Bolsonaro perde apoio entre gamers, uma de suas bases mais sólidas desde o início
Jair Bolsonaro, aliás, não tem mais abraçado gamers como costumava fazer no início do mandato
EDUARDO MOURA
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – “Se fizer campanha, vai tomar ban.” Um dos maiores streamers de games do mundo, o brasileiro Alexandre Borba, o Gaules, deu esse ultimato numa live no fim do mês passado. Quem falasse bem de Jair Bolsonaro estava expulso da transmissão.
A mensagem era destinada à sua legião de fãs, a quem chama de tribo. “Agora, pedir para que uma pessoa que não tem a mínima empatia não esteja à frente de uma nação… Cara, eu acho que é isso que a gente busca todos dias.” Era um Gaules bem diferente do de 2018, quando o streamer declarou apoio ao então deputado do baixo clero.
Jair Bolsonaro, aliás, não tem mais abraçado gamers como costumava fazer no início do mandato. Não porque está internado e nem por causa de medidas de distanciamento social – afinal sempre foram abraços virtuais, via Twitter.
Hoje, o presidente está vendo uma crescente míngua de apoiadores dentro da comunidade gamer, sobretudo entre seus influenciadores.
Há dois anos, o cenário era outro. “Boa tarde, querido presidente, mande um abraço para os gamers do Brasil”, pediu um tuiteiro, em 2019. Três minutos depois, o desejo foi atendido –”gamers do Brasil, um forte abraço!”, postou a conta oficial de Jair Bolsonaro, seguido de um joinha.
Alguns ficaram enciumados. “Jair, manda um abraço para os humoristas!”, sugeriu um seguidor. Mas não, aquele abraço era só para os amantes de joguinhos eletrônicos.
Mesmo que não faça mais afagos virtuais como fazia há dois anos, Bolsonaro ainda tenta agradar a comunidade.
Na semana passada, anunciou uma redução de imposto de importação para o setor. Será a terceira medida de redução tributária para games.
Não tem adiantado muito. Só a PlayStation aumentou recentemente em cerca de 30% o preço de seu serviço de assinatura, além do aumento no valor de uma porção de jogos.
A PlayStation diz, em nota, que o reajuste nos preços “está alinhado à constante avaliação das condições de mercado”.
Voltemos a Gaules. “Um presidente que está fazendo um péssimo trabalho, que não é empático em nada, um presidente que vai contra todos os valores que a gente prega aqui dentro da tribo.”
Gaules talvez seja o mais eloquente, mas não é o único entre as celebridades gamers a ter se distanciado de Bolsonaro.
Em março do ano passado, após o pronunciamento em que o presidente minimizou a pandemia e falou de seu histórico de atleta, um famoso atleta digital bateu o pé. Anteriormente simpático ao presidente, Gabriel Toledo, o FalleN, veio a público dizer que aquela fala de Bolsonaro era um “tiro no pé”, que a crise do coronavírus era grave e que quem pudesse deveria ficar em casa.
Cenário diferente de 2019, quando Bolsonaro ligou pessoalmente para FalleN. A pauta da conversa era a redução de impostos sobre games e o clima era de camaradagem.
A condução do país em meio à pandemia desencadeou uma série de críticas de streamers e players profissionais que antes não falavam de política ou eram pró-Bolsonaro. Isso, porém, não significou uma virada massiva para a esquerda ou um rompimento definitivo com o bolsonarismo.
Segundo Thiago Falcão, que pesquisa cultura gamer na Universidade Federal da Paraíba, “nesse domínio cultural, cada vez mais as pessoas, sobretudo as que eram isentas, estão se posicionando de alguma forma”, mas esse é um fenômeno mais restrito ao mainstream.
Na opinião dele, o Gaules paz e amor tem um pé no mercado. “Nos últimos anos, ele cresceu muito em termos de seguidores e de importância no cenário. Ele se profissionalizou e amenizou o discurso.”
Mas Falcão também diz crer que Bolsonaro ainda tem tração em muitos nichos gamers. Junto com policiais e evangélicos, os jogadores são uma das principais demografias do bolsonarismo, afirma o professor.
O comportamento de grupos de gamers direitistas na internet, aliás, tem muito a ver com a forma como os bolsonaristas agem hoje nas redes sociais – memes, estética tosca, movimentos de manada.
Não por acaso, há muita sintonia entre os fãs de videogames e a gênese bolsonarista.
“O bolsonarismo de 2014 a 2018 era muito forte de meme. O público coincide muito –homem de 16 a 24 anos que estava de saco cheio, que queria alguém que quebrasse esse ciclo do politicamente correto”, afirma o deputado gamer Kim Kataguiri, do DEM.
E, não por acaso, há também um movimento de direitistas se voltando contra Bolsonaro.
“As mesmas razões que levam os políticos de direita a romper com o Bolsonaro levam os streamers. Traição das pautas, seja na agenda econômica, corrupção, combate à pandemia”, diz Kataguiri.
Gaules pode não ter passado a cantar o hino da Internacional Comunista em suas lives. Mas adotou o discurso moderado.
Prova disso é uma polêmica recente. Em março deste ano, o perfil Gamer Antifa desenterrou um vídeo antigo, de 2019, em que Gaules criticava o Movimento Sem Terra.
O Gaules de hoje em dia, mais endinheirado e melhor assessorado, quis se retratar.
“Gaules entendeu que errou e se desculpou, manifestando inclusive a vontade de conhecer pessoalmente integrantes do MST. Gaules reforça ainda que é contra a censura, o que inclui a do perfil Gamer Antifa”, afirma a equipe do streamer, por meio de uma nota.
O perfil que fez a crítica a Gaules, porém, acabou sendo banido da rede. O Twitter afirma que “a suspensão permanente foi aplicada por violar a política contra propagação de ódio”, o que Anderson Patrocínio, o Gamer Antifa, nega.
Sobre as falas anti-Bolsonaro, Gaules não se manifestou.
Mas, com a crescente profissionalização desses gamers, há cada vez menos tolerância a falas ofensivas no meio.
“As marcas e os times de e-sports têm punido de forma impiedosa manifestações reacionárias, racistas, misóginas”, diz Falcão, o pesquisador.
Essa demografia do jovem branco agressivo, tradicionalmente associada a games, pode ser um obstáculo para o alcance de novos públicos. Por isso, a moralização dos gamers segue uma fórmula. “Diversidade é igual a dinheiro.”