Bolsonaro foi alertado e recebeu documentos sobre suspeitas na compra da Covaxin, diz deputado
A Covaxin é produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, e negociada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirma ter alertado o presidente Jair Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin.
“No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse o parlamentar à reportagem nesta quarta-feira (23/6).
O deputado é irmão de Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, que relatou ao MPF (Ministério Público Federal), em depoimento em 31 de março revelado pela Folha, ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato.
Segundo o parlamentar, naquele encontro, Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. “Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo”, disse Miranda.
O parlamentar afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da PF. “Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção.”
Miranda é da base do presidente e não quis responder se Bolsonaro prevaricou. “Levei [o caso] para ele porque confio nele. Espero que ele tenha feito alguma coisa”, disse o deputado.
Miranda e seu irmão serão ouvidos pela CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira (25/6).
O encontro em que o deputado teria alertado Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra ocorreu em um sábado e não está registrado na agenda oficial do presidente. Naquele dia, Miranda publicou nas redes sociais uma foto ao lado de Bolsonaro.
Nesta terça-feira (22/6), o deputado disse à Folha que havia encaminhado os relatos de seu irmão a autoridades, mas não quis confirmar para quais. “Se eu responder para você, cai a República”, disse.
O governo fechou contrato para compra da Covaxin em 25 de fevereiro, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de “vacina chinesa do João Doria”.
A Covaxin é produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, e negociada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos.
Na última sexta-feira (18/6), a Folha revelou o teor do depoimento dado ao MPF pelo servidor, irmão do deputado. Ele apontou pressão atípica para a importação da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo Ministério Público Federal.
A Procuradoria ainda desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, como mostrou a Folha.
O valor do contrato da Covaxin é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada uma das 20 milhões de doses, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo ministério. A pasta afirma que só fará o pagamento quando receber os lotes.
Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.
A aprovação na agência sanitária foi facilitada por mudança na legislação que partiu de emendas a uma medida provisória, como a apresentada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro.
Em nota, a assessoria do parlamentar nega interferência e cita propostas similares de deputados da oposição, como Orlando Silva (PC do B-SP).
Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, deve prestar depoimento à CPI na próxima semana. A comissão também pediu a quebra dos sigilos do empresário.
Os senadores querem apurar se houve irregularidade na compra da vacina. O contrato foi fechado antes do aval da Anvisa ao imunizante, e por um preço mais alto que o negociado com a Pfizer, (US$ 10), por exemplo. A Bharat Biotech fixou preços de US$ 15 a US$ 20 para cada dose exportada de sua vacina.
Maximiano também é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita. A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu. O atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, era ministro da Saúde à época.
O irmão do deputado Miranda também depôs neste caso, apontando irregularidades. A Saúde ainda negocia a devolução da verba. Procurado, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou.