Bolsonaro protege apoiadores e militares, impõe vetos, mas revoga Lei de Segurança Nacional
Presidente veta punição por fake news e aumento de pena a crime contra Estado de Direito cometidos por militares
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou parcialmente o projeto aprovado no Congresso que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito que revoga a LSN (Lei de Segurança Nacional) -um resquício da ditadura militar (1964-1985).
A decisão do presidente inclui veto a cinco trechos. Ao menos dois deles, podem beneficiar parcela de apoiadores do presidente -comunicação enganosa em massa e o aumento de pena quando os crimes contra o Estado de Direito forem cometidos por militares ou outros agentes públicos.
Os vetos ocorrem a menos de uma semana das manifestações de 7 de Setembro, marcadas em apoio ao presidente e que têm gerado apreensão em críticos por conta de motes golpistas que devem pautar o ato.
Bolsonaro recuou do veto ao artigo 4º do projeto de lei, que revogava a LSN. Como a Folha mostrou, auxiliares militares o pressionavam neste sentido. Eles argumentavam que a derrubada da LSN atentaria contra a soberania nacional.
O texto foi enviado à sanção presidencial pelo Senado em 12 de agosto. A discussão da matéria pelo Congresso ocorreu em meio à escalada de declarações golpistas de Bolsonaro, que chegou a colocar em dúvida a realização de eleições em 2022.
Caberá ao Congresso manter ou derrubar os vetos presidenciais, mas não há prazo para essa análise.
O crime de comunicação enganosa em massa -espalhar ou promover fake news que possam comprometer o processo eleitoral -foi vetado pelo presidente, como a Folha de S.Paulo havia antecipado na última terça-feira.
O argumento do Planalto é que a proposta não deixa claro se a conduta criminosa seria de quem gerou ou compartilhou as informações falsas. Ele aponta também a insegurança jurídica na definição sobre o que é compreendido como inverídico ou não.
De acordo com o veto, “o ambiente digital é favorável à propagação de informações verdadeiras ou falsas”. O Congresso aprovou pena de um ano a cinco meses de reclusão, mais multa, a quem cometer o crime de comunicação enganosa em massa.
“[A proposição legislativa] Enseja dúvida se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível”, diz o veto.
“A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraquece”.
Aliados de Bolsonaro avaliaram que o trecho do projeto poderia ser utilizado contra o próprio presidente, um dos alvos do inquérito das fake news no STF (Supremo Tribuna Federal).
Outro veto foi ao artigo que criminaliza o atentado ao direito de manifestação. O argumento do chefe do Executivo é a dificuldade de caracterizar o que é manifestação pacífica, “o que geraria grave insegurança jurídica para os agentes públicos das forças de segurança responsáveis pela manutenção da ordem”.
O presidente vetou ainda o aumento de pena quando os crimes contra o estado de direito forem cometidos por militares ou outros agentes públicos.
“Viola o princípio da proporcionalidade, colocando o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais, além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”, diz o veto.
Durante a tramitação do projeto, senadores governistas, incluindo Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), pressionaram para a exclusão de dois itens em especial: o que prevê aumento de pena quando os crimes forem cometidos por militares e o que criminaliza o atentado a manifestações.
Aprovada em 1983, ainda na ditadura, a LSN é vista por muitos como um entulho autoritário. Se o presidente insistisse em mantê-la, enfrentaria desgaste no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os parlamentares trabalham nos últimos num texto para substituir a norma que vinha sendo usada tanto contra críticos do governo Bolsonaro quanto em investigações que miram bolsonaristas em ataques ao STF e ao Congresso, como os inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
Em março deste ano, entidades acionaram o STF alegando a inconstitucionalidade da LSN. Ela foi utilizada contra figuras críticas ao presidente, como o youtuber Felipe Neto. Também foi utilizada contra o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).
Diante da sinalização do Congresso de rever a lei, as ações estacionaram na Corte. O relator no tribunal é o ministro Gilmar Mendes.
Por Marianna Holanda e Cristina Camargo