Bolsonaro negocia com Senado acordos para destravar indicações
FolhaPress

Bolsonaro negocia com Senado acordos para destravar indicações

A oposição resiste a boa parte dos nomes da lista, que embute o aparelhamento pelo governo e um jogo de apadrinhamento político

O desgaste político de Jair Bolsonaro levou o presidente a negociar com o Senado para destravar as sabatinas de indicados a órgãos de controle da magistratura e do Ministério Público, agências reguladoras e postos no exterior. A oposição resiste a boa parte dos nomes da lista, que embute o aparelhamento pelo governo e um jogo de apadrinhamento político.

Nos bastidores, diversos senadores põem em xeque o sistema de escolha para os cargos na administração pública. Na avaliação deles, as articulações políticas do governo com sua base de apoio nas duas Casas acabou transformando as sabatinas em um processo “pró-forma”, e o Senado, em uma “agência de reserva de emprego”.

Foi o que disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) no fim do ano passado, quando o governo se antecipou e indicou Jorge Oliveira para a vaga de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) sem que o posto estivesse vago.

Na ocasião, o senador recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a sabatina por entender que a indicação prematura era uma forma de constranger o Senado.

Dentre os indicados do momento, alguns já aprovados na sabatina, há militares, juízes envolvidos com pessoas que foram alvo de investigações da Polícia Federal, advogados sem experiência na área em que atuarão e até servidores ligados a políticos do centrão hoje alvo das investigações sobre irregularidades na compra de vacinas contra o coronavírus.

O escrutínio para os cargos ocorre no momento em que Bolsonaro lançou o advogado-geral da União, André Mendonça, ao STF. Nos bastidores, seu nome sofre críticas de parte dos ministros do Supremo.”

Sempre que se abre uma oportunidade na administração pública, interessados costumam procurar políticos próximos ao governo em busca de apoio.

Nas agências reguladoras, uma vez aceito pelo Senado, o indicado passa a ter mandato e, por isso, não pode ser destituído por questões políticas.

Nos órgãos de controle da Justiça e do Ministério Público Federal, o arranjo para as nomeações é político no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), feito pelas bancadas do Congresso. No CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), há uma lista tríplice entregue ao procurador-geral, que escolhe o nome e envia para o Senado.

No CNMP, colegiado que investiga os procuradores, houve resistência a diversos dos indicados.

Pesou contra o corregedor nacional do órgão, Rinaldo Reis Lima, o fato de ter orientado a ex-procuradora-geral de Justiça da Bahia Ediene Lousado, investigada na Operação Faroeste, sobre a possibilidade de o órgão abrir uma apuração contra um promotor que atuava no caso. A Faroeste investigou venda de sentenças judiciais.

No passado, o atual ouvidor, Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, envolveu-se em um inquérito aberto por sua mulher por supostas agressões. O processo, que foi arquivado, voltou a ser assunto das rodas de conversa dos senadores porque hoje Lima Neto é responsável pelo programa de denúncias contra mulheres do CNMP.

Contra o juiz Paulo Marcos de Farias houve queixas de que ele apareceu nas conversas divulgadas pelo site Intercept interagindo com procuradores da Lava Jato que buscavam informações sigilosas sobre o andamento de processos no Supremo.

Sobre o atual secretário do CNMP, o militar Jaime de Cassio Miranda, que se diz amigo de Bolsonaro e antes tentou ocupar a própria PGR no lugar de Augusto Aras, não passou despercebida a concessão da mais alta honraria do Ministério Público Militar para Sergio Moro e Deltan Dallagnol quando Miranda comandava o órgão.
Posteriormente, os julgamentos de Moro contra o ex-presidente Lula na Lava Jato foram considerados parciais pelo STF, e Dallagnol teve dezenas de processos instaurados no CNMP por supostas irregularidades de conduta na Lava Jato. Mais de 20 desses processos foram arquivados por Rinaldo Reis Lima.

Um dos aprovados em sabatina, Engels Augusto Muniz teve de explicar aos senadores um prejuízo de R$ 10,9 milhões causado aos Correios devido a um contrato sem licitação com a Accenture. Engels e os demais conselheiros da estatal aprovaram o negócio e foram considerados culpados por uma auditoria feita pela corregedoria da empresa.

Engels é ligado ao ex-ministro do governo Michel Temer (MDB) Gustavo Rocha (Direitos Humanos), tendo sido indicado por Eduardo Braga (AM), líder no Senado do partido do ex-presidente. Em sabatina, também foi cobrado pelo senador Esperidião Amin por ter apenas um título de graduação em direito, tendo em vista que o cargo exige notório saber jurídico.

Para o CNJ, a maior controvérsia ocorreu em torno do advogado Mario Henrique Nunes Maia. Filho do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Napoleão Nunes Maia, Mario se formou em advocacia em 2012 e só conseguiu ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil em 2019.

A Associação dos Servidores do CNJ (Asconj) chegou a ingressar com um mandado de segurança no STF para impedir a sabatina de Nunes Maia sob o argumento de ausência de “requisito de notável saber jurídico” para a vaga. O pedido não foi acolhido. O advogado foi sabatinado e aprovado.

Nas agências reguladoras, havia pendência para a Antaq (transportes aquaviários), a ANTT (transportes terrestres), a Anatel (telecomunicações), a ANS (saúde), a Anvisa (vigilância sanitária), a ANM (mineração) e a ANP (petróleo), entre outras.

A paralisação ocorreu porque o Congresso, especialmente o Senado, queria fazer indicações de nomes, segundo pessoas que participaram das negociações. Na ANTT, por exemplo, dois indicados pela Infraestrutura foram recusados e substituídos por “nomes de consenso”. Um deles é ligado ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Bolsonaro escolheu Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho para o cargo de diretor-presidente. Diretor de Normas e Habilitação das Operadoras, ele foi indicado para a chefia da agência no fim de 2020 e passaria pela avaliação do Senado na primeira semana de julho.
O Planalto retirou o nome no momento em que a CPI da Covid convocou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, a prestar depoimento sobre seu envolvimento em supostas irregularidades na compra de vacinas da Índia.

Rebello Filho foi chefe de gabinete de Barros no Ministério da Saúde quando o deputado comandou a pasta no governo do ex-presidente Michel Temer.

Líderes dos partidos do centrão saíram em defesa de Barros junto ao Planalto, e Rebello voltou a ser indicado. Ele já assumiu o comando da ANS.

Segundo diplomatas ouvidos sob anonimato, o jogo de apadrinhamento também envolveu os indicados a postos importantes no exterior. Aqueles que se alinharam à doutrina do ex-chanceler Ernesto Araújo teriam sido enviados para países estratégicos.

Um deles, Otávio Brandelli, foi aprovado para ser representante do Brasil na OEA (Organização dos Estados Americanos). Amigos do diplomata afirmam, no entanto, que Brandelli jamais leu um livro de Olavo de Carvalho, que exerceu influência sobre Araújo.

As embaixadas de menor projeção ficaram com os diplomatas de carreira que não se renderam aos novos princípios.

Por meio de sua assessoria, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça, disse que espera “esclarecer todas e quaisquer dúvidas na sabatina”.

“Ainda reafirmo meu compromisso com o Estado laico, a Constituição e a democracia”, disse por meio de sua assessoria.

O corregedor Rinaldo Reis Lima confirmou que foi procurado por Ediene para saber informações sobre uma representação protocolada na Corregedoria. Por meio de sua assessoria, no entanto, disse desconhecer que a procuradora era alvo de investigação no momento em que eles trocaram mensagens.

Lima explicou que os arquivamentos de processos contra Deltan Dallagnol ocorreram porque as provas “ou tinham origem ilícita ou não puderam ser confirmadas”. Ele disse que o plenário chancelou sua decisão.

O ouvidor do CNMP, Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, afirmou, também pela assessoria, que o inquérito movido por sua mulher foi encerrado há 14 anos e que “não existe nenhuma pendência”.

O juiz Paulo Marcos de Farias confirmou à Folha ter havido contato com procuradores da Lava Jato, mas negou o repasse de qualquer tipo de informação referente aos processos quando trabalhou no gabinete do ministro do STF Edson Fachin.

O advogado Engels Muniz disse que explicou o caso dos Correios na sabatina e foi aprovado. “As decisões em colegiados de conselhos de administração são tomadas com base em relatórios e pareceres técnicos e jurídicos”, disse Engels à Folha.

A assessoria do advogado Mario Nunes Maia informou que ele “tem formação em direito, é advogado regularmente inscrito na OAB, tem especialização em filosofia, cursa mestrado e é autor de cinco livros jurídicos”.

Sobre o questionamento em relação à suposta prática de nepotismo, Nunes Maia afirma que só se candidatou porque seu pai está aposentado.

O embaixador Otávio Brandelli não quis comentar. O Itamaraty informou que Brandelli foi aprovado por unanimidade e que subsidia o Senado na “aprovação de todos os nomes indicados pela Presidência da República, sempre de acordo com os limites de sua competência e respeitando as prerrogativas dos parlamentares”.
O diretor-presidente da ANS e secretário do CNMP Jaime de Miranda não haviam se pronunciado até a publicação desta reportagem.

Por JULIO WIZIACK