Coronel reconhece à CPI ajuda a Dominghetti, mas nega pedido de propina em jantar
O ex-assessor da Saúde nega que tenha feito lobby
Em depoimento à CPI da Covid, o coronel e ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco afirmou que manteve contato com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti, com o intuito de negociar vacinas contra a Covid-19, para a iniciativa privada.
O militar da reserva também afirmou que orientou Dominghetti e o levou a um jantar, no fim de fevereiro, no qual teria acontecido o pedido de propina por parte do então diretor do ministério Roberto Ferreira Dias. Por outro lado, negou que Dias, que foi seu superior, tenha tratado no encontro da compra dos imunizantes e mesmo que tenha solicitado a propina.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou denúncia de Dominghetti, que alega ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina, para avançar a negociação de compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca.
Blanco era um dos quatro participantes do encontro, embora não fosse mais assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
O militar afirmou que foi procurado pelos representantes da Davati Medical Supply, que afirmavam ter uma oferta de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. Blanco disse que seu interesse com os intermediários, notadamente Dominghetti e Cristiano Carvalho, era avançar um negócio de vendas de doses para a iniciativa privada. Disse que via em Dominghetti um “possível parceiro”.
O ex-assessor da Saúde nega que tenha feito lobby ou intermediado a negociação. Blanco disse que apenas orientou Dominghetti a enviar por meios formais, por email, os documentos necessários para iniciar as tratativas.
“O meu intuito em relação ao senhor Dominghetti se restringia ao desenvolvimento de um possível mercado de vacinas para o segmento privado, assunto que estava em discussão na sociedade civil por meio de interesse de grandes grupos econômicos brasileiros e das propostas de regulamentação no Congresso Nacional”, disse durante o depoimento.
Os senadores da comissão reagiram, afirmando que a negociação de vacinas para o setor privado nessa época ainda era totalmente ilegal.
“Sem querer interromper o depoente, mas é importante deixar claro que essa atividade de venda de vacina para o setor privado na oportunidade era uma atividade irregular, absolutamente irregular, porque sequer a lei autorizando tinha sido aprovada no Congresso Nacional”, afirmou o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL).
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acrescentou que essa legislação apenas foi aprovada em março, mas que nem mesmo ela permitia a negociação para a iniciativa privada.
“Essa lei em nenhum momento possibilitava a aquisição de vacinas pelo setor privado. A lei dizia claramente o seguinte: primeiro devem ser vacinados os grupos prioritários pelo setor público, somente depois é que poderiam ser distribuídas para o setor privado”, disse.
Blanco se justificou afirmando que acompanhava os debates no Congresso e queria apenas estabelecer um “modelo de negócio” para se e quando essa negociação fosse regulamentada por lei.
O militar disse que em nenhum momento atuou na intermediação das vacinas para o poder público.
O militar afirmou que apenas deu orientações burocráticas a Dominghetti.
O policial então pediu uma agenda, um encontro oficial, com Roberto Dias.
Embora tivesse sido assessor de Dias, Blanco disse aos senadores não saber que as tratativas para a compra de vacinas se dava exclusivamente com o então secretário-executivo Elcio Franco, no âmbito do ministério, e não com Dias.
Blanco afirmou que foi iniciativa sua levar o policial Dominghetti ao jantar, para que ele próprio fizesse o pedido de encontro.
“Ele [Dominghetti] fez um segundo pedido na semana [que aconteceu o encontro no restaurante] que ele gostaria da agenda. E eu não falei que foi um encontro casual, eu sabia que o Roberto estaria no Vasto”, disse.
“Eu posso ter sido inconveniente de levar o Dominghetti lá sem a ciência do Roberto? Até posso ter sido, mas eu não vi mal algum, porque ele me disse [que iria pedir a agenda], e assim aconteceu no jantar”, completou.
Blanco disse que permaneceu apenas cerca de uma hora no encontro, reiterando diversas vezes em seu depoimento que as tratativas relativas a vacinas não foram abordadas nas conversas. Disse que decidiu ir embora, pois queria assistir a um jogo de futebol em sua casa.
Em diversos momentos, os senadores questionaram as versões apresentadas por Blanco. Ao ouvir do depoente que ele não sabia que as vacinas eram negociadas exclusivamente por Elcio Franco, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reagiu: “Coronel, não dá para aguentar isso”.
Aziz também analisou a documentação oferecida pela defesa de Blanco, com mensagens trocadas entre o militar e Dominghetti e também com Cristiano Carvalho, e disse que o material estava editado, tinha várias partes faltantes.
Já Renan disse que haviam sido anexadas as partes faltantes “que demonstram que ele mentiu”. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirmou que “destruição de provas é crime. E, se isso ocorreu, a CPI vai atestar”.
Nesse momento, houve uma grande discussão no plenário, que levou Aziz a suspender a sessão.
A sessão da CPI ainda foi marcada pela expulsão do plenário do deputado federal Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), que foi à comissão para gravar um vídeo para as suas redes sociais. Ele falava na gravação que a “CPI é um desserviço ao país”.
A Polícia Legislativa chegou a ser acionada, mas o deputado saiu sozinho ao ser confrontado. Uma oficial o interpelou posteriormente, sendo destratada. O parlamentar ainda ofendeu um jornalista que questionava o motivo de ele ter entrado no plenário.
Randolfe, que presidia a sessão no momento, disse que encaminharia o caso para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para as devidas providências. “A Comissão Parlamentar de Inquérito identificou o senhor deputado Reinhold Stephanes Junior como tendo praticado aqui um ato de desrespeito a esta comissão.”
“Esta presidência garantirá a todos os parlamentares o livre acesso a esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Entretanto, esta CPI não admitirá tentativas de tumultuar o trabalho ou, ao mesmo tempo, atos de provocação, atos de intimidação aos membros desta Comissão Parlamentar de Inquérito”, completou.
Senadores também reagiram à decisão da Polícia Federal de abrir investigação para apurar o vazamento de informações compartilhadas pela corporação com a CPI. A comissão pretende recorrer à Justiça para sustar o inquérito e avalia entrar com uma notícia-crime contra a direção da PF por obstrução à investigação parlamentar.
Na segunda-feira (2), a PF enviou ao colegiado dois inquéritos. Um deles apura denúncias de irregularidades no processo de compra da vacina Covaxin.
O outro é sobre a denúncia de prevaricação atribuída ao presidente Jair Bolsonaro pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda. Os dois afirmaram à CPI e à PF que o chefe do Executivo foi alertado em março sobre as irregularidades na pasta da Saúde.
Os parlamentares criticaram a abertura do inquérito para apurar vazamentos pela PF e acusaram a corporação de ser usada politicamente para intimidar os senadores.
Texto: Júlia Chaib e Renato Machado