Crise de fertilizantes com guerra na Ucrânia faz governo antecipar plano nacional para o setor
Bolsonaro disse que a guerra na Ucrânia foi decisiva para acelerar a divulgação do plano
O governo lançou nesta sexta-feira (11/3) o Plano Nacional de Fertilizantes. Com 195 páginas e mais de uma centena de metas entre 2025 e 2050, ele foi organizado para ser uma referência no planejamento do setor no longo prazo.
Basicamente, visa ampliando a exploração dos insumos em minas locais e elevar a produção dos fertilizantes em fábricas nacionais para reduzir a dependência internacional, a partir de mudanças no arcabouço regulatório e tributário, bem como a concessão de subsídios e financiamentos públicos.
Na cerimônia de lançamento do plano, no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que a guerra na Ucrânia foi decisiva para acelerar a divulgação. “Nós sabemos desses problemas [sobre fertilizantes]. A solução foi amadurecendo, essa questão a 10 mil km foi obviamente o último ato.
Bolsonaro e ministros também defenderam o projeto que libera a mineração em terra indígena. Parte das reservas brasileiras está na região amazônica e já houve embates com indígenas e o Ministério Público sobre a sua exploração.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, agradeceu à Câmara dos Deputados pela aprovação da urgência para votar o projeto. “Permitirá permissão legal para os indígenas promoverem, se assim quiserem, o agronegócio, pecuária, extrativismo e turismo nas suas terras”, afirmou.
Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o plano a uma forma a apresentar soluções de longo prazo para o setor e não apenas uma reação à guerra.
“Esse plano é de estado, não de governo”, disse Tereza.
As medidas elencadas buscam reduzir o peso das importações dos atuais 85% para cerca de 60% em 30 anos, e transformar o país em fornecedor global de potássio. Reduzir a dependência externa que voltou a ser um tema após a deflagração da guerra na Ucrânia, o que levou o governo a antecipar a sua divulgação.
Rússia e Belarus (que apoia o regime de Vladimir Putin) respondem por mais de um terço dos fertilizantes utilizados no Brasil. O conflito e as sanções estão inviabilizando embarques e colocando em risco o plantio das culturas no segundo semestre, entre elas, a grande safra de soja.
Um dos pilares do plano é a instituição de um regime especial de incentivo para viabilizar a infraestrutura da indústria de fertilizantes no país, com prazo de vigência de pelo menos cinco anos. Os incentivos precisam ser desenhados e apresentados em três anos.
A proposta indica ainda que BNDES vai dar apoio, com linhas de crédito de longo prazo para o setor. Também prevê a liberação de recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e abre a possibilidade de acesso a recursos de fundos como o CTAgronegócio, CT-Biotecnologia, CT-Mineral e CT-Verde e Amarelo para bancar parte das ações de nutrição de solos;
Mas também aponta que o setor privado pode ser uma fonte de capitalização via FIPs (fundos de participação), e FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios), bem como debêntures (papéis de dívida emitidos por empresas para levantar recursos), “bonds” (títulos de dívida) ou captação em bolsas no Brasil e no exterior.
Na questão tributária, o plano busca garantir a unificação das alíquotas sobre receitas da comercialização nas vendas internas, na importação e nas operações interestaduais.
Nas vendas internas ao estado e nas importações, a alíquota zero deixa de vigorar, partindo de 1% em 2022, e sendo majorada em um ponto percentual a cada ano, até atingir 4% em 2025.
Nas saídas interestaduais, a redução da base de cálculo será progressivamente alterada, até que a alíquota chegue a 4% em 2025.
Em paralelo, o plano indica uma série de medidas de apoio, como investimentos em gás, essenciais no processo de produção de fertilizantes, a organização de infraestrutura de logística e estocagem, e planos de pesquisa e desenvolvimento, bem como ações voltadas a sustentabilidade e o desenvolvimento de adubos orgânicos.
Segundo o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o plano tem boas iniciativas e vem num momento importante. “Não vai resolver os problemas que enfrentamos agora por causa da guerra, mas cria diretrizes no momento em que o tema segurança energética ganha importância”, afirma.
Especialistas do setor destacam que será um desafio conseguir criar um ambiente adequado para os negócios, principalmente no que se refere à produção de matérias-primas, que demandam projetos de grande escala e intensivos em capital: cerca de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 15 bilhões) por milhão de toneladas. Em outras tentativas similares, faltou planejamento para concretizar as metas.
“Há inúmeras variáveis que afetam o custo Brasil, como gargalos de infraestrutura e logística, complexidade do sistema tributário, altas taxas de juros, baixo investimento em pesquisa dos recursos minerais no subsolo, alto custo de energia, tempo excessivo (anos) para obtenção de licenças ambientais e insegurança jurídica, afirma David Roquetti Filho, sócio diretor da DRF Consultoria e Assessoria Empresarial e membro do Cosag (Conselho Superior do Agronegócio).
O maior problema, segundo executivos do setor que preferem não ter o nome citado, é que o plano é lançado no último ano do governo, com risco de não decolar em 2022, dada a paralisia que toma conta de órgão públicos em período eleitoral.
Se Bolsonaro não se reeleger, também não há segurança de que seja adotado por uma eventual novo governo.
O leque de substâncias que ajudam na produção agrícola é amplo, mas os mais importantes são nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), que formam o composto NPK.
Atualmente, mais de 80% dos fertilizantes utilizados no Brasil são importados. O país é o quarto maior consumidor de nitrogênio e o terceiro de fósforo.
No caso do potássio, a situação é mais crítica. Ele é o nutriente mais usado no país, 38% do total, e também o mais importado, 97% do consumo. O país é o segundo importador do mundo, atrás apenas da China. Neste momento, a dependência é um grande problema.
O Canadá é o maior produtor, com uma fatia de 33%, mas os principais fornecedores do Brasil são o segundo e terceiro colocados nesse ranking, Belarus e Rússia, com 17% cada na produção global. Ambos estão envolvidos na guerra da Ucrânia e têm dificuldades logística e financeiras para embarcar o insumo, obrigando o Brasil a buscar alternativas para garantir o nutriente no plantio da safra 2022/2023.
O plano destaca as reservas de potássio nas regiões de Taquari e Vassouras, Santa Rosa de Lima e Rosário do Catete, em Sergipe, bem como as de Itacoatiara, Nova Olinda do Norte e Autazes, no Amazonas, área que foi alvo de protestos indígenas.
Essas reservas, consideradas relevantes, têm sido citadas pelo governo e parte do Congresso como boas razões para sustentar uma rápida tramitação do projeto que libera a mineração em terras indígenas, atraindo inúmeros protestos entre geólogos e ambientalistas.
No curto prazo, até 2025, o plano estabelece que o Serviço Geológico do Brasil deve amplia a pesquisa em busca de novas áreas de potássio, e que a Agência Nacional de Mineração deve também organizar leilões de novas áreas.
No caso do fosfato, indica a necessidade de viabilizar plantas em Arraias (TO), Santana (PA), Salitre (MG) e Patrocínio (MG), Santa Quitéria (CE), Pratápolis, Morro Verde (MG);
Em paralelo, prevê que até 2025 é preciso estimular empresas, que detêm direitos de concessão, a aumentar em até 20% a exploração das jazidas de fósforo.
Até 2030, é necessário realizar ao menos, cinco leilões das áreas de mineração para fertilizantes fosfatados e, pelo menos, cinco leilões das áreas de mineração para fertilizantes potássicos;
No caso dos nitrogenados, o reforço na produção estabelece a conclusão de fábricas em Três Lagoas (MS) e a construção de unidades em Uberaba (MG) e Linhares (ES).
A meta é que a produção chegue 1,6 milhão de toneladas de nitrogênio ao ano em 2025, 1,9 milhão em 2030, 2,3 milhões em 2040, e 2,8 milhões em 2050, em termos de capacidade instalada.
No plano internacional, o projeto do governo destaca a necessidade de o Brasil ampliar a oferta de matéria-prima nos vizinhos da América do Sul, elevando a participação em, pelo menos 5% em 2030, 10% em 2040, 15% em 2050. Também prevê a busca de acordos bilaterais para garantir o abastecimento dos atuais fornecedores.
Por Alexa Salomão e Matheus Vargas