Brasil é 142º no ranking de participação de mulheres na política – Mais Brasília
FolhaPress

Brasil é 142º no ranking de participação de mulheres na política

Pela lei brasileira, os partidos são obrigadas a destinar 30% de suas vagas a mulheres

“Vou te tratar como homem”, ameaça um vereador. “Você gosta de ficar superior ao homem”, vocifera um deputado estadual. “Você não vai falar coisa nenhuma aqui”, censura outro vereador. Dirigidas a parlamentares do sexo feminino durante sessões plenárias, essas frases ilustram cenas de violência contra mulheres dentro de suas casas legislativas.
Até agora, nenhum dos autores dessas afirmações foi punido pelos colegas de Parlamento.

Dentre 192 países, o Brasil ocupa a 142ª posição do ranking internacional de participação de mulheres na política. A vizinha Argentina figura em vigésimo lugar nessa classificação, que é elaborada pela União Interparlamentar com base na composição dos parlamentos de cada país na esfera federal. Na América Latina, só o Haiti fica atrás do Brasil na lista, que foi atualizada em outubro.

No Brasil, as mulheres representam 15% da Câmara de Deputados, enquanto a bancada de senadoras eleitas em 2018 corresponde a 11,54% da Casa. Em 2018, foram eleitas 161 deputadas estaduais, o equivalente a 15,56% do total.

O número de vereadoras eleitas em 2020 (898) corresponde a apenas 16,51% dos assentos das câmaras municipais, embora as mulheres representem 52,50% do eleitorado.
Pela lei brasileira, os partidos são obrigados a destinar 30% de suas vagas a mulheres, com distribuição proporcional de recursos para campanha.

Um estudo realizado pelo Instituto Marielle Franco concluiu que 98,5% das candidatas negras sofreram mais de um tipo de violência política na disputa eleitoral de 2020. Segundo a pesquisa, para a qual foram ouvidas 142 candidatas negras em 21 estados, 78% delas foram alvo de violência virtual. Mais da metade (62%) respondeu ter sofrido violência moral e psicológica, enquanto 42% relataram violência física e 32%, sexual.

Ainda segundo a pesquisa, pouco mais de 32% das candidatas tiveram coragem de denunciar as agressões. Mas 70% afirmam que as denúncias não surtiram efeito. Os percalços atingem também as ocupantes de cargos eletivos.

Em Niterói (RJ), a vereadora Verônica Lima (PT) registrou ocorrência contra o colega Paulo Eduardo Gomes (PSOL), a quem acusa de homofobia e de intimidação durante reunião de líderes da Câmara Municipal.

O embate começou quando Verônica questionou Gomes por ter apresentado um projeto com teor semelhante a uma proposta de sua autoria.
Diante dos demais líderes , a vereadora perguntou a Gomes por que seu projeto estava parado desde setembro de 2019 na comissão que é presidida por ele.

Gomes lançou dúvidas sobre a constitucionalidade da proposta dela. Em resposta, ela lembrou que o projeto já tinha sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Segundo Verônica, Gomes se exaltou e se lançou em sua direção quando ela também subiu o tom de voz pedindo que ele parasse de gritar. “Você quer ser tratada como homem, então vou te tratar como homem”, disse ele, sendo contido por colegas.

“Foi assustador. Encostei na parede. Ele se projetou na minha direção. Saí de lá aos prantos”, conta ela.
Primeira mulher negra eleita para a Câmara de Niterói, Verônica diz que sofreu violência por ser lésbica, mas foi orientada a registrar o caso como “injúria” e “constrangimento ilegal”.

O vereador se desculpou e foi punido pelo PSOL com suspensão das atividades parlamentares por 60 dias, corte do salário, e comparecimento obrigatório em curso de formação do partido. Mas a Comissão de Ética da Câmara ainda não se manifestou sobre o caso.

“Sigo em um processo de reciclagem e aprendizado permanente com o partido e com toda a militância. Cometi um erro, mas a frase foi distorcida e não houve nenhuma menção à violência física. Este conteúdo será debatido judicialmente. No entanto, independente disso, reitero que me arrependo profundamente da frase dita em meio a uma discussão acalorada”, diz o vereador.

Ex-chefe de gabinete e sucessora política da vereadora Marielle Franco –assassinada em março de 2018–, a deputada estadual Renata Souza (PSOL) chora ao recordar o papel da amiga em sua trajetória profissional. Ela conta, por exemplo, que Marielle foi fundamental para que obtivesse bolsa integral para cursar jornalismo na PUC-RJ.
Foi Marielle quem articulou a reunião em que

Renata se apresentaria à comissão responsável para análise de seu currículo para concessão de bolsa, recomendando que a hoje deputada procurasse uma pessoa.

Chegando à faculdade, que fica na Zona Sul do Rio, Renata foi informada que a pessoa indicada por Marielle não estaria no prédio. Desesperada e sem crédito para o celular, telefonou a cobrar para Marielle, que insistiu para que Renata não desistisse.

“Se hoje fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado, eu devo a Marielle. Ela não pediu para eu ficar. Ela mandou”, relembra.
Cria do Complexo da Maré, Renata também se emociona ao contar que sua casa abrigou reuniões políticas determinantes para o destino político de Marielle e do deputado federal Marcelo Freixo, hoje no PSB.

Na casa onde nasceu e foi criada, ela relata as ameaças que passou a receber depois de sua eleição para a Assembleia Legislativa do Rio.
“Depois que fui eleita a mais votada do campo da esquerda do Rio, no dia seguinte da votação, já tinha diversas ameaças nas nossas redes sociais, desde xingamento machistas, racistas… Recebo muita coisa do tipo ‘presta atenção no que está falando, Marielle morreu porque falou isso'”, diz.
A deputada, de 39 anos, passou a contar com escolta após sua eleição para Alerj.

“Não vou morrer. Não serei uma presa fácil”, repete.
Além da escolta e de uso de carro blindado, Renata teve que deixar a Maré. “Talvez essa tenha sido a coisa mais difícil para mim. Porque é aqui que consolidei toda a minha vida. Com toda dificuldade que se tem, desigualdade social, é aqui que eu bati minha laje”, afirma ela, acrescentando que não saiu da Maré por causa da violência dentro da favela, mas dos riscos que poderia correr a caminho dela.
Já na Alerj, Renata enfrenta oposição incisiva do bolsonarista Rodrigo Amorim (PSL), o mesmo que, durante a campanha de 2018, quebrou uma placa em homenagem a Marielle.

Em plenário, Amorim já chegou a sugerir que a deputada tirasse vantagens financeiras (“capilés”) da morte de vereadora. Em plenário, o deputado também sugeriu que Renata fosse submetida a uma inspeção sanitária após volta de um seminário na Espanha em março de 2020, no início da pandemia.

O bolsonarista disse ainda que a deputada queria ser superior aos homens, além de “mimada” e “nariz empinado”.
Renata, que já foi comparada a uma bruxa por um aliado de Amorim, entrou com uma representação contra o adversário por quebra de decoro parlamentar.
Amorim disse receber com alegria tudo que venha contra ele da deputada Renata Souza e de seu partido.

“Sou um declarado opositor do partido dela e refuto essas acusações de violência contra a mulher na política. O problema é que todas as vezes que eu refuto qualquer ideia -e aqui peço aspas para ‘ideia’- ela usa o recurso do vitimismo para tentar vencer o debate. Sempre serei contra as ideias que representam ameaças aos valores da família.”

Segundo Amorim, essa representação surgiu quando ele questionou o lucro que seu guru político, o deputado Marcelo Freixo, obteve com a morte de Marielle Franco, “principalmente vendendo-a como obra para uma empresa de streaming”.

A história de vereadora foi contada em uma série documental lançada em 2020 e está sendo transformada em um projeto de ficção pela Globoplay, com produção executiva de Antonia Pellegrino e José Padilha e direção de Jeferson De.

Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro sancionou lei para combater violência política contra mulheres. A lei prevê pena de um a quatro anos de prisão, além de multa, para quem “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.
A lei não determina o canal para realização de denúncias.

Em outubro, uma sessão da Câmara de Vereadores da pequena cidade de Pedreiras, com pouco mais de 20 mil eleitores, no Maranhão, ganhou projeção nacional e virou caso de polícia, sendo encaminhado à Justiça.
O vereador Emanuel Nascimento (PL) avançou sobre a colega Katyane Leite (PTB) e arrancou o microfone, impedindo que ela contestasse uma afirmação feita por ele: de que ela teria votado contra a cessão de um terreno federal para a construção de um parque na cidade.

A vereadora, que havia pedido vista ao projeto, tendo votado em seu favor, cobrava respeito do colega, quando foi interrompida.
“Você não vai falar coisa nenhuma aqui”, gritou Nascimento, após levantar-se da cadeira e arrancar por duas vezes o microfone das mãos de Katyane.
“Fiquei com medo. Achei que fosse me bater. Apenas levantei o braço”, diz Katyane.

A vereadora apresentou representação Ministério Público e ao conselho de ética da Câmara. Como ela requereu a cassação do mandato de todos os integrantes da mesa-diretora da Casa, o pedido foi rejeitado pelos vereadores. Foi instaurado um inquérito policial, que já foi encaminhado à Justiça.
Procurado, o vereador não atendeu à Folha. À Polícia, disse que tomou uma atitude impensada, atribuindo seu comportamento a hipertensão e diabetes. Nascimento disse ainda que toma 12 remédios diariamente e que está completamente arrependido.

DENUNCIE
Vítimas podem denunciar eventos de violência política nos Parlamentos em que atuam ou em delegacias de polícia.
Mulheres também podem reportar agressões pelo Ligue 180 (basta teclar 180 de qualquer telefone fixo ou celular). O serviço está disponível 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.
A ligação é gratuita.

Por Cátia Seabra e Mathilde Missioneiro