Bolsonaro investe em comparações com Dilma para desgastar Lula
De acordo com interlocutores, o plano é agir para ressuscitar os anos Dilma na memória do eleitorado
O presidente Jair Bolsonaro (PL) deve investir cada vez mais em comparações de seu mandato com o governo Dilma Rousseff (PT), como parte de sua estratégia eleitoral contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
De acordo com interlocutores, o plano é agir para ressuscitar os anos Dilma na memória do eleitorado e acenar para um público que se mobilizou pelo impeachment da petista ao longo de 2015.
O plano já tem sido colocado em prática pelo mandatário em declarações recentes: ressaltar índices negativos registrados na administração da petista para defender dados adversos divulgados em seu próprio governo.
Com essa essa ação, Bolsonaro também quer evitar que o PT transforme a campanha presidencial numa comparação dos oito anos de Lula no poder com o atual presidente. Lula deixou o Palácio do Planalto em 2010 com altas taxas de aprovação e baixo desemprego.
A ideia de Bolsonaro é reforçar que o período petista no poder também compreende a gestão Dilma e que a recessão iniciada em seu mandato tem reflexos até hoje.
A avaliação de aliados de Bolsonaro é que o PT vai tentar esconder a crise econômica desencadeada no governo da sucessora de Lula e que é preciso evitar que a gestão Dilma não esteja presente no debate eleitoral.
Em entrevista a uma rádio do Espírito Santo na segunda-feira (17), Bolsonaro investiu contra a administração da petista.
“[Em] 2014, 2015, o Brasil perdeu 2,5 milhões de empregos. Quando se fala emprego, é com carteira assinada, que tem um controle por parte de órgãos do governo federal. E não teve pandemia, não teve nada. Era o governo do PT, da senhora Dilma Rousseff”, disse Bolsonaro.
No dia seguinte, em conversa com apoiadores, ele insistiu no argumento.
“Deus nos salvou do socialismo. Garotada, que em grande parte apoia, não sabe o que foi este governo aqui, fica gritando aquele papo furado, falando de inflação. Inflação, sim, tem inflação. O mundo todo está com inflação. Tivemos inflação de 10% com a Dilma, não teve pandemia, nada. Nós tivemos 10% com pandemia”, afirmou.
A referência ao socialismo não é por acaso. Auxiliares afirmam que um dos motes da campanha deve ser tentar repetir a fórmula já empregada em 2018: tachar seus adversários, da centro-direita à esquerda, de comunistas e socialistas.
Em 19 de janeiro, houve nova estocada em Dilma. “Eu decidi disputar a Presidência depois da eleição da Dilma. Poxa vida, alguém tem de fazer alguma coisa. Era um deputado, para ser educado, do baixo clero”, afirmou.
Na semana anterior, ele já havia destacado a inflação registrada durante o mandato de Dilma para se defender das críticas pela alta dos preços de 2021 medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Nos 12 meses do ano passado, o IPCA acumulou variação de 10,06%.
“Olha só, se não me engano em 2014 ou 2015 a inflação foi de 10% também. Me aponte qual crise aconteceu nesses dois anos? Não teve crise nenhuma. Nós tivemos aqui a questão da Covid”, disse Bolsonaro na ocasião.
Assessores presidenciais destacam que a inflação é um dos principais obstáculos para a reeleição de Bolsonaro.
Nesse sentido, ele pretende endossar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que atropela a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e permite, sem necessidade de compensação, o corte temporário de tributos sobre combustíveis e energia elétrica.
O presidente busca terceirizar as responsabilidades pela inflação. Ele tem dito que o aumento de preços ocorre no mundo todo e que, no Brasil, a culpa é de governadores que adotaram quarentenas para conter a Covid-19.
Bolsonaro é vetor de desinformação sobre a pandemia e afirma que o ideal era derrubar as restrições de circulação, ainda que a doença tenha matado mais de 620 mil pessoas no Brasil.
O atual presidente é o segundo colocado nas pesquisas para eleição ao Planalto deste ano, atrás de Lula. Em eventos recentes, Bolsonaro também tem apontado como méritos de sua gestão a oposição a grupos que apoiam as candidaturas petistas, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
“Todos devem se lembrar que tínhamos algumas dificuldades no passado. Por exemplo, a atuação do MST. Nós praticamente anulamos as ações do MST”, disse o presidente na segunda, em evento com representantes do agronegócio.
Para o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), Bolsonaro sabe das fragilidades a serem exploradas contra o PT por já ter disputado um segundo turno contra o partido –contra Fernando Haddad, em 2018.
“O presidente Bolsonaro disputa a eleição contra aqueles candidatos que se apresentarem. Como já foi ao segundo turno com o PT, ele sabe exatamente as fragilidades a serem exploradas contra o seu adversário [Lula]. Eu vejo que há uma lógica à comparação do mundo real, dos fatos concretos, de como as coisas aconteceram”, afirmou à Folha.
A estratégia bolsonarista ocorre em meio a sinalizações do PT de que Dilma deve permanecer em segundo plano na campanha. O partido ainda discute que papel dar à ex-presidente na corrida eleitoral.
Recentemente, um dos vice-presidentes do partido, Washington Quaquá, disse que Dilma não tinha mais relevância eleitoral. Ela tampouco foi convidada para o jantar que sacramentou a aproximação entre Lula e Geraldo Alckmin (ex-PSDB), possíveis aliados e m uma chapa presidencial.
Em 2016, ao ler voto favorável ao impeachment da Dilma em votação na Câmara, o então deputado Bolsonaro fez apologia ao torturador Brilhante Ustra.
A ex-presidente foi torturada durante a ditadura militar. O voto foi repudiado por diversas instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
“Perderam em 64. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, disse Bolsonaro.
Morto em outubro de 2015, Ustra foi chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política, e o primeiro militar condenado pela Justiça como torturador.
Por Ricardo Della Coletta, Mateus Vargas e Mariana Holanda