Calado sobre Guedes, Bolsonaro já falou de assalto e ciranda financeira ao tratar de paraíso fiscal

Os documentos fazem parte da Pandora Papers, investigação sobre paraísos fiscais

Ainda calado sobre a revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mantêm offshores em paraísos fiscais, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já fez críticas a autoridades que enviam recursos ao exterior.

Em 2003, quando era deputado federal pelo PTB, Bolsonaro disse que a elite política assalta o contribuinte e manda recursos para fora do Brasil.

Ele chamou de “ciranda financeira” as supostas aplicações na Suíça do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

“A elite política assalta o contribuinte, envia o dinheiro para um paraíso fiscal, que aplica no Brasil, e as autoridades que assaltaram o país fazem gestões para que os juros sejam mantidos altos”, disse Bolsonaro em discurso na Câmara, em 10 de setembro daquele ano, conforme registros de notas taquigráficas.

“Márcio Thomaz Bastos, que tem US$ 13 milhões investidos lá fora, pode ganhar por ano quase 15% sobre isso, ou seja, mais de US$ 1,5 milhão por ano. Essa é a grande verdade dessa ciranda financeira, fruto da corrupção”, afirmou ainda.

A existência das offshores de Guedes e Campos Neto foram revelada neste domingo (3) por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ.

Os documentos fazem parte da Pandora Papers, investigação sobre paraísos fiscais promovida pelo consórcio.

Os investimentos podem caracterizar conflito de interesses, segundo especialistas, e já levantam questionamentos entre congressistas.

No discurso, o então deputado não usa o termo “offshore”, mas critica uso de conta na Suíça e em paraísos fiscais. Procurado, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou sobre as contas de Guedes e Campos Neto.

“Por que colocou o dinheiro na Suíça? Por que quis gerar emprego para os olhos azuis, já que defende tanto os negros em nosso País?”, questionou Bolsonaro em 2003.

“Será que foi para aplicar na caderneta de poupança, como faz o nosso tão desgraçado povo? Não”, afirmou ainda.
Bolsonaro, na Câmara, ainda disse que o dinheiro levado ao exterior “só vai garantir o bem-estar do povo daquele país”.

“São autoridades como o ministro Márcio Thomaz Bastos, que tem poder nesta República e também teve no passado, que fazem com que os juros aqui continuem altos”, declarou o então deputado.

No discurso, Bolsonaro afirma que dados sobre movimentações de Thomaz Bastos haviam sido divulgados pela imprensa, mas não dá detalhes. Ele disse que o advogado “resgatou parte desse dinheiro: U$ 13 milhões”.

Em 2005, durante apurações da CPI dos Correios, Thomaz Bastos informou à PGR (Procuradoria-Geral da República) que fez quatro transferências à Suíça, que somam R$ 15,5 milhões, entre 1994 e 2003.

Também afirmou que pagou R$ 1,09 milhão de impostos à Receita Federal e registrou as movimentações no Banco Central. O ex-ministro da Justiça morreu em 2014 aos 79 anos.

No caso de Guedes e de Campos Neto, a Receita foi informada sobre as offshores. No entanto, há um questionamento adicional, o conflito de interesse.

Ambos ocupam cargos públicos que lhes dão acesso à elaboração das leis que tratam como o Brasil vai lidar com esse tipo de empresa, bem como das regras que regem o fluxo de recursos entre o país e o exterior.

Segundo as reportagens, Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal.

Em 2015, ela tinha US$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 51 milhões, em valores atuais), detalham as reportagens. Em sua resposta às reportagens o ministro não deixa claro se enviou recursos à offshore após assumir a pasta.

Offshore é um termo em inglês usado para definir uma empresa aberta em outros países, normalmente locais onde as regras tributárias são menos rígidas e não é necessário declarar o dono, bem como a origem e o destino do dinheiro.

Não é ilegal ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal, mas a falta de transparência desse tipo de empresa faz com que, frequentemente, elas sirvam para fins ilícitos, como ocultação de patrimônio.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), considerou os fatos como um “escândalo”, que violam o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, e afirmou que eles deveriam levar à demissão do ministro.

Este artigo proíbe “investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas”.

Em nota, o Ministério da Economia disse que toda atuação privada de Guedes antes de entrar no governo foi devidamente declarada à Receita, Comissão de Ética pública e aos demais órgãos competentes.

“O que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade”, disse o ministério.

“Desde que assumiu o cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão. Cumpre destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já atestou a idoneidade e capacidade de Paulo Guedes exercer o cargo, no julgamento de ação proposta pelo PDT contra o Ministro da Economia”, afirmou ainda a pasta.

Já Campos Neto afirmou, também em nota, que seu patrimônio foi construído com rendimentos ao longo de 22 anos de trabalho no mercado financeiro, inclusive com funções no exterior.

“As empresas foram constituídas há mais de 14 anos. A integralidade desse patrimônio, no País e no exterior, está declarada à Comissão de Ética Pública, à Receita Federal e ao Banco Central, com recolhimento de toda a tributação devida e a tempestiva observância de todas as regras legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos”, afirmou.

“Não houve nenhuma remessa de recursos às empresas após minha nomeação para função pública. Desde então, por questões de compliance, não participo da gestão ou faço investimentos com recursos das empresas”, disse.

Texto: Mateus Vargas

Sair da versão mobile