Bolsonaro repete 2018 e ignora política para negros em programa de governo
Presidente cita ações para quilombolas e indígenas, mas desconsidera medidas pró-igualdade racial e LGBTQIA+
Assim como ocorreu em 2018, o programa de governo de Jair Bolsonaro (PL) para as eleições deste ano não traz políticas voltadas à população negra no país, destoando de seus principais adversários na corrida ao Palácio do Planalto em 2022. Também não há no documento ações dirigidas ao público LGBTQIA+.
Conforme a Lei das Eleições, o prazo máximo para protocolar o programa de governo terminou em 15 de agosto, junto com o registro das candidaturas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Nada impede, no entanto, que os candidatos detalhem seus planos até a eleição.
Nas 48 páginas do documento, não há propostas para tentar combater desigualdades enfrentadas pela população negra. Procurada, a campanha do presidente não respondeu a questionamentos da Folha.
Em seu programa, o presidente ressalta a implementação de políticas públicas voltadas para a inserção do jovem e da mulher no mercado de trabalho de forma justa e assertiva e “a igualdade de salários entre homens e mulheres que desempenham a mesma ocupação laboral”.
Apesar da menção, em 2016 Bolsonaro disse que não empregaria homens e mulheres com o mesmo salário. “Mas tem muita mulher que é competente”, afirmou ele ao programa SuperPop, apresentado por Luciana Gimenez, na RedeTV!.
De acordo com informativo do IBGE divulgado em 2021 com base em dados da Pnad Contínua de 2019, as mulheres ganhavam 78% do rendimento médio mensal dos homens no país.
Outro estudo do IBGE com dados de 2018 mostrou que trabalhadores brancos possuíam, em média, renda 74% superior à de pretos e pardos.
Apesar da disparidade semelhante nas duas bases de comparação, o tratamento dispensado pelo presidente é distinto para os dois segmentos.
Para mulheres, Bolsonaro cita propostas para capacitação profissional, estímulo ao emprego e fomento ao empreendedorismo feminino. Diz ainda que, se reeleito, reforçará ações como a ampliação de creches no contraturno escolar.
Também menciona leis contra feminicídio e de proteção às mulheres aprovadas pelo Congresso e afirma que uma próxima gestão dará “efetividade à implementação dessas leis”.
Não há, porém, menção a negros e pardos no plano de governo. Levantamento do IBGE com base na Pnad Contínua de 2019 mostra que 70% das pessoas abaixo das linhas de pobreza estabelecidas pelo Banco Mundial —entre US$ 3,20 e US$ 5,50 por dia, segundo o padrão de renda do país— são negros ou pardos.
O presidente aborda, no programa, propostas para a população mais pobre.
Bolsonaro afirma que a promoção de oportunidades de acesso aos serviços sociais básicos constitui uma “poderosa ferramenta nos propósitos de avançar no desenvolvimento humano, na diminuição das desigualdades sociais e no enfrentamento dos problemas derivados da pobreza e da exclusão social.”
No plano de governo, a palavra raça aparece uma única vez, em trecho que fala sobre promoção e fortalecimento da justiça ambiental.
Bolsonaro detalha o conceito que “prega o tratamento justo e o envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de raça, cor, nacionalidade ou renda, no que diz respeito ao desenvolvimento e à implementação de leis, regulamentos e políticas ambientais.”
No início de seu mandato, outra vez em entrevista a Luciana Gimenez, Bolsonaro afirmou que “racismo, no Brasil, é coisa rara”. Também como presidente, repetiu que negro é pesado em arrobas, como é feito com animais.
Antes de assumir o Planalto, Bolsonaro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República e condenado pela Justiça de primeira instância por ter afirmado que visitou uma comunidade quilombola e que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” e que “nem para procriador ele serve mais”.
Em 2020, também citou peso em arrobas para se referir ao deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ), também conhecido como Hélio Negão, um de seus aliados mais próximos no Congresso. O presidente também já disse que o parlamentar, que é negro, havia dado uma “queimadinha”.
Em seu governo, Bolsonaro nomeou Sérgio Camargo para presidente da Fundação Palmares, cargo que ocupou até abril, quando saiu para se lançar candidato a deputado federal. Camargo já se referiu a críticos como “afromimizentos” e “negrada vitimista” e afirmou que o racismo é o menor dos desafios do Brasil.
Não há também qualquer proposta para combater a discriminação enfrentada pela população LGBTQIA+. O presidente costuma usar expressões homofóbicas e transfóbicas para se referir a esse público.
Em evento realizado em julho, defendeu que “Joãozinho seja Joãozinho a vida toda”, que “Mariazinha seja Maria a vida toda” e repetiu que seu modelo de família é composto por “homem, mulher e prole”.
Em 2019, em conversa com jornalistas, afirmou: “Quem quiser vir aqui [ao Brasil] fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. O Brasil não pode ser um país de turismo gay. Temos famílias”.
Após ignorar indígenas e quilombolas no plano de governo de 2018, Bolsonaro cita os grupos no programa atual. O texto afirma que ambos são parte importante da população e que devem “ser respeitados em sua culturalidade e tradições características, desde que não impliquem em violações de direitos humanos”.
Durante seu governo, o presidente sofreu pressão internacional por suas políticas e falas contra os povos originários, chegando a ser denunciado por instituições ao TPI (Tribunal Penal Internacional).
Três dos principais adversários de Bolsonaro na disputa pelo Planalto trazem propostas para igualdade racial e para a população LGBTQIA+.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, promete um pacote de políticas públicas para promover a igualdade racial e combater o racismo estrutural, “indissociáveis do enfrentamento da pobreza, da fome e das desigualdades, e que garantam ações afirmativas para a população negra e o seu desenvolvimento integral nas mais diversas áreas”.
O petista fala em adotar políticas que revertam a “política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento”, e combatam a “violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro”.
Também defende a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais em universidades e nos concursos públicos federais e se diz comprometido com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, dos quilombolas e das populações tradicionais.
Na mesma linha, Ciro Gomes (PDT) diz em seu plano querer aumentar o acesso de negros a universidades e cargos públicos. Também cita linhas de crédito específicas e reserva de recursos oriundos da Lei Rouanet. Defende ainda respeito à população e às reservas indígenas, além de capacitação de médicos para atendimento das enfermidades indígenas.
Simone Tebet (MDB), por sua vez, promete estabelecer uma política nacional de equidade racial e quer ampliar o sistema de cotas e ações afirmativas. A emedebista também afirma que pretende aumentar a participação de negros em cargos de primeiro escalão do governo, além de prometer medidas para combater o racismo e as desigualdades e para proteger a população originária.
Por Danielle Brant e Renato Machado