabar com as comissões mistas e intercalar o início da tramitação das MPs: uma começaria pela Câmara e a seguinte, pelo Senado.

As lideranças da Casa repudiaram a proposta. Eles argumentaram que constitucionalmente o direito de iniciar a discussão de medidas provisórias é da Câmara e ceder a prerrogativa ao Senado seria um esvaziamento dos poderes dos deputados.

Diante desse cenário, Lira mudou de opinião e passou a defender a manutenção do rito que foi imposto durante a pandemia. Ele afirma que esse novo modelo deu mais celeridade ao processo legislativo.

Deputados afirmam, sob reserva, que há acordos possíveis para a solução do impasse. Uma das propostas seria estabelecer prazos específicos para Câmara e Senado voltarem as MPs; outra prevê a manutenção das comissões mistas, mas com menos cadeiras para senadores do que para deputados.

O que Pacheco quer

O rito das MPs é motivo de reclamação no Senado e acabou virando compromisso de campanha de Pacheco. O presidente argumenta que, com o avanço da vacinação, o Congresso deve voltar a funcionar plenamente, nas mesmas condições de antes da pandemia.

Durante as negociações, líderes do Senado concordaram em acabar com as comissões mistas e votar as MPs direto no plenário das duas Casas, desde que alternadamente. Eles argumentaram que teriam assim a possibilidade de iniciar as discussões —prerrogativa que hoje é exclusiva dos deputados federais— e dar a palavra final sobre o texto. Propostas chegaram a ser redigidas durante a semana, mas a ideia foi enterrada por Lira.

Atuação do governo Lula

Como a Folha mostrou, o impasse foi discutido em jantar no último dia 10 entre Lula e Lira. Aliados do petista afirmam que essa é uma questão que deve ser resolvida entre os dois presidentes das Casas e defendem que a atuação do governo deve ser cautelosa —para não gerar ruídos com nenhum dos congressistas.

Na semana passada, o governo propôs ao Senado que as comissões mistas fossem retomadas no dia 6 de abril, sem sucesso. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou nesta quinta que, “pessoalmente”, é a favor das comissões mistas. O líder da Câmara, José Guimarães (PT-CE), no entanto, tem defendido que seja mantido o rito da pandemia.

Nesta sexta, houve nova reunião de Lira com Lula para tratar da crise entre Câmara e Senado.

Por Cézar Feitoza, Victoria Azevedo e Thaísa Oliveira

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