Ciro Nogueira acumula derrotas em quase 3 meses na Casa Civil de Bolsonaro
Senador tinha como uma das principais missões assumir papel de estrategista do governo na CPI
Após dois meses e meio da posse de Ciro Nogueira (PP) na Casa Civil de Jair Bolsonaro, o governo continua sofrendo derrotas em série no Senado, casa de origem do ministro.
Além de consolidar a influência do centrão sobre o governo e reforçar a ala política em um momento de tensão institucional, a escolha de Ciro para o lugar do general Luiz Eduardo Ramos trazia também a expectativa do Palácio do Planalto de amenizar a sua crítica situação no Senado.
Entre outras tarefas, o senador tinha como uma das principais missões assumir o papel de estrategista do governo na CPI da Covid, importante foco de desgaste do presidente da República no Senado. Até então, o principal articulador do Planalto na comissão era o ministro Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência).
Além de Ciro não conseguir alterar o rumo da CPI, que na quarta-feira (20) apresentou seu relatório final com a proposta de punição de Bolsonaro por nove crimes, entre eles prevaricação e charlatanismo, o Senado foi palco nesses dois meses e meio de vários outros reveses para o Planalto.
A reforma do Imposto de Renda, uma das prioridades da equipe de Paulo Guedes (Economia), foi aprovada na Câmara em 1º de setembro, mas, desde então, empacou no Senado.
O governo esperava usar o projeto para conseguir viabilizar recursos para a reformulação do Bolsa Família, mas, diante da resistência no Senado, teve que procurar outros caminhos.
Nesse mesmo dia em que a Câmara -comandada por Arthur Lira (PP-AL), alinhado a Bolsonaro- aprovava a reforma do IR, a equipe de Guedes sofreu uma outra derrota significativa no Senado, a rejeição de sua proposta de minirreforma trabalhista por uma votação expressiva, 47 votos a 27.
Em outro sinal claro da desarticulação do governo no Congresso, 12 vetos presidenciais foram derrubados por Câmara e Senado no final de setembro, entre eles um em que havia acordo entre os líderes partidários para ser mantido -o que permite que partidos políticos se organizem em uma federação pelo tempo mínimo de quatro anos.
“A votação dos vetos foi uma coisa curiosa, a impressão era que não tinha governo, não existia articulação, a coisa se deu sem reação nenhuma, nunca vi uma bancada do governo tão desarticulada”, afirmou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR).
“Uma vez uma pessoa me perguntou: ‘Por que aquele secretário do seu governo era tão bom e agora é tão ruim?’. E eu respondi: ‘Porque naquela época tinha governador’. Não adianta ser bom na política, conhecer os parlamentares e coisa e tal, se o presidente não ajuda.”
Para que um veto presidencial seja derrubado, é preciso o voto de mais da metade dos 513 deputados federais e 81 senadores. Antes de Bolsonaro, eram raras situações como essa.
Além das federações dos partidos, foram retomados projetos como o que prevê repasses do governo para ampliar o acesso das escolas públicas à internet em alta velocidade e a suspensão da prova de vida do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
“Eu continuo achando o governo em um processo de desarticulação”, diz o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), membro da CPI da Covid.
“As votações estão ocorrendo de uma forma muito liberada. É importante para a liberdade legislativa, do parlamentar, mas é perigoso do ponto de vista da governabilidade”, afirma o senador, que tem adotado posições pró-governo na comissão.
Apesar das derrotas em série, há senadores que avaliam que ao menos houve melhora na interlocução entre o Legislativo e o governo, o que ajudou a tranquilizar o clima político.
“Acho que o diálogo com o Congresso foi meio suavizado. No sentido de estabelecer o clima de diálogo, no sentido de: sou crítico, sou oposição, mas sei com quem conversar. Não que o país ficou mais democrático, mas foram azeitados os dutos de comunicação da oposição com o governo”, afirmou Esperidião Amim (PP-SC).
Integrante da bancada governista na CPI, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) diz também ver melhora na articulação política do Planalto, embora não tenha citado nenhum exemplo específico na conversa com a Folha. “Melhorou. Está fazendo um bom trabalho. A interlocução era fraca, ficou mais fortalecida.”
Senador de oposição, Paulo Rocha (PT-PA) discorda: “Só melhorou para eles [centrão], que avançaram no controle sobre Bolsonaro. Para o país, nada. É um governo nulo, ineficiente, inconsistente, inoperante, então essa mudança [ida de Ciro para a Casa Civil] só atende à sobrevida política do Bolsonaro”, afirma.
Um dos principais entraves que o governo enfrenta no Senado tem sido a demora na análise da indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro formalizou a escolha do advogado-geral da União em 13 de julho. Até hoje, porém, o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), não marcou data para sua sabatina.
Apesar de a articulação política de Bolsonaro ser a principal função de Ciro Nogueira, nesse caso o ministro integra um grupo, o centrão, que tem resistência a Mendonça.
Esse grupo avalia que o escolhido por Bolsonaro não se encaixa no perfil desejado, que é o de total oposição aos métodos adotados pela Lava Jato, operação que abalou o mundo político e que, hoje, está em contínuo processo de desgaste.
O preferido do centrão para a vaga no STF é o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Nos bastidores, parlamentares também reclamam que há problemas de execução de emendas do Orçamento destinada aos senadores, o que tem dificultado mais ainda a situação do Palácio do Planalto na Casa. A Casa Civil não se manifestou sobre as perguntas enviadas pela Folha.
Problemas do governo no Senado após a nomeação de Ciro Nogueira
– André Mendonça: Bolsonaro indicou o advogado-geral da União em 13 de julho. Até hoje o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), não marcou data para sua sabatina
– Impeachment de Alexandre de Moraes: O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), rejeitou em 25 de agosto o pedido de impeachment formalizado por Bolsonaro contra o ministro do Supremo Tribunal Federal
– Minirreforma trabalhista: O plenário do Senado derrubou em 1º de setembro, de forma acachapante (47 votos a 27), a medida provisória que criava três novos modelos de contratações, com menos direitos trabalhistas
– Devolução de MP: O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu ao governo, em 14 de setembro, a medida provisória editada por Bolsonaro que limita a remoção de conteúdo publicado nas redes sociais
– Vetos derrubados: o governo havia negociado com os parlamentares a manutenção do veto de Bolsonaro ao projeto que permite siglas se unirem em federação, mas o Congresso derrubou a decisão do presidente em 27 de setembro. Foram 45 votos no Senado (eram necessários 41). Nesse mesmo dia, o Senado e a Câmara derrubaram outros 11 vetos de Bolsonaro
– Reforma do Imposto de Renda: Uma das bandeiras de Paulo Guedes (Economia), projeto foi rapidamente aprovado na Câmara, em 1º de setembro, mas foi para a gaveta no Senado
– Privatização dos Correios: Câmara aprovou em 5 de agosto projeto que viabiliza a privatização. No Senado, texto está até hoje em tramitação da Comissão de Assuntos Econômicos, sem relatório apresentado ainda
– Marco das ferrovias: O Senado aprovou o projeto que permite que a iniciativa privada explore e construa ferrovias por meio de outorga de autorização, priorizando texto próprio e ignorando MP editada pelo governo em agosto
– CPI da Covid: Já em funcionamento antes da posse de Ciro Nogueira, que era titular da comissão, colegiado produziu relatório propondo indiciamento de Bolsonaro por 9 tipificações de crimes
– Meio ambiente: Câmara aprovou em maio projeto que flexibiliza licenciamento ambiental e, em agosto, o que facilita regularização de terras ocupadas. Os dois projetos ainda estão na fase de tramitação em comissões, no Senado
Por Ranier Bragon