Carta anônima de funcionários pede que CPI da Covid investigue a fundo distribuidora de vacinas
Carta enviada dá detalhes sobre os diretores das empresas VTCLog e Voetur
Uma carta enviada de forma anônima a senadores da CPI da Covid nesta terça-feira (7/9) dá detalhes sobre os diretores das empresas VTCLog e Voetur, cita sua suposta influência sobre o governo Jair Bolsonaro e pede que a comissão aprofunde essa linha de investigação, iniciada em julho.
A denúncia de funcionários da empresa, obtida pelo jornal Folha de S.Paulo, sugere que três das dez companhias do grupo não têm empregados e que uma das gestoras “possui em sua agenda reuniões com a base do governo, especificamente o atual vice-presidente, general [Hamilton] Mourão”, sem apresentar provas.
“A CPI precisa aprofundar não somente na VTCLog, mas em todo o grupo Voetur. Querem blindar a família Sá. A Zenaide [Sá Reis, responsável pelo setor financeiro] tem muitas informações, mas o Carlos Alberto de Sá [dono do grupo] possui contatos”, afirma o texto.
“A diretoria dessa empresa conta com um secretário/assessor que detém informações sérias. Luis Henrique é o nome dele, presta inúmeros favores a Andreia Lima, Raimundo Nonato Brasil e Ana Paula Sá, fora os demais diretores”, continua a carta.
O depoimento de Zenaide à CPI é um dos que ainda estão pendentes. A comissão corre o risco de terminar neste mês com pontas soltas e documentos sem análise, após uma pressão interna de senadores pela conclusão dos trabalhos para se esquivar de um eventual desgaste político.
Questionado sobre as acusações, o grupo Voetur afirmou que desconhece o teor da carta, que “rechaça veementemente o seu conteúdo leviano” e que buscará “as medidas judiciais cabíveis contra todas as falácias apontadas à imagem da empresa e de seus colaboradores”.
“Há mais de três décadas as empresas que compõem o grupo atuam na absoluta lisura de suas funções, tendo todos os contratos firmados na administração pública supervisionados por rigorosos processos de fiscalização e controle”, disse.
A empresa também encaminhou um documento do TCU (Tribunal de Contas da União) de “nada consta” no nome jurídico da VTC. A Vice-Presidência da República informou que não iria se manifestar sobre o assunto.
A VTCLog/Voetur é suspeita de manter um esquema de propina envolvendo Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, o que ambos negam.
Ela assumiu toda a logística de distribuição de vacinas, medicamentos e outros insumos do país em 2018, quando o ministro da Saúde era Ricardo Barros, hoje deputado federal (PP-PR) e líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Antes, quem fazia esse trabalho havia mais 20 anos era um órgão público, a Cenadi (Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos), que foi pega de surpresa na época. A justificativa foi que a privatização tornaria o serviço mais eficiente e barato.
Desde a mudança, porém, funcionários que recebem as remessas nos estados reclamam de problemas na logística, como itens errados, atrasos nas entregas e desorganização na comunicação, conforme a Folha de S.Paulo mostrou em reportagem citada na carta anônima.
“As chefias [da VTCLog] são em sua maioria pessoas da família Sá ou de muita confiança da família, mesmo que sem capacitação profissional para exercer tais funções. É comum o desvio de função dentro dos setores e a cultura organizacional é baseada no medo”, escrevem os denunciantes.
Eles afirmam também que a rotatividade de funcionários é acima da média, com trocas e exclusão do histórico das conversas dos celulares corporativos, e que é comum que empregados da empresa prestem serviços particulares para a família.
“Todos no âmbito corporativo reconhecem a influência do [dono] Carlos Alberto em esferas importantes da sociedade, o que proporciona facilitações em processos para a VTC. Foi na entrega das vacinas da Covid que houve também um boato interno de que a Drª Andreia poderia conseguir vacinas para a diretoria”, continuam.
Eles citam ainda que Elizabeth Cassaro, amiga íntima do dono e principal gestora de uma das empresas, a Voetur Eventos, de eventos corporativos, já teve reuniões com Mourão.
“Recentemente a empresa ficou em sexto lugar na disputa para licitação do Itamaraty (não sabemos apontar especificamente qual) e desclassificaram as demais concorrentes, priorizando e privilegiando a Eventos. […] Bastou uma ligação da Elizabeth para o responsável do Itamaraty e ele então conseguiu colocar a empresa de volta”, escrevem.
Na semana passada, um dos focos da CPI foi o depoimento do motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva, que foi filmado em uma agência bancária no momento em que boletos em nome de Roberto Dias eram pagos, em três datas de junho deste ano.
À comissão ele confirmou que frequentava o ministério, que chegou a entregar um pen-drive no mesmo andar onde Dias trabalhava e que realizava saques de até R$ 430 mil, mas disse não se lembrar quem eram os beneficiários dos boletos e negou relação com o ex-diretor.
A carta anônima enviada aos senadores diz que, quando o motoboy compareceu à sessão e a empresa voltou a ficar em evidência pública, o site principal da Voetur foi retirado do ar. Ao clicar no link, o internauta é encaminhado para a página da Voetur Turismo ATG, uma das companhias do conglomerado.
Isso, segundo os denunciantes, poderia ser uma tentativa de desvincular o grupo de suas outras empresas suspeitas. “Três das dez empresas do grupo podem ser empresas fantasmas. A maioria tem como principal fonte de renda o setor público”, escrevem.
Uma delas seria a Vip Service Club Marina, que de acordo com eles não oferece de fato os serviços náuticos que anuncia em seu site. A VTI Inovação e Logística e a Voetur Consolidadora, de turismo, também são citadas como “um mistério para o grupo”, pois não possuem funcionários e não se sabe ao certo suas reais funções.
Por Júlia Barbon